quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cai prefeito que desviava ajuda a desabrigados


Cai prefeito que desviava ajuda a desabrigadosFoto: WILTON JUNIOR/AGÊNCIA ESTADO



Jorge Mário, ex-PT, foi afastadado da prefeitura de Teresópolis. Propinas na liberação das verbas federais chegavam a 50%

03 de Agosto de 2011 às 10:13

247 - A maior tragédia natural da história do País, causada pelas chuvas na serra fluminense no início deste ano, também causaram um dos mais chocantes escândalos de corrupção recentes. Prefeitos da região estavam desviando cobrando propinas para liberar recursos da ajuda federal a cidades como Teresópolis e Nova Friburgo. Ontem, caiu o primeiro prefeito. Foi Jorge Mário (ex-PT), afastado pela Câmara de Vereadores. Leia, abaixo, reportagem do jornal O Globo:


Uma série de denúncias - que vão de desvio de verbas destinadas à recuperação de cidades serranas após as enxurradas de janeiro até fraudes em licitações, cobrança de propina, propaganda indevida e irregularidades na compra de uniformes escolares e medicamentos - tem ameaçado a continuidade de prefeitos do interior à frente dos cargos.


O primeiro a ser obrigado a sair é o de Teresópolis, Jorge Mário (ex-PT e hoje sem partido), afastado [ontem] por 90 dias , durante uma sessão tumultuada na Câmara da cidade. Nesse período, ele continuará recebendo seu salário. Por decisão unânime dos 12 vereadores, foi aberta também uma "comissão processante", que vai investigar as denúncias e decidir o destino do prefeito após os três meses. Por enquanto, assumirá o vice, Roberto Pinto (PR).


- Hoje não é dia de festa. É o fim de um processo em que vimos o nome de Teresópolis nas páginas dos jornais, por denúncias de corrupção. Adianto que meu voto será pela cassação do prefeito Jorge Mário - disse o vereador Waguinho (PSC).


O prefeito já era alvo de uma CPI, aberta em março, para apurar desvios de recursos destinados à reconstrução da cidade após as enxurradas. O prazo da CPI acabou sem que ela concluísse os trabalhos.


No entanto, a comissão foi reaberta após O GLOBO publicar uma série de reportagens, no mês passado, mostrando que a construtora RW recebia recursos da prefeitura após ter vencido licitações para diversas obras na cidade, que supostamente nunca foram concluídas ou apresentaram problemas técnicos.


O dono da RW, em troca de perdão judicial, procurou o Ministério Público Federal para contar tudo que sabia sobre o esquema de corrupção. Ele revelou que, na semana da tragédia, empresários e secretários municipais se reuniram num gabinete da prefeitura, administrada pelo PT, para dividir os contratos sem licitação e os recursos federais, num total de R$ 7 milhões.


O empresário também disse pagar propina a secretários municipais - depois da tragédia, o valor teria subido de 10% para 50%. Diante de tantas irregularidades, a Controladoria Geral da União (CGU) determinou o bloqueio da conta da prefeitura de Teresópolis abastecida pela União. A CGU vai exigir o ressarcimento de todo o dinheiro transferido para a cidade.


Leia também reportagem anterior do 247 sobre o caso.


247 – No início deste ano, o Brasil conheceu a maior tragédia natural de sua história, quando as chuvas devastaram diversas cidades da serra do Rio de Janeiro, como Nova Friburgo e Teresópolis. Mais de 900 pessoas morreram e a tragédia só não foi maior porque os bombeiros – recentemente chamados de “vândalos” pelo governador Sergio Cabral – salvaram centenas de vidas e brasileiros de várias regiões do País se mobilizaram numa onda inédita de solidariedade. Muitas dessas cidades ainda não foram plenamente reconstruídas. Longe disso. E agora se descobre que boa parte da verba que deveria estar sendo aplicada na reconstrução da serra fluminense, onde estão várias cidades históricas e turísticas, vem sendo desviada em propinas de até 50%.


A denúncia foi feita no jornal O Globo, numa reportagem de Antonio Werneck, publicada neste domingo. Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), o dono de uma construtora revelou que, na chuva que há seis meses matou mais de 900 pessoas na Região Serrana, um acerto entre empreiteiras e autoridades de Teresópolis subiu a taxa da propina de 10% para 50%. Em Friburgo, o município mais atingido pela enxurrada, uma empresa ganhou um contrato de mais de R$ 900 mil para prestação de serviços, apesar de estar proibida de participar de licitações. Até agora, o MPF da cidade já instaurou mais de dez inquéritos civis públicos para apurar denúncias de corrupção.


