Falta de renovação dos sacerdotes, templos onde só se fala japonês e descendentes distantes da religião dos ancestrais são algumas das razões que explicam a queda do número de adeptos de Buda no País
Rodrigo CardosoDISSIDENTE
Muniz passou por uma dezena de correntes budistas até fundar
seu próprio templo: histórias de subserviência e preconceito
Foi de forma clandestina que o budismo desembarcou no Brasil, há 103 anos. Chegou com os primeiros imigrantes japoneses, no Porto de Santos, em São Paulo. Naquela época havia aqui um movimento contrário à vinda de religiosos não cristãos. Muitos monges entraram no País travestidos de agricultores. Praticado de maneira improvisada até a Segunda Guerra, o budismo passou a se institucionalizar a partir dos anos 50. Com a invasão de templos de tradição tibetana e a propagação da corrente zen, foi a vez de artistas e intelectuais, nos anos 70 e 80 principalmente, abraçarem a religião. Adorar Sidarta Gautama – peregrino que ficou conhecido como Buda e andou pelo norte da Índia por quase meio século ensinando que meditação, sabedoria, compaixão e moralidade podiam combater o sofrimento – virou moda entre milhares de brasileiros. Mas, o que se apresentava como uma onda de orientalização na religiosidade nacional, não passou de uma marola (leia quadro). Ínfimo 0,14% da população se diz budista. O que tem despertado mais a atenção de estudiosos é o fato de o budismo, que chegou ao País como forma de preservação do capital cultural japonês, estar minguando justamente entre eles. “A religião está enfraquecendo dentro da comunidade por causa da morte dos adeptos mais idosos”, afirma Frank Usarski, da pós-graduação em ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.
A falta de renovação dos membros é evidente. E há vários motivos que contornam o declínio da adesão ao budismo. Primeiramente, as poucas lideranças religiosas orientais ainda vivas não demonstram querer se adaptar ao Brasil. “Os sacerdotes vêm do Japão e só falam japonês nos templos. Mas os jovens descendentes não dominam o idioma e se afastam”, diz a monja Coen, 64 anos, uma das principais representantes do zen-budismo no Brasil. “O budismo chegou aqui como uma tradição para imigrantes e ainda continua assim. Não temos um budismo brasileiro. Se não houver uma aculturação, os templos vão se transformar em belíssimos museus.”
A barreira do idioma transformou muitos templos em focos de manutenção de cultura e etnia apenas. É o que afirma André Muniz, 31 anos, arcebispo da Organização Religiosa Budista Tendai Hokke Ichijo Ryu do Brasil. “Não são mais centros de expansão da doutrina. Muitos dos que os frequentam o fazem para cultuar os ancestrais e aprender ikebana. Estão interessados nos cantos e na caligrafia japonesa”, diz ele, que foi discípulo em uma dezena de correntes budistas, entre japonesas e tibetanas. Em todas elas, conta, o quadro era o mesmo: a formação dos monges não era feita no Brasil, as línguas orientais predominavam e a convivência era de subserviência e preconceito. “Ouvi muito que a mente ocidental não está preparada para receber os ensinamento de Buda e a língua oriental é inacessível para nós”, diz. Há quatro anos, ele fundou a primeira instituição budista brasileira sem nenhum vínculo com denominações orientais. “Sempre fui tratado como um estranho, mesmo falando a língua deles.” A monja Coen confirma a diferença de tratamento. O famoso templo Busshinji, na Liberdade, em São Paulo, possui, segundo ela, um porteiro que verifica as intenções do visitante. “Se é japonês e fala a língua de lá, entra. Brasileiro só pode na hora da meditação para brasileiros.”
A falta de renovação dos membros é evidente. E há vários motivos que contornam o declínio da adesão ao budismo. Primeiramente, as poucas lideranças religiosas orientais ainda vivas não demonstram querer se adaptar ao Brasil. “Os sacerdotes vêm do Japão e só falam japonês nos templos. Mas os jovens descendentes não dominam o idioma e se afastam”, diz a monja Coen, 64 anos, uma das principais representantes do zen-budismo no Brasil. “O budismo chegou aqui como uma tradição para imigrantes e ainda continua assim. Não temos um budismo brasileiro. Se não houver uma aculturação, os templos vão se transformar em belíssimos museus.”
A barreira do idioma transformou muitos templos em focos de manutenção de cultura e etnia apenas. É o que afirma André Muniz, 31 anos, arcebispo da Organização Religiosa Budista Tendai Hokke Ichijo Ryu do Brasil. “Não são mais centros de expansão da doutrina. Muitos dos que os frequentam o fazem para cultuar os ancestrais e aprender ikebana. Estão interessados nos cantos e na caligrafia japonesa”, diz ele, que foi discípulo em uma dezena de correntes budistas, entre japonesas e tibetanas. Em todas elas, conta, o quadro era o mesmo: a formação dos monges não era feita no Brasil, as línguas orientais predominavam e a convivência era de subserviência e preconceito. “Ouvi muito que a mente ocidental não está preparada para receber os ensinamento de Buda e a língua oriental é inacessível para nós”, diz. Há quatro anos, ele fundou a primeira instituição budista brasileira sem nenhum vínculo com denominações orientais. “Sempre fui tratado como um estranho, mesmo falando a língua deles.” A monja Coen confirma a diferença de tratamento. O famoso templo Busshinji, na Liberdade, em São Paulo, possui, segundo ela, um porteiro que verifica as intenções do visitante. “Se é japonês e fala a língua de lá, entra. Brasileiro só pode na hora da meditação para brasileiros.”
