Não me causa nenhuma estranheza os métodos do juiz Moro adotados à frente da lava Jato. De fato nada disso é difícil de entender e passa por uma questão muito simples. No Brasil, o judiciário sob pressão da mídia, desde o julgamento da ação penal 470 aplica o Direito Penal do Inimigo. O inimigo a ser derrotado pela mídia é o PT, contra o PT vale tudo. Basta uma avaliação superficial de outra operação policial da PF, tão escandalosa quanto a Lava Jato, a Satiagraha, cujo delegado Protógenes Queiroz foi afastado de suas funções, acusado de vazar informações sigilosas para imprensa e condenado no STF a perda do cargo de delegado e a pena de prisão.
A Satiagraha investigava Daniel Dantas e seus negócios nebulosos adquiridos durante o processo da famigerada Privataria Tucana. Logo, uma montanha intransponível emergiu e foi colocada à frente do delgado Protógenes. O juiz responsável, Fausto De Sanctis, foi "promovido" a forceps para uma vara que cuida de aposentarias, não antes de responder a vários procedimentos nos órgãos corregedores de justiça, inclusive no CNJ.
Um ministro do STF ficou permanentemente de plantão, durante o recesso do judiciário, para reparar todos os "abusos" supostamente cometidos por De Sanctis, para proteção das garantias individuais dos acusados, cuja figura mais exponencial era Daniel Dantas. Em menos de 48 horas foi concedidos dois habeas corpus ao banqueiro condenado. O último, altas horas de dentro do STF.
À mídia, diferente da postura que assume agora, marchou unida para denunciar os vazamentos de dados sigilosos da operação, o voluntarismo do delegado e a audácia do juiz em confrontar por duas vezes a decisão do ministro presidente do STF, à época dos fatos, Gilmar Mendes.
As cabeças mais coroadas do direito penal e constitucional brasileiro, fizeram coro ao alarido de Gilmar contra um suposto Estado Policial que ameaçava o Estado Democrático de Direito. Capas de revistas, manchetes de jornais, matérias televisivas e comentários radiofônicos no estilo histriônico, de colunistas a soldo de interesses inconfessáveis, conseguiram banir um juiz e um delegado de comandarem uma operação policial que expôs as vísceras do capitalismo brasileiro.
Até uma súmula foi aprovada, a das algemas, tudo casuisticamente em defesa de Daniel Dantas, sob o disfarce de preservar a legalidade do Estado Democrático de Direito. Por fim, essa operação foi anulada e encontra-se em sede de recurso no STF.
Olhando de soslaio a Lava Jato, não é temerário afirmar que muitas ilegalidades em proporções que superam as que supostamente foram cometidas na Satiagraha, beiram as raias do absurdo e o juiz Moro ultrapassou todos os limites. No entanto, prevalece o silencio conivente que só tem sido quebrado esporadicamente, como o fez Marcos Aurélio Melo em recente pronunciamento falando de seu estarrecimento sobre como essa investigação tem sido conduzida e algumas outras poucas vozes isoladas que não merecem os holofotes da mídia tradicional.
Por que diferença tão gritante entre os atos da Satiagraha para com os da Lava Jato? A Lava Jato investiga as pessoas certas. Ligadas ao PT, enquanto a Satiagraha investigava um empresário com fortes ligações a Privataria Tucana.
Observe que quando o STF julga para além das pressões da mídia, toma decisões sóbrias, em consonância com o direito constitucional mesmo quando isso causa perplexidade ao senso comum. É o caso da decisão de uma turma do STF que julgou pelo arquivamento de um inquérito que investigava José Aníbal e um parlamentar do DEM. Não haviam segundo os autos, implicações diretas dos envolvidos. Assim, Fux "matou no peito" e pediu o arquivamento. O fez corretamente, apesar de eu criticar. Critico porque se fosse dois petistas, o inquérito não teria sido arquivado. Isso é fato. Não critico a legalidade da decisão. Mas o uso de dois pesos e duas medidas.
A questão que tem que ser discutida diz respeito a cobertura política que a mídia dá aos eventos tratando-os de maneira oposta quando o PT é o alvo e/ou quando o PSDB é quem está enredado em algum escândalo de corrupção. Fazendo pressão sobre autoridades judiciais e o Ministério Público de modo a aplicarem a lei em oposição as normas constitucionais, a fumaça do bom direito. A um, que é o adversário a ser destruído, aplicando o Direito Penal do Inimigo e a outro, o aliado a ser preservado, as garantias prescritas na constituição, a saber, a presunção de inocência, o contraditório, o habeas corpus etc...
A covardia institucional das autoridades judiciais é que tem produzido essa anomalia, esse monstrengo jurídico. A pergunta que não quer calar: Vale a pena ficar a reboque dos interesses políticos de uma mídia que atua como partido político levando o judiciário a tomar decisões a reboque desses interesses mesmo que a custa do sacrifício das garantias prescritas na constituição, torcendo leis, aplicando leis ao bel prazer de teorias estranhas ao nosso direito, como a Teoria Funcional do Domínio dos Fatos, ou as relativas ao uso indiscriminado de prisões para forçar delações que mais tarde servirão para manchetes de jornais, capas de revistas e reportagens televisivas com o fito de alcançar inimigos no poder?
Sim, porque é disso que se trata. O Estado Democrático está sendo vilipendiado dia após dia pelo juiz Moro pela razão simples de que sem o apoio da mídia essa operação Lava Jato já teria sua nulidade decretada. O apoio da mídia lhe dá sobrevida e faz do juiz Moro um intocável que amedronta os capas pretas do STF que engolem a seco toda sorte de decisão contrária ao bom direito tomadas por Moro.
E não há nada que indique que essa escalada vá ser contida. Se o PT não fosse o partido no poder e o inimigo a ser destruído pela mídia, e em seu lugar outro partido ocupasse o mais alto posto do executivo, essa operação Lava Jato já teria ido para as calendas. Não adianta reclamar das ilegalidades praticadas. É preciso questionar o poder que a mídia tem de vergar o judiciário a seus interesses e levá-lo a cometer as mais absurdas e esdrúxulas medidas que atentam contra as garantias individuais dos acusados apenas para destruir um inimigo político mesmo que ao sacrifício da credibilidade do judiciário.
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