sábado, 25 de junho de 2011

Netanyahu e os místicos de Safed



A desconexão do atual governo de Israel com o mundo tem muito em comum com a psicologia das seitas religiosas que, tendo se convencido de sua própria verdade, não ligam mais para o resto do mundo. Nossos historiadores futuros terão de tentar entender por que o governo israelense e os legisladores preferiram se reunir em Safed cantando contra o medo em vez de se engajar no mundo exterior, em tentativas construtivas de salvaguardar a existência de Israel. Por que não escutaram o Presidente Shimon Peres alertar que sem um acordo de paz com os palestinos Israel deixará de ser um país judeu democrático? O artigo é de Carlo Strenger, do Haaretz.

Historiadores futuros que olharem para a Israel de 2011 balançarão suas cabeças com descrença. Eles notarão que havia vozes de razão que pediam um engajamento construtivo com o mundo árabe; que essas vozes incluíam algumas das estrelas da Defesa Israelense, como os ex-comandantes da Agência de Segurança de Israel – Shin Bet-, como Yaakov Peri e Ami Ayalon, o ex-chefe do Mossad, Danny Yatom, o ex-chefe das Forças de Defesa de Israel, Lipkin-Shahak e o general da reserva, Amram Mitzna. Eles escreverão a respeito da sua Iniciativa Israelense para a Paz, de 2011, que basicamente endossou a Iniciativa da Liga Árabe.

Eles também observarão, com grande interesse, que um ex-chefe do Mossad, conhecido por suas táticas audaciosas, Meir Dagan, certamente não suspeito de ser um intelectual liberal de pouco punho, também pediu que os israelenses se engajassem na iniciativa da Liga Árabe, enquanto alertava sobre a estupidez de atacar militarmente o Irã. Eles apontarão que a reação de um dos ministros foi solicitar medidas contra Dagan, em vez de tentar levar as palavras de Dan a sério.

O que Netanyahu estava fazendo nesse período? Ele reuniu sua coalizão em Safed, a cidade que estava nas manchetes porque o rabino Shmuel Eliyahu, que fez um nome ao emitir declarações extremistas contra árabes. A coalizão MK terminou seu fim de semana entoando a canção baseada nos textos do Rabino Nachman da Bratislava: “O mundo todo é apenas uma ponte estreita; a essência é não ter medo”.

Nossos historiadores futuros terão de tentar entender por que o governo israelense e os legisladores preferiram se reunir em Safed cantando contra o medo em vez de se engajar no mundo exterior, em tentativas construtivas de salvaguardar a existência de Israel no futuro. Por que não escutaram o Presidente Shimon Peres alertar que sem um acordo de paz com os palestinos Israel deixará de ser um país judeu democrático?

Peres, escreverão os historiadores, tinha boas razões para estar preocupado: a única coisa que não se pode obter de Netanyahu, Lieberman, Yaalon e o resto do governo israelense era uma visão para o futuro dos israelenses. Eles entraram num estado de transe; próximos demais, na verdade, dos místicos de Safed que escreveram grandes obras sobre a cabala no século 16. Alguns deles são de uma beleza assombrosa, mas os místicos de Zefat não tinham de comandar um país.

A atual desconexão do governo do mundo na verdade tem mais em comum com a psicologia das seitas religiosas que se tornaram tão convencidas a respeito de sua própria verdade que não se preocupam mais com o mundo como um todo. Estão com uma mentalidade que prefere uma visão mística e um pseudo-heroísmo mal direcionado a encarar o mundo com uma política pragmática. Assim o gabinete do governo está agora para revogar o veto de Ehud Barak ao direito de construir na Cisjordânia: intoxicados com seu sonho do Grande Israel, não querem mais impedimento a sua visão messiânica. 

Historiadores do futuro observarão que Netanyahu gostava de pensar em si mesmo como uma espécie de Churchill israelense, mas sua mentalidade se parece muito mais com a de Bar-Kochba, que liderou o levante no século II contra os romanos que terminou com a morte violenta de mais de 500 mil judeus. Os historiadores podem descobrir que Netanyahu pode ter sido largamente influenciado por uma canção infantil que dize que Bar Kochba foi um herói, que todo mundo o amava e que ele esqueceu que as gerações talmúdicas futuras viram Bar Kochba como uma das maiores catástrofes da história judaica.

Em outras palavras: Netanyahu e companhia criaram na verdade uma atmosfera na qual Bar Kochba e Massada se tornaram mais reais que a União Européia, a ONU, a Liga Árabe e o resto do mundo. O país parece imerso na mitologia de que o mundo está lá fora para nós, e que, como Netanyahu disse final e claramente, o conflito israelo-palestino é insolúvel. 

Vivendo em 2011, nós não sabemos como o futuro parecerá. Não sabemos se Netanyahu e Lieberman irão, como se preocupa Peres, destruir o sonho sionista de um país judeu democrático; ou se, depois de anos inúteis de isolamento internacional, Israel irá recuperar um governo com objetivos pragmáticos que salvarão o país.

Um governo pragmático assim não será eleito tão cedo. Netanyahu e Lieberman tem sido bem sucedidos em amedrontar a maior parte dos israelenses para além do razoável: uma pesquisa recente bancada pelo Centro Israelense para Assuntos Públicos, uma organização ligada à direita, mostrou que 77% dos israelenses são contrários ao retorno das fronteiras de 1967, mesmo que isso leve a um acordo de paz e a declarações dos Estados árabes do fim de seu conflito com Israel.

O misticismo messiânico e o pseudo-heroísmo cego de Bar Kochba tem fascinado a imaginação de Israel. Devemos ter esperança de que os resultados não serão tão catastróficos, e de que a história não repetirá a si mesma. 

Tradução: Katarina Peixoto

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