Faz uma semana que
estou me comunicando com o Genis, o coletivo feminista da Unesp de
Botucatu. O que elas me contam sobre os trotes violentos realizados na
cidade é impressionante.
Botucatu é famosa pelos trotes. Esta notícia é de 1997. As coisas parecem não ter mudado muito nesses últimos dezessete anos. Em 2012, quando publiquei um post contra trotes, uma aluna da Unesp de Botucatu narrou sua experiência nos comentários. Ela diz que, depois do que passou, largou a faculdade "sem olhar pra trás".
No entanto, a Unesp tem uma resolução
de 1999 que proíbe os trotes. Esta é a resolução no. 86, artigo
terceiro: "não será tolerado qualquer tipo de ato estudantil que cause, a
quem quer que seja, agressão física, moral ou outras formas de
constrangimento, dentro ou fora do espaço físico da Universidade". Mas
os trotes vem ocorrendo sem a menor punição.
Há também um
disque-trote (14 3815-9000), mas o Genis testou o telefone e constatou
que é o da guarda do campus, que só atende casos de trote dentro da
faculdade. O coletivo reclamou disso numa reunião com a congregação da
Unesp. Parece que nenhum dos diretores sabia, e prometeram mudar o
número. Até agora, não aconteceu.
Este é o texto que as
corajosas guerreiras do Genis escreveram a meu convite. Não entendo
como até agora os principais jornais do país não noticiaram este
verdadeiro escândalo.
Nosso Coletivo Genis surgiu em agosto do ano passado, como o primeiro coletivo feminista de Botucatu [cidade de 135 mil habitantes, a 235 km de SP capital]. Nasceu do encontro de várias alunas da Unesp que queriam um espaço para poder conversar e trocar ideias.
No começo o Genis
era apenas um grupo de discussão sobre opressão, machismo e questões que
achávamos relevantes de serem discutidas entre homens e mulheres da
faculdade.
Agora, em 2014, com
menos de um ano de atividade, nosso coletivo tem enfrentado muitos
problemas. A Unesp de Botucatu é famosa por seus trotes pesados, que não
ocorrem no próprio campus, e sim em festas e repúblicas.
Alguns trotes são
considerados "leves", como a "mastiguinha", onde o primeiro aluno de uma
fila mastiga um determinado alimento, cospe, e o outro calouro é
obrigado a remastigar o cuspe da pessoa anterior a ele na fila, e o
último aluno geralmente engole o cuspe da fila inteira.
Uma prática
considerada engraçada em Botucatu é o "Pascu", onde alunos homens do
primeiro ano têm pasta de dente inserida no ânus por veteranos mais
velhos.
Temos também trotes
mais violentos como os ocorridos no ano passado, em que um aluno do
primeiro ano foi marcado a ferro como gado durante uma festa da
faculdade.
Mais de um caso de
agressão aconteceu naquele ano, mas nenhum deles foi denunciado até onde
sabemos, nem à polícia, nem a diretoria do campus da universidade.
Nosso coletivo tem
uma aversão forte à qualquer tipo de trote, especialmente ao trote
machista, que é muito forte e é com ele que estamos tendo problemas,
Lola.
Trote de 2011, Unesp Botucatu |
Por aqui é comum
ocorrer o que se chama de "sequestro", em que alunxs de primeiro ano
pegam caronas com veteranos (já que a faculdade fica fora da cidade e o
transporte público é precário e caro), e ao invés de serem levadxs pra
casa, são levados a repúblicas, onde sofrem trotes variados na hora do
almoço.
É costume que os alunxs sejam embebedados a ponto de não conseguirem voltar sóbrios para as aulas da tarde.
Muitas alunas são
obrigadas a fazer o que é chamado de "performance", onde são obrigadas
por veteranos homens a simular sexo oral em garrafas, cabos de vassouras
e outros objetos fálicos.
Foi contra este
contexto que decidimos fazer uma intervenção na faculdade: pintamos a
escada da biblioteca, com autorização da administração do campus, com
frases contra o trote machista dentro da universidade. Colamos cartazes
por todo o campus e os alunos começaram a se interessar pelo Genis.
Nessa mesma semana soubemos de quatro casos de estupro que aconteceram com alunas do primeiro ano da nossa faculdade.
Até onde se
comenta, essas alunas foram sequestradas para uma república masculina,
embebedadas, e perderam a consciência. Quando acordaram tinham dores e
sangramento vaginal. Algumas tinham uma vaga lembrança de ter visto um
rapaz sobre elas. A única vítima que conversou com uma de nós se recusou
a prestar queixa na polícia, se recusou a denunciar à universidade o
agressor, que ela se lembra quem foi, e não está disposta a conversar
novamente sobre isso. Ela está em estado de negação.
Estávamos pensando
em como lidar com a situação e como abordar as vítimas, quando o jornal
da cidade recebeu uma denúncia anônima contando todo o caso [clique para ampliar].
Acreditamos
que uma colega das vítimas fez a denúncia ao jornal local como forma de
pedir socorro sobre a situação que estamos vivendo.
Os trotes machistas
continuam, e esta semana soubemos de quatro outras alunas que foram
sequestradas e obrigadas a fazer "performance" em uma república
masculina.
O trote machista
impera em Botucatu. Na semana passada, quando muitas mulheres, após a
notícia do Ipea, se mobilizaram na campanha do "Eu não mereço ser
estuprada", uma caloura de uma república feminina da cidade foi
embebedada e obrigada por veteranos homens a segurar uma plaquinha
escrito "Eu mereço ser estuprada". Eles fotografaram a garota com a
placa, e mandaram a foto como provocação para a república na qual a
caloura estava morando. Sabemos que houve uma discussão entre as duas
repúblicas, que terminou quando a foto foi excluída.
Quando essa
história chegou até nós, a foto já havia sido apagada e ficamos sem
provas para poder denunciar o caso. Ontem, na nossa reunião do almoço,
outro caso de estupro chegou até nós: cinco rapazes estupraram uma aluna
do primeiro ano em uma república durante um trote.
Ao contrário dos
outros casos que tivemos conhecimento, esse caso foi levado à polícia.
Não somos ingênuas de achar que os casos de estupro aconteceram apenas
este ano, sabemos que há anos isso tem acontecido, mas agora essas
histórias estão sendo narradas nos corredores.
O Genis é um
coletivo jovem, e nos sentimos impotentes diante de tamanhos
acontecimentos inaceitáveis na nossa faculdade. Estamos perdidas, sem
saber como agir nessa situação. Tentamos criar um ambiente seguro onde
as vítimas se sintam confortáveis para nos contar seus casos e serem
confortadas, para saberem que não estão sozinhas. Sabemos que a
existência do nosso coletivo é importante, mas ao mesmo tempo sentimos
que estamos lutando contra um sistema caduco e doente.
Ficamos frustadas a
cada nova denúncia que recebemos e mais frustradas com nossa aparente
impotência diante dos fatos, que são considerados comuns em nosso meio
estudantil.
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/04/guest-post-trotes-em-que-alunas-sao.html
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