sábado, 16 de novembro de 2013

E Zé Dirceu mudou o Brasil


O ex-guerrilheiro que enfrentou a ditadura militar e ajudou a colocar um operário no poder vai para a prisão por corrupção e se transforma no símbolo nacional contra a impunidade

Josie Jeronimo

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OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE LIBERDADE
José Dirceu deixa o mar na praia de Itacaré (Bahia), na
quarta-feira 13, enquanto sua prisão era definida em Brasília

José Dirceu de Oliveira usava boné preto e calção branco nas areias do paraíso baiano de Itacaré, na quarta-feira 13, quando mais uma vez foi surpreendido pela história. Dessa vez, a surpresa não foi protagonizada por homens fardados a serviço de um regime de exceção, contra o qual o ex-todo-poderoso ministro empenhou boa parte de seus 67 anos. Na quarta-feira, no final de uma das mais longas deliberações do Supremo Tribunal Federal, os 11 ministros praticamente encerraram o chamado julgamento do mensalão e 13 dos 25 réus já condenados tiveram suas prisões decretadas. Entre eles há empresários, uma banqueira e diversos líderes políticos (leia quadro acima), mas Dirceu, sem dúvida, é o principal personagem de uma história cujo desfecho pode representar significativa mudança para o Brasil.

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Em cinco décadas, José Dirceu viveu momentos difíceis e também gloriosos da política brasileira. Liderou os protestos estudantis de 1968, exilou-se em Cuba e retornou ao Brasil como guerrilheiro disposto a pôr fim à ditadura militar. Experimentou a clandestinidade, ajudou a organizar a campanha das diretas-já, foi um dos arquitetos do PT e um dos principais responsáveis pela chegada do partido ao poder. Tinha o projeto e estava se preparando para ser o sucessor de Lula quando acabou abatido no escândalo do mensalão, acusado de ser o “chefe de uma quadrilha” que desviava dinheiro público para a compra de apoio parlamentar. Na semana passada, enquanto na Bahia o ex-ministro descansava na praia, em Brasília sua prisão era decidida não por razões políticas ou ideológicas, mas por corrupção e formação de quadrilha. No papel de réu, José Dirceu, por mais irônico que pareça, contribui mais uma vez para revolucionar o País. A decisão do STF vira uma página de nossa história. A ideia de que do lado de baixo do Equador os casos de corrupção terminam em pizza e de que os poderosos não são punidos como os simples mortais pode estar com os dias contados. Para isso, basta que em suas futuras decisões os membros da mais alta corte de nossa Justiça ajam com o mesmo rigor com que julgaram o mensalão.

Alertado por seus advogados, pouco depois de Joaquim Barbosa anunciar a decisão do STF em Brasília, José Dirceu já havia abandonado o traje de banho e tomava o caminho de São Paulo. Era tarde da noite quando desembarcou em Jundiaí, a caminho de sua casa em Vinhedo, onde pretendia assistir à reabertura do julgamento, na quinta-feira 14. Mais tarde, foi até seu apartamento, no Ibirapuera, em São Paulo. Fiel a uma postura de lutar por seus direitos e defender a própria inocência sem tomar nenhuma atitude que possa ser vista como desafio à lei, seria conveniente a José Dirceu encontrar-se em seu endereço residencial quando uma equipe da Polícia Federal tocasse a campainha, o que se imaginava que poderia acontecer mesmo nos dias seguintes. Na tarde da quinta-feira 14, o único pedido de José Dirceu aos advogados era o de que fosse poupado de cenas constrangedoras, como o uso de algemas e a condução em viaturas policiais.

Oito anos se passaram desde que o mensalão foi denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), também com a prisão decretada pelo STF. E, apesar da experiente bancada de defensores, todos os réus foram colhidos de surpresa na semana passada. A bons observadores, não foi difícil constatar que a medida foi aprovada às vésperas de 15 de novembro, aniversário da República, aquela que tantos julgam ameaçada e outros supõem distraída. Antes da quarta-feira 13, mesmo os tarimbados profissionais de direito não faziam ideia da importância especial da sessão marcada para aquele dia. A maioria das cadeiras reservadas a advogados, no plenário do STF, estava vazia. Idem para as mesas e os computadores destinados aos jornalistas e também para poltronas que acomodam estudantes que costumam ser anunciados pelo ministro Joaquim Barbosa antes do início dos trabalhos. Depois que a defesa conseguiu, há dois meses, a aprovação dos embargos infringentes, naquela que foi a primeira derrota aberta de Joaquim Barbosa no julgamento, a impressão geral era de que a Ação Penal 470 entraria em novo curso, favorável aos acusados. Em função da natureza específica dos crimes de que são acusados, boa parte dos condenados do núcleo político, com José Dirceu à frente, parecia ter ótimas chances de escapar do regime fechado.

