Elizabeth Lopes, da Agência Estado
SÃO PAULO - Em meio ao acirramento da crise econômica europeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela preocupação com a ausência de liderança hoje no mundo. "(Barack) Obama (presidente dos EUA) pensa nos americanos, (Angela) Merkel (chanceler alemã) nos alemães, cada um no seu mandato. O mundo não está pensando de forma globalizada", advertiu o petista, em entrevista exclusiva, concedida nesta semana, à documentarista portuguesa Graça Castanheira e reproduzida nesta quinta-feira, 24, no site do jornal português O Público.
Tiago Queiroz/AE
Lula também afirmou que Dilma por 'dar oito anos mais ao Brasil'
Na entrevista, Lula diz que "o pobre do povo grego" está pagando para bancos franceses e alemães e que a Europa não pode destruir a União Europeia. E destacou o fato de os países europeus terem ficado muito na dependência da Alemanha, que teve importância nessa unificação, "mas também foi a grande ganhadora desse mercado porque 70% de suas exportações são para a Europa". Na sua avaliação, a crise da Grécia poderia ter sido resolvida há um ano "com poucos bilhões". E frisou: "Eu gosto de fazer política. Temos de trabalhar para interferir na política mundial."
Lula falou da China, que tem um papel importante, mas não pode viver uma crise, e dos Estados Unidos, que têm um papel igualmente importante, "só não podem é achar que fazem com o dólar o que querem". E alfinetou: "O mundo fica à disposição do tesouro americano. Não é justo que a gente dependa do dólar." Não faltou crítica também ao FMI: "O FMI é muito bom quando a crise é na Bolívia, mas quando a crise é nos EUA, o FMI não vale nada."
Apesar de estar se recuperando do tratamento de combate a um câncer na laringe, Lula diz que não consegue descansar mais do que três dias seguidos: "Faz parte da minha genética, sempre fui habituado a trabalhar." E falou do seu compromisso moral com o continente africano. "Não é possível que o século XXI não seja o século do continente africano e da América Latina."
Dilma. Na entrevista, concedida no Instituto Lula, o ex-presidente diz que tem muito a agradecer a Deus por ter vivido oito anos de um mandato de muita intensidade. "Fizemos coisas extraordinárias, mais de 20 milhões saíram da miséria e 40 milhões passaram à classe média." E argumentou que a presidente Dilma Rousseff, sua sucessora e afilhada política, tem condições de fazer muito mais e melhor. E que se sente gratificado em ter feito uma sucessora mulher, que tem tantos ou mais compromissos do que ele e pode "dar oito anos mais ao Brasil".
Na avaliação do ex-presidente, como a esquerda está fragilizada no mundo, há um ganho em ter mais mulheres na política. E citou que Dilma está fazendo diferença no comando do País. "Governar o País é agir como se fosse uma mãe, e a mãe é o ser mais justo, tem muito mais sensibilidade política, uma leveza na compreensão das coisas e consegue enxergar coisas que o homem não consegue". Mesmo assim, revela que aconselhou Dilma a "cuidar dos pobres" e a estabelecer prioridades.
Barba. Na entrevista, Lula falou também sobre o tratamento de combate ao câncer, revelando que em 66 anos nunca tinha ido ao hospital, a não ser para operar uma apendicite. E lamentou que sua barba - que já tinha 30 e poucos anos e pela qual tinha muito carinho - não vai mais nascer do jeito que era. "Mas sairei dessa experiência mais compreensivo, mais disposto a dar do que receber."
Lula diz que já faz sete meses que está se cuidando e que a doença mexeu com ele. E que o seu primeiro grande susto ao descobrir o tumor, foi o temor de perder a voz: "O que eu vou fazer na política aos 66 anos e sem voz?", disse, reiterando que o tratamento deu muito certo. Por recomendação médica, Lula não em falado muito. Essa entrevista durou 38 minutos e, ao final, Lula já estava quase sem voz, diz o site português.
Antes de se despedir, o ex-presidente ainda disse: "Quero ver se vou a Lisboa este ano, alugar um carro e conhecer todo o país. Prometi à minha mulher. Faço 38 anos de casado e ainda não cumpri." A entrevista de Lula vai ao ar em julho, na Rádio e Televisão de Portugal (RTP), e faz parte da série "O Tempo e o Modo", composta por entrevistas de 30 minutos cada com 11 personalidades internacionais, como o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, a artista experimental norte-americana Laurie Anderson e o escritor português Gonçalo M. Tavares, dentre outros.
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