Quem tem birra com quem no caso do Irã
Sergio Leo
14/06/2010
Há momentos em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desperta dúvidas alarmantes sobre o que pretende fazer com o inegável papel de destaque que ganhou no cenário mundial. Ao dizer que confia em resultados de sua intervenção no Oriente Médio, porque "todos querem a paz", ou classificar de "birra" as sanções contra o Irã aprovadas na semana passada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, Lula não só simplifica a discussão. Ele a desmoraliza.
Após buscar acordo com o Irã, apoiado pela Turquia, e votar com os turcos contra as sanções aos iranianos, na Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil foi reconhecido, mundialmente, como importante e respeitável ator internacional. É o que se pode ler em grande parte dos maiores jornais do mundo. Há expectativas de que ainda possa colaborar para evitar um Irã com armas nucleares.
O fato de que as autoridades dos Estados Unidos tenham recebido a ação brasileira como "gesto de boa fé" e tenham dito que acreditam em colaboração futura com o Brasil mostra que, mesmo se as declarações forem apenas um caso de insinceridade diplomática, os dirigentes dos EUA, no mínimo, admitem que o Brasil não está isolado entre os que buscam saída aceitável no caso do Irã.
oO voto da Turquia foi visto por alguns analistas, nos EUA e na Europa, como uma preocupante volta do aliado turco em direção à dinâmica Ásia, por ter sido desdenhado nos esforços de integração com o mundo europeu. Na Ásia, com quem, de fato, a Turquia apertou os laços comerciais, as sanções ao Irã também foram criticadas, por países como a Indonésia - recentemente descrita pelo presidente dos EUA, Barack Obama, entre os "países de influência mundial crescente", ao lado do Brasil.
O ministro de Relações Exteriores indonésio, Marty Natalegawa, deplorou a "falta de confiança dos dois lados" e lamentou que a situação tenha levado as Nações Unidas a interromperem o diálogo e adotado as sanções - ineficazes, na opinião dele. No Japão, o influente jornal "Asahi Shimbun" justificou o voto brasileiro e defendeu em editorial o acordo assinado por Irã, Turquia e Brasil como instrumento importante para evitar um perigoso impasse.
Em debate, no fim de semana, na rede de televisão Al Jazeera, analistas do Cato Institute, de Washington, e da Universidade de Teerã concordaram que as sanções são ineficazes para forçar mudanças no Irã, até porque foram devidamente desidratadas por China e Rússia - a primeira, compradora pesada de óleo e gás iraniano, a outra, vendedora ativa de armas, inclusive mísseis ao governo Ahmadinejad. A analista independente Anoushka Kurkjian, de Londres, como inúmeros especialistas em todo o mundo, endossou as previsões feitas pelo chanceler brasileiro, Celso Amorim: as sanções, em vez de enfraquecer, reforçaram o poder do governo do Irã.
Essa reação iraniana ficou clara no sábado, quando o clérigo e ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, visto com desconfiança pelo regime, por suas críticas a Ahmadinejad e seu apoio à oposição, convocou a população a se unir contra a decisão das Nações Unidas. No Congresso iraniano, reunido no domingo, houve forte apoio à aprovação, em breve, de projeto reduzindo a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica. A infeliz coincidência entre a pressão sobre o Irã e o ataque israelense, com mortos, a uma frota de ajuda humanitária, que mereceu apenas repreensões de Washington, ajuda o governo dos aiatolás a pintar como traidor quem defenda, lá, uma aproximação com o Ocidente.
As potências ocidentais ainda esperam que o cerco ao Irã mine aos poucos as bases do regime, cada vez mais autoritário devido à insatisfação popular. EUA e mesmo a Turquia têm razões para temer que os aiatolás usem o nebuloso programa nuclear iraniano para ganhar peso militar, complicando a geopolítica do Oriente Médio. Não há birra na ONU, mas medo, e realpolitik.
Ainda é preciso evitar armas nucleares no Irã. Veio tarde a análise crítica, na ONU, à falta de garantias oferecidas pelos iranianos no acordo com Turquia e Brasil. Mas, mesmo atrasadas, são críticas consistente, e, se entrou no jogo, o Brasil não pode apitar apenas para denunciar erros de um dos adversários. Como apontou o embaixador Rubens Ricupero, em ponderado artigo na "Folha de S. Paulo", o governo brasileiro fará bem se evitar a armadilha de se plantar, birrento, em defesa das razões de Mahmoud Ahmadinejad.
Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras.
E-mail: sergio.leo@valor.com.br
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