Obama consegue acordo para elevar o teto da dívida dos EUA, mas ainda não afasta risco de um calote internacional
Fabíola Perez
Países latino-americanos foram tratados
como republiquetas irresponsáveis quando tiveram dificuldades em honrar
suas dívidas externas na década de 1980. As moratórias e os calotes que
marcaram aqueles anos eram vistos pelas nações ricas como atrasos
civilizatórios, e não como consequência previsível da brutal alta de
juros que os Estados Unidos adotaram para conter a inflação causada pela
crise do petróleo. Pois na semana passada, foi a maior economia do
mundo que se salvou, por pouco, de dar um calote. Seria um calote
colossal, capaz de lançar o mundo inteiro em recessão. Na quarta-feira
16, um dia antes de os Estados Unidos ficarem tecnicamente sem dinheiro
para pagar seus compromissos financeiros, o Congresso aprovou um projeto
que elevou o teto da dívida do país. Foi o desfecho de duas semanas de
pressões políticas que obrigaram o governo americano a interromper
atividades não essenciais. Exigindo o adiamento da reforma da saúde
pública, a oposição republicana provocou uma paralisação que custou aos
Estados Unidos pelo menos 0,6% no resultado do PIB do quarto trimestre,
ou seja, US$ 24 bilhões. O presidente Barack Obama agradeceu aos
partidos que negociaram o entendimento, mas alertou: “Precisamos nos
livrar do hábito de governar o país por meio de crises. Temos que
conquistar de volta a confiança do povo americano”.
PODER RACHADO
O líder republicano John Boehner, presidente da Câmara, também ficou nas
mãos dos radicais, sem forças para comandar uma saída para a crise
O líder republicano John Boehner, presidente da Câmara, também ficou nas
mãos dos radicais, sem forças para comandar uma saída para a crise
Não será uma tarefa fácil, dentro ou fora
do país. “O mero fato de se cogitar um calote é totalmente
irresponsável”, afirmou o megainvestidor Warren Buffet. “Credibilidade é
como virgindade: pode ser preservada, mas não recuperada facilmente.”
Os Estados Unidos brincaram com fogo e, apesar de o risco de uma
profunda recessão ter sido adiado, saíram da crise com a imagem
arranhada. A pressão do Tea Party, a ala radical do Partido Republicano,
sobre o presidente Obama despertou uma insatisfação generalizada na
população. Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Gallup revelou
que a aprovação dos conservadores caiu dez pontos percentuais em um mês,
ou seja, apenas 28% dos americanos são favoráveis ao partido. “Eles
perceberam que não chegariam a lugar nenhum com as paralisações e
resolveram ceder ao acordo”, disse à ISTOÉ Alan Brinkley, historiador e
especialista em política americana da Universidade Columbia. Mas a
paralisação do governo também jogou luz sobre outro entrave da política
do país: o colapso da autoridade americana. A segmentação da oposição
fez com que o presidente da Câmara, John Boehner, ficasse nas mãos dos
opositores radicais, sem poder de liderança diante da confusão. O
impasse animou adversários pelo mundo afora. Na semana passada,
autoridades chinesas se animaram a defender uma economia global
“desamericanizada”, para que a comunidade internacional consiga se
proteger dos efeitos da política doméstica dos Estados Unidos. “Eles se
esqueceram de que são os detentores da moeda mundial e tiveram uma
atitude irresponsável”, observou Miguel Daoud, economista e diretor da
Global Financial Advisor. Para o especialista, o ambiente de segurança
foi retomado, mas o mundo perdeu a confiança. “Nas variáveis que as
agências de risco avaliam entrou o componente político, sinalizando que
as autoridades americanas visam mais o poder do que a nação”, disse
Daoud.
O maior problema é o tamanho do déficit dos
Estados Unidos. Desde a crise de 2008, o rombo nos gastos públicos
cresce vertiginosamente. Para resolver o impasse, republicanos acreditam
que cortar os gastos públicos é premente. Já para os democratas, a
solução está em aumentar os impostos para as classes de maior poder
aquisitivo. Obama e os líderes democratas têm até fevereiro do ano que
vem (quando vencem os termos do acordo acertado agora) para mostrar
resultados positivos na economia. Caso contrário, podem voltar a sofrer
mais uma vez a pressão dos conservadores, colocando em risco o programa
de incentivo à saúde que foi a grande promessa de campanha de Obama. A
seu favor, o presidente americano tem ainda o desgaste que seus
opositores também sofreram com o jogo pesado no Congresso. “Os
republicanos perceberam que adotaram a estratégia errada”, acredita
Gunther Rudzit, professor de relações internacionais das Faculdades Rio
Branco. “A população se preocupa com a dívida pública, mas não concorda
em colocar em xeque os benefícios para a saúde”, diz ele. O acordo que
veio para adiar uma situação insustentável dará alguns meses de respiro a
Obama, mas está longe de ser uma solução, num país que se mostra
profundamente dividido e radicalizado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário