Esta história fundiu minha cabecinha, porque não sei o que pensar.
Muitas das pessoas
que me leem são jovens, e nem estavam vivas, ou eram crianças, em 1997.
Nesse ano aconteceu um crime terrível em Brasília: na madrugada do dia
20 de abril, cinco jovens de classe média-alta atearam fogo ao índio
pataxó Galdino Jesus dos Santos, que dormia num ponto de ônibus.
Galdino era um
líder indígena que tinha vindo da Bahia para participar de comemorações
do Dia do Índio e fazer reivindicações. Ele e outras lideranças chegaram
a se reunir com o então presidente FHC. Morreu queimado,
horas depois. Hoje há alguns monumentos em sua homenagem. O local onde
ocorreu o assassinato foi rebatizado de Praça do Compromisso.
Em sua "defesa", os
jovens criminosos disseram, na época, que só queriam dar um susto no
homem, e que pensavam que ele era um mendigo. Esse tipo
de "defesa" foi usada novamente em 2007, quando cinco rapazes, também
de classe média alta, espancaram uma empregada doméstica num ponto de
ônibus no Rio. Eles pensaram que era uma prostituta (porque, né, atear
fogo em mendigo ou espancar prostituta, tudo bem).
Voltando ao terrível caso Galdino, quatro dos cinco jovens foram condenados a 14 anos de prisão, desfrutados com inúmeras regalias
que são concedidas apenas aos brancos bem nascidos que raramente vão
parar na prisão. O quinto envolvido era menor de idade quando cometeu o
crime. Tinha 17 anos na ocasião, e por isso teve que cumprir apenas
medida socioeducativa de quatro meses. Saiu do centro de reabilitação
juvenil com ficha limpa, como manda o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Dezessete anos
depois, Gutemberg (o menor de idade na época) prestou concurso para a
polícia civil do DF. Passou em todas as provas (objetivas, discursivas,
biométrico, psicológico, de capacidade física). Faltava só a análise da
vida pregressa. Porém, como ele não tinha antecedentes criminais
(afinal, pela lei, a infração de um menor de idade é apagada), ele teria
que ser aprovado. E não foi. É essa a dúvida.
O Correio Brasiliense publicou uma boa reportagem
ontem, entrevistando especialistas com opiniões discordantes. Mas é
quase unânime que, se Gutemberg entrar na justiça, conseguirá a
aprovação no concurso, porque ele não pode ser punido ou discriminado
por um crime cometido quando era menor. Outra coisa, que muita gente
ignora, é que maiores de idade que cumpriram sua pena tampouco podem ser discriminados.
Ou seja, se algum dos outros quatro rapazes prestasse concurso e passasse nas provas, seria aprovado -- obteria a certidão de nada consta se
tivesse cumprido a pena e ficado mais dois anos sem delitos. "Não
existe punição perpétua. Depois que pagou pela pena, o indivíduo deve
ser reintegrado à sociedade", disse um advogado à reportagem.
Então. Tudo isso
mexe comigo. Sou contra a redução da maioridade penal, porque acho que
isso simplesmente não resolve. A cada caso de violência que causasse
comoção pública, teríamos que baixar mais e mais a maioridade, até o
ponto de querer mandar, se depender da sanha punitivista de muitos,
crianças de cinco anos para a cadeira elétrica.
Sem falar que
reduzir a maioridade colocaria no xilindró apenas alguns menores de
determinada cor e classe social. E sem falar que há infinitamente mais menores de idade que são mortos (por adultos) do que menores que matam.
Eu sou contra a
barbárie, e barbárie, pra mim, não é só o bandido que estupra ou mata ou
queima uma pessoa, mas também quem lincha esse bandido.
Como sou contra a
pena de morte, acredito em reabilitação. Acredito que as pessoas possam
mudar e aprender a conviver pacificamente em sociedade. Mas acho que um
criminoso deve ser punido (por exemplo, quero que o goleiro Bruno passe
boa parte dos 22 anos a que foi condenado pelo assassinato de Eliza Samudio preso, sem poder ser contratado para jogar futebol). Punido e reabilitado.
Sou
a favor que Gutemberg exerça algumas profissões, mas não outras, como
policial ou juiz. Eu não quero que um sujeito que cometeu o crime
bárbaro de queimar alguém tenha acesso a uma arma e a muito poder. Até
porque a gente sabe que a carreira policial atrai muitos caras
problemáticos, preconceituosos, violentos, trigger happy, digamos (eu pensava sempre nos amigos de Alex em Laranja Mecânica; depois que conheci os mascus, vi que existem vários policiais entre eles).
Lógico, eu não
mando nada, e quem tem que decidir é a justiça. Mas o tema da
reabilitação, do perdão (que pra mim não tem o menor sentido religioso),
é algo que sempre me inquieta. Quanto tempo é necessário para que a
gente "absolva" uma celebridade que cometeu um crime? O que seria totalmente imperdoável pra você?
Eu penso sempre no ótimo filme do Cronenberg, Marcas da Violência (veja trailer),
em que um pacato dono de um bar numa cidadezinha mata dois criminosos
sádicos, em legítima defesa. Sua mulher descobre que ele havia sido um
mafioso assassino vinte anos atrás, antes de conhecê-lo. E aí, o que você faria? Separa-se dele? Continua com ele, porque ele sempre foi um marido exemplar?
E se não estivermos
falando de um mafioso assassino, mas de algo mais dúbio? Tipo: você é
super amigx há dez anos de um cara, e aí fica sabendo que ele atropelou e
matou alguém enquanto dirigia bêbado, dez anos antes de vocês serem
apresentados. Ou você descobre que aquela pessoa que você gosta tanto
participou de um trote que resultou na morte (ou estupro)
de um calouro. Ou alguém te conta que seu melhor amigo votou no Collor
pra presidente em 1989. Você segue sendo amigx dessa pessoa?
Pra
mim essas questões morais me soam interessantíssimas. Mas, no caso do
Gutemberg ingressar na polícia civil, não sei se tenho opinião formada.
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/04/cometeu-crime-hediondo-e-quer-ser.html
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