Robert Lambert |
2/8/2011, Robert Lambert, New Statesman
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Robert Lambert é co-diretor do Centro Muçulmano Europeu de Pesquisas da Universidade de Exeter, Inglaterra.
Novo relatório de Spinwatch diz que think-tanks da direita inglesa subestimaram o crescimento da islamofobia, apresentando-o como limitado a uma pequena extrema direita.
Ontem, sobreviventes e familiares dos que morreram nos atentados a bomba, em Londres, dia 7 de julho, anunciaram que estão abandonando qualquer procedimento legal para forçar o governo a investigar, em inquérito público, aqueles atentados, reconhecendo que quaisquer dos procedimentos legais possíveis dificilmente levariam a qualquer resultado confiável e, inevitavelmente, provocariam “sofrimento ainda maior e inútil” [1].
Meu interesse pessoal em que aqueles atentados fossem devidamente investigados sempre foi examinar as causas mais profundas do que houve, para poder avaliar a legitimidade e a eficácia das ações de contraterrorismo na Grã-Bretanha. Agora que se aproximam os dez anos dos atentados do 11 de setembro nos EUA e do lançamento da “guerra ao terror”, é absolutamente urgente avaliar todas as políticas inglesas de contraterrorismo. Identificar o que funcionou e o que não funcionou. Sem inquérito público, teremos de nos contentar com um debate público, o mais amplo possível, sobre o mesmo assunto.
Minha modesta contribuição a essa debate, a ser publicada em setembro, Countering al Qaeda in London [Enfrentando a Al-Qaeda em Londres] [2] põe em questão parte significativa do que se ouve dizer e lê-se sobre terrorismo, contraterrorismo e segurança na Grã-Bretanha. Em minha opinião, a arma mais eficaz de contraterrorismo ainda é focar a ameaça terrorista, sem estigmatizar ou criminalizar as comunidades nas quais os terroristas mais facilmente recrutam.
Oponho-me em especial à ideia geralmente aceita de que muitos muçulmanos politicamente ativos seriam, querendo ou não, parte do problema do terrorismo –, por constituírem o que tem sido descrito como um modelo de “correia de transmissão” da radicalização.
Esse conceito viciado de radicalização tem sido ativamente promovido por think-tanks conservadores na Grã-Bretanha e nos EUA. Um relatório hoje divulgado por Spinwatch [2] examina dois think-tanks neoconservadores que trabalham na intimidade de Westminster: o Policy Exchange e o Centre for Social Cohesion (recentemente incorporado pela Henry Jackson Society) [3].
Relatório detalhado e revelador, The Cold War on British Muslims” [A Guerra Fria contra os muçulmanos britânicos] [1] manifesta perfeitamente a ideia de que esses dois think-tanks têm papel crucialmente importante de denegrir indivíduos e organizações de muçulmanos, definindo-os como subversivas; para isso, os dois think-tanks recorrem a estratégias e táticas empregadas durante a Guerra Fria.
Tendo trabalhado durante anos em íntima associação com aqueles chamados subversivos muçulmanos, tendo a sugerir que a vasta maioria deles são muito menos subversivos e perigosos à democracia na Grã-Bretanha que os indivíduos que financiam e põem em ação contra eles essa nova estratégia de Guerra Fria. A maioria deles têm credenciais antiterrorismo significativamente muito mais confiáveis, que seus inimigos que caçam subversivos.
“Financiados por financistas e empresários milionários, reunidos em fundações e organizações conservadoras e pró-Israel”, os dois think-tanks, nos termos do relatório, “inspiram-se nas operações que se organizaram contra pacifistas e sindicalistas durante a Guerra Fria e buscam explicitamente reviver aquela tradição de caça política a subversivos”. Definem como seus alvos “liberais muçulmanos politicamente engajados e ativistas de esquerda, além de instituições liberais e da esquerda, sejam universidades ou bibliotecas públicas.”
Daqueles dois think-tanks, o Policy Exchange é de longe o mais influente, contribuindo para modelar a recente guinada do governo britânico na direção da guerra contra subversivos apresentada como combate ao ‘extremismo’ não violento.
Em meu livro, mostro como o Policy Exchange passou gradualmente a receber subvenções cada vez maiores do governo, para construir uma estratégia “de prevenção” (o Programa Prevent). Significativamente, o Prevent já nem alega trabalhar contra o “extremismo violento”; hoje, já declara que trabalha contra o “extremismo”. Resultado disso, vários importantes projetos da comunidade muçulmana britânica, que haviam conseguido reduzir o impacto adverso da influência da al-Qaeda na Grã-Bretanha foram marginalizados e correm hoje o risco de serem estigmatizados como “extremistas’”ou “subversivos”.
Charles Moore, colunista do jornal Daily Telegraph e ex-presidente do think-tank Policy Exchange, invocou a imagem do arquissubversivo Arthur Scargill, em palestra em 2008, ao alertar o público para a ameaça que representariam várias muito conhecidas e respeitadas associações de muçulmanos [4].
Moore expôs então uma estratégia de guerra aos subversivos tão clandestina e violenta quanto a suposta ameaça que visaria a enfrentar. Hoje, como quando foi preciso combater comunistas como Scargill, tática crucialmente importante seria infiltrar “informantes” no campo inimigo; esses “informantes”, disse Moore, teriam papel chave nos esforços para derrotar “os extremistas”.
Moore identifica Ed Husain, cofundador da “contra-extremista” Fundação Quillian, como personagem com papel semelhante ao de Frank Chapple, sindicalista “moderado” que desejava “enquadrar” Scargill:
“Uma das mais poderosas lições do notável livro The Islamist de Ed Husain é que as pessoas mais intimidadas pelo extremismo muçulmano na Grã-Bretanha são os próprios muçulmanos (...). Temos de nos dar conta de que cada vez que a sociedade mais ampla entra em diálogo com extremistas, estamos não só lidando sem saber com gente má; também, estamos dando poder aos maus contra as boas pessoas”.
Moore considerou pertinente citar o que Edmund Burke diz do agitador revolucionário: “meia dúzia de grilos sob um monte de feno, que fazem o campo zunir com seus gritos inoportunos, enquanto o bom gado, aos milhares, abrigados sob o carvalho britânico, mastigava a grama e nada dizia”.
A pesquisa que ofereço em meu livro sugere que os muçulmanos que o instituto Policy Exchange escolheu como alvos têm maior legitimidade e apoio na comunidade, que o instituto Policy Exchange e seus aliados em dois momentos diferentes da política londrina.
Adotando abordagem elitista da política, de cima para baixo, os institutos Policy Exchange e Centre for Social Cohesion partilham a mesma ignorância sobre a vida real das ruas de Londres. É talvez típico dessa política que vê o mundo de cima para baixo considerar legítimo que um pequeno grupo de alunos de Cambridge forjem uma estratégia “antissubversivos” contra oponentes políticos menos endinheirados.
Como o relatório de Spinwatch conclui, “as políticas defendidas pelos institutos Centre for Social Cohesion e Policy Exchange terão consequências graves para a política britânica, se não forem imediatamente contestadas”. Esse é o debate que temos de iniciar com máxima urgência.
Notas dos tradutores
[4] Arthur Scargill (1938) foi controverso presidente do Sindicato Britânico de Mineiros, que liderou a mais longa e mais violenta greve de mineiros da história da Grã-Bretanha (em inglês). Citado em: How Policy Exchange and the Centre for Cohesion encourage The Cold War on British Muslims.
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