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SIM, A CBF É UM ESTADO, MAIS SOFISTICADO DO QUE O NARCOTRÁFICO, TÃO EFICIENTE E BEM ARTICULADO NA OBTENÇÃO DE SEUS INTERESSES QUANTO OS TRÊS PODERES, ESCREVE COLUNISTA DO BAHIA 247 CAZZO FONTOURA
Se não há alinhamento dos planetas, só nos resta, no futebol, testemunhar o óbvio. A vitória alemã alivia porque desbanca possibilidades irracionais e, de tão lógica, torna obsoleta resenha qualquer tentativa de crônica. Graças à indisposição de suportar o eterno arranjo do Mano Menezes, abre-se uma inesgotável brecha, desviando-o do alvo para revitalizar uma indignação mais justa do que escandalizam os cabelos de Neymar à moral espanhola. A eternidade de Ricardo Teixeira à frente da CBF é inescrupulosa e me preenche os olhos de sangue.
Pasmem e saibam: o genro de João Havelange requenta a mais alta cadeira do futebol nacional desde o ano de 1989. E antes que se imagine a estupidez de que um mandato na CBF dura vinte e dois anos, é preciso deixar transparente que há, sim, eleições e há, também, reeleições ad infinitum. Os requintes de estadista, como historicamente se reconhece, passam por uma fundamental farsa democrática. As consecutivas vitórias de Ricardo Teixeira conseguem ser mais devassas do que as eleições cubanas nos combativos tempos do Fidel, mais cínicas do que a sequência eleitoral e de plebiscitos venezuelanos das últimas décadas. Impalpáveis, as urnas que decidem os rumos burocráticos de nosso futebol jamais chegaram aos olhos do senso comum, e a imprensa, quase inteira, fez pouco caso.
A intencional independência da instituição camufla acertos financeiros no momento crucial das eleições, legitima convênios que, muitas vezes, se definem à base de promíscuas relações com empresas privadas e órgãos públicos e – não poderia faltar – facilitam as licenças de transmissão dos jogos que, sempre e sempre, perpetuam manobras de isenção moral, movimentando suspeitas contas bancárias na Suíça. Antes que nos acometam enganos ou deliberadas alienações, está em jogo, nisso tudo, dinheiro público.
Sim, a CBF é um Estado, mais sofisticado do que o narcotráfico, tão eficiente e bem articulado na obtenção de seus interesses quanto os Três Poderes. Astuta, a mão de ferro aveludado de Ricardo Teixeira tem nos reconhecidos e influentes grupos de comunicação e jornalismo o imprescindível alicerce. Um silêncio tão doente do vizinho reclamar [ouça Chico Buarque] é o que reverbera para além dos satélites das Organizações Globo se o assunto é Ricardo Teixeira. Nos mais críticos momentos do paralelo estadista (quando fora obrigado a explicar supostos "laranjas" ou na berlinda da "CPI da Nike"), sem adjetivos cortantes nem sede de justiça, inegavelmente, o Jornal Nacional noticiou o fato, mas logo se ateve a enfatizar a previsão do tempo, os acidentes nas estradas brasileiras, os gols da rodada.
Outro caso curioso de absoluta fidelidade contratual é o da Rede Bandeirantes. O Programa Custe o Que Custar (CQC) proporciona à emissora paulista a fatura que há tempos não lhe recheava os cofres, já que, à base de gracejos críticos e denúncias animadas, Marcelo Tas e companhia fomentam o suspiro raivoso da nova classe média e respectivos emergentes. Porém, o líder de audiência e merchandising não detona sobre Ricardo Teixeira uma ínfima edição de sarcasmo, nem nunca mandou, à porta da CBF, qualquer homem ou mulher de preto, municiados de câmera, microfone e óculos escuros.
Porque ficou sem os agrados que as famílias Marinho e Saad gozam, sobrou à Rede Record o ressentimento. E, por isso, esse ano nos presenteou com a sequência de denúncias em telejornais, que durou semanas, relacionadas a Ricardo Teixeira. Escolada na arte do mal dizer, a Emissora evangélica articulou tão bem o massacre que, até nas bandas de cá, na TV Itapoan, no mesmo período das ofensivas matérias, viu-se, feroz, Raimundo Varella vomitar impropérios sobre a moral da maior autoridade do nosso futebol.
Resistência e verbo solto respeitável apontando falcatruas, sujeiras e abomináveis acordos de Ricardo Teixeira até então se vê, de forma contundente, em poucos membros da nossa imprensa: Juca Kfouri, Bob Fernandes, Jorge Kajuru, Alberto Dinessão alguns. E é óbvio que não se deve tirar do alvo desses bem intencionados jornalistas os clubes, ou mais especificamente, o Clube dos 13, que está entre os bem-vindos clientes das invictas eleições do Ricardo Teixeira. E ainda que tendo passado por situações tensas, sem demoras, se viu, muitas vezes, um nocivo consenso entre o paralelo chefe de Estado e os mais representativos clubes do país. De modo impositivo, veio da CBF a virada de mesa do Fluminense quando caíra pela primeira vez à Série B. E partiu do Esporte Clube Bahia, obedecendo à cartilha do Ricardo Teixeira, acatar pôr fim ao bem sucedido Campeonato do Nordeste, pois tal evento vinha tirando a atenção de significativa audiência dos campeonatos paulista e carioca.
Há pouco tempo, enquanto assistia ao seriado "Chaves", distraído, me dei conta de que muitos anos atrás, quando criança, eu já me deleitava diante dessa atração televisiva que agora, com meu filho, continuo contemplando. Não contente, me veio o desprazer, involuntário, de lembrar que tal qual a obra-prima mexicana, o senhor Ricardo Teixeira, desonroso, também atravessa gerações. Pois que o mal quisto desfruta, desde 2007, de sua quinta temporada no comando do nosso futebol. E o que deveria ter fim em 2012, por algum fugidio motivo, prolongar-se-á até dias ou semanas depois de terminada a Copa do Mundo de 2014. Mais precisamente: quando eu tinha 10 anos de idade Ricardo Teixeira chegara à CBF; quando meu filho tiver 10 anos de idade Ricardo Teixeira ainda estará na CBF.
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