Em Teresópolis, a prefeitura é administrada pelo PT e a cidade recebeu um repasse de R$ 100 milhões, do Ministério da Integração Nacional, por determinação da presidente Dilma Rousseff. O empresário que participou do processo de delação premiada contou que o aumento da comissão – que passou de 5%, antes das chuvas, para 50% após a tempestade – foi determinado por dois secretários da prefeitura de Teresópolis: José Alexandre (Governo) e Paulo Marquesine (Obras). Abaixo, trechos da reportagem de Antonio Werneck:


“Segundo o denunciante, três empresas (RW de Teresópolis Construtora e Consultoria Ltda; Vital Engenharia Ambiental S/A, do grupo Queiroz Galvão; e Terrapleno Terraplanagem e Construção Ltda) seriam as principais beneficiadas. Ainda de acordo com o seu relato, a RW e a Vital ficariam encarregadas da retirada de entulho e da desobstrução de ruas. Já a Terrapleno ficaria com a coleta de lixo, com auxílio da Vital, que cuidaria da instalação de um aterro. Uma quarta empresa, a Contern Construções e Comércio Ltda, de São Paulo, também teria recebido recursos do município, mas não é citada pelo empresário.


As denúncias foram feitas na sede da Procuradoria da República de Teresópolis, aumentando o número de informações de um inquérito civil público que já apurava o suposto desvio de dinheiro público e a não realização de obras contratadas na cidade. O procurador da República Paulo Cezar Calandrini, que cuida do caso, disse que não poderia falar do assunto porque o inquérito corria em segredo de Justiça.


Denúncias de irregularidades e suspeitas de corrupção também atingiram Nova Friburgo, o município que mais sofreu, em área urbana, com o temporal do início do ano, tendo recebido R$10 milhões - a maior fatia das verbas federais enviadas às cidades da região. Até agora, o MPF na cidade já instaurou mais de dez inquéritos civis públicos e promete outros, cobrando explicações da prefeitura. O caso mais grave aponta para funcionários da Fundação Municipal de Saúde (FMS), que autorizaram, no meio tragédia, o pagamento, sem licitação, de mais de R$ 900 mil a uma empresa do Rio, a Spectru Instrumental Científico Ltda. O contrato previa que a empresa faria a manutenção e a conservação de equipamentos da rede municipal de saúde atingidos pela enxurrada.


Os procuradores da República que atuam no município descobriram que a Spectru já tinha vencido, em 2010, uma concorrência para prestar basicamente os mesmos serviços (manutenção de equipamentos hospitalares) por um terço do valor total. O processo seletivo acabou anulado porque empresas participantes provaram na Justiça que a Spectru estava impedida de concorrer em qualquer licitação no estado - por não ter cumprido os termos do contrato de outra concorrência.


Em abril, o MPF de Friburgo já havia instaurado um inquérito civil público para apurar a lentidão da prefeitura para informar como estava usando verbas federais no município. No mês passado, em outra ação do MP, a Justiça determinou que a Fundação Municipal de Saúde suspendesse o pagamento de quase R$ 2,9 milhões a quatro empresas para obter material médico-hospitalar. Os procuradores da República também descobriram que as compras foram autorizadas sem um pedido prévio do chefe do almoxarifado central da FMS.


- A grosso modo, é o mesmo que você ir ao supermercado e encher um carrinho de compras sem antes saber o que realmente está faltando em sua casa - disse o procurador Marcelo Borges de Mattos Medina.


As suspeitas de fraudes com o dinheiro público recaem ainda sobre outros cinco municípios da região atingidos pelas enxurradas: Petrópolis, Sumidouro, Areal, Bom Jardim e São José do Vale do Rio Preto, que teriam recebido um total R$13 milhões do governo federal, mas até hoje não prestaram contas de como gastaram a verba. As investigações sobre possíveis irregularidades respingam ainda nas secretarias de Obras e de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do estado. Os dois órgãos ficaram encarregados de aplicar nos municípios serranos recursos da ordem de R$70 milhões enviados pela União. Segundo procuradores do MPF que atuam da região, somente na última sexta-feira o governo estadual enviou informações sobre os serviços que contratou. Esses dados ainda serão analisados. Já os municípios não prestaram informações satisfatórias.”

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