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EXECUÇÃO IMEDIATA
Em sua estreia no mensalão, o procurador da República
também pediu a prisão imediata dos mensaleiros
A decisão da última semana não muda essa percepção, mas aos brasileiros permite a avaliação de que a impunidade não venceu. E, sob o ponto de vista jurídico, pode encerrar a fase de boas notícias para os réus. Depois que o STF aprovou a execução das penas por 11 a 0, a estratégia de procurar retardar as decisões fica absolutamente comprometida. Agora, entendem juristas ouvidos por ISTOÉ, as chances de os réus saírem vitoriosos em seus pedidos de revisão parecem menores. A votação da quarta-feira 13 mostrou que ministros até então considerados votos fiéis aos acusados podem perfeitamente se alinhar ao relator do processo, ministro Joaquim Barbosa.

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Os primeiros sinais de que os dias de José Dirceu em Itacaré estavam para terminar surgiram na noite da terça feira 12, quando o novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgou um parecer sobre o julgamento. Janot assumiu o posto em setembro, recebendo elogios até da banda jurídica do governo Dilma Rousseff, convencida de que os tempos excessivamente politizados de Roberto Gurgel e Antônio Carlos Fernando haviam terminado. Divulgado depois que Janot teve um encontro reservado com Joaquim Barbosa, antes do julgamento, o parecer desmentia essa visão e antecipava a proposta que o presidente do STF iria apresentar de viva voz, no dia seguinte, durante a sessão. Janot trazia, no parecer, a ideia de pedir a prisão de todos os réus com condenações definitivas – ressalvando, apenas, os crimes em que ainda se aguardasse recurso.

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RUMO À CADEIA
Em sua casa no interior do Rio, na quinta-feira 14, o ex-deputado
Roberto Jefferson aguardava a confirmação do cumprimento imediato de sua pena

Surpresos com o posicionamento do procurador-geral, os advogados esperavam que Janot usasse a tribuna para sustentar sua tese. Isso lhes facultaria o uso da palavra e qualquer decisão levaria ao menos cinco ou seis sessões para ser tomada. Na prática, imaginavam levar a discussão apenas para depois do recesso do fim de ano. O que eles não esperavam é que o procurador permanecesse em absoluto silêncio. Diante dos protestos dos advogados da defesa, queixando-se de que não era correto serem recebidos com uma medida de surpresa, à ultima hora, o ministro Ricardo Lewandowski solicitou que fosse dado o prazo de cinco dias para que todos debatessem a questão. “A surpresa num processo jurídico não é compatível com o ordenamento legal de um regime democrático,” disse o ministro, mais tarde, falando à ISTOÉ. Lewandowski acabou derrotado por 9 a 2.

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Da mesma forma que o Supremo ainda elaborava, na semana passada, os últimos cálculos sobre as penas de cada condenado, estavam em curso os preparativos para recebê-los. Numa primeira fase, o plano é reunir todos eles numa ala especial no presídio da Papuda, em Brasília, que costuma receber políticos que cumprem penas provisórias em casos de corrupção apurados em sucessivas operações da Polícia Federal. Nos últimos anos, 150 agentes penitenciários foram treinados e integram um grupo que deverá cuidar dos condenados da Ação Penal 470 assim que as guias de prisão começarem a ser cumpridas. Geralmente, os pedidos de prisão são direcionados aos órgãos estaduais de execução. Como o Supremo é uma corte nacional, Joaquim Barbosa optou por centralizar no Distrito Federal a primeira fase de apresentação dos réus.

Os condenados devem chegar a Brasília de avião e ser entregues às autoridades penitenciárias do Distrito Federal. Seu destino é uma ala composta por dois blocos independentes, com sete celas cada uma. Os condenados terão escolta, por serem considerados presos “com visibilidade”, o que implica não apenas a curiosidade maior dos meios de comunicação, mas também eventuais problemas de segurança. A rotina de cada preso na Papuda dependerá, inicialmente, dos despachos do juiz Ademar Silva de Vasconcelos. Cabe a ele decidir se o preso pode ou não ter televisão, cela individual, receber alimentação especial e esquema especial de visitas. De forma discreta, o juiz tem sido assediado por advogados procurando assegurar o melhor conforto aos condenados.

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A passagem por Brasília pode ser definitiva ou provisória. Dependerá, na verdade, da disposição de cada preso. Aqueles que solicitarem permanecer na capital federal terão direito a fazê-lo. Mas a legislação reserva às pessoas privadas de liberdade o direito de solicitar transferência para uma área próxima de seu domicílio. A palavra final é sempre do juiz encarregado da execução penal, mas essas solicitações costumam ser atendidas.

Na agenda do Supremo estão vários casos de corrupção envolvendo figuras importantes da República. Entre eles há o mensalão tucano e o mensalão do DEM, por exemplo. Daqui para a frente, portanto, os ministros do STF terão oportunidade de provar ao País que a intolerância com os desvios de conduta dos poderosos e o ataque aos cofres públicos seguirão merecendo rigor idêntico ao da AP 470.  
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
foto: Estadão conteúdo
Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

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