CRISTÃ
Filha de budistas coreanos, Suzana foi educada em
colégios católicos e nunca seguiu os ensinamentos de Buda
É verdade que templos continuam sendo levantados no País. Alguns, como o Zu Lai, em Cotia, na Grande São Paulo, recebem visitantes fascinados pela suntuosidade do local – são 10 mil m2 de área construída e 150 mil m2 de área verde. Muitos, porém, não passam da condição de turista. “Ser budista é se comprometer com a comunidade”, diz Usarski, autor de “O Budismo e as outras – Encontros e Desencontros entre as Grandes Religiões Mundiais”, da Editora Ideias & Letras. A fidelização daqueles que batem à porta do budismo também é prejudicada pela falta de lideranças para responder aos questionamentos do aspirante à religião. “Vinte comunidades no interior de São Paulo e três no Paraná da filial da Honpa Hongwanji não possuem um reverendo permanentemente no local”, escreve o professor Usarski, em um de seus artigos. Outro empecilho para novas conversões é a ideia equivocada que se tem sobre a doutrina oriental. “Quando o brasileiro procura um templo, está atrás de uma transposição religiosa e não uma conversão”, diz o sacerdote Muniz. “Ele acha que o budismo é uma religião liberal, que poderá fazer, com uma vestimenta budista, tudo o que não pode no cristianismo.” Dogmas do budismo, porém, exigem mudanças de hábitos, tais como abstenção de bebida alcoólica. Mais: sexo fora de uma relação de comprometimento sentimental é tido como ilícito. “Muitos, em dois meses, tomam um choque e abandonam.”
Uma vez que o budismo não é propagado pelas próprias lideranças, outras denominações religiosas, cristãs principalmente, tratam de cooptar adeptos. É o caso da analista em logística Suzana Yoo, 39 anos. Seus pais fizeram parte do primeiro grupo de sul-coreanos que desembarcou no Brasil, no início dos anos 70. Em casa, sua mãe acendia incenso para Buda, rezava e cantava. Mas a filha jamais foi budista. O budismo, nesse caso, foi vítima de uma prática comum dos imigrantes orientais, que tratavam de promover a inserção dos filhos à realidade do país acolhedor. Suzana estudou em colégios católicos até a adolescência para se adaptar à cultura local. “Foi a escolha de meus pais por ser a religião predominante no Brasil.” Hoje se assume uma católica não praticante. “Do budismo, o único ritual que lembro é o de quando alguém morre”, diz.
Adeptos dos ensinamentos de Buda defendem que catequizar não é uma meta. Nem a conquista de adeptos. Ainda que os seguidores do zen-budismo e da tradição tibetana – que têm o Dalai Lama como o grande garoto-propaganda – mantenham acesa a aura pop dessa religião oriental, a ponto de causar a falsa impressão de que ela tem mais adeptos do que realmente tem, o professor Usarski, da PUC, é pessimista em relação ao seu futuro. “Acredito que o potencial de crescimento do budismo no Brasil já esgotou.”
Uma vez que o budismo não é propagado pelas próprias lideranças, outras denominações religiosas, cristãs principalmente, tratam de cooptar adeptos. É o caso da analista em logística Suzana Yoo, 39 anos. Seus pais fizeram parte do primeiro grupo de sul-coreanos que desembarcou no Brasil, no início dos anos 70. Em casa, sua mãe acendia incenso para Buda, rezava e cantava. Mas a filha jamais foi budista. O budismo, nesse caso, foi vítima de uma prática comum dos imigrantes orientais, que tratavam de promover a inserção dos filhos à realidade do país acolhedor. Suzana estudou em colégios católicos até a adolescência para se adaptar à cultura local. “Foi a escolha de meus pais por ser a religião predominante no Brasil.” Hoje se assume uma católica não praticante. “Do budismo, o único ritual que lembro é o de quando alguém morre”, diz.
Adeptos dos ensinamentos de Buda defendem que catequizar não é uma meta. Nem a conquista de adeptos. Ainda que os seguidores do zen-budismo e da tradição tibetana – que têm o Dalai Lama como o grande garoto-propaganda – mantenham acesa a aura pop dessa religião oriental, a ponto de causar a falsa impressão de que ela tem mais adeptos do que realmente tem, o professor Usarski, da PUC, é pessimista em relação ao seu futuro. “Acredito que o potencial de crescimento do budismo no Brasil já esgotou.”
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