Entenda o processo, que pode representar uma mudança radical no Oriente Médio
Terra
A admissão da Palestina como Estado-membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas (ONU) é o principal tema da 66ª edição da Assembleia Geral (AG) da organização, que acontece nesta semana, em Nova York. A votação pode representar uma mudança radical no Oriente Médio, onde há décadas os palestinos buscam o reconhecimento frente aos judeus de Israel, Estado erigido pela ONU após a Segunda Guerra Mundial.
Para que um novo Estado venha compor o quadro de membros da ONU, um representante do candidato deve entregar um requerimento oficializando a candidatura ao Secretário-Geral das Nações Unidas. No presente caso, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, comprometeu-se em entregar o pedido a Ban Ki-Moon no dia 22, segundo dos cinco dias da Assembleia (21, 22, 23, 26 e 27 de setembro). O discurso de Abbas na Assembleia Geral pelo reconhecimento da Palestina está marcado para o dia 23.
Após a entrega, o pedido deve receber o aval do Conselho de Segurança (CS) da ONU, formado pelos cinco membros permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China) e pelos dez membros rotativos (atualmente Alemanha, África do Sul, Bósnia e Herzegovina, Brasil, Colômbia, Gabão, Índia, Líbano, Nigéria e Portugal). Como nas outras decisões importantes que passam pelo CS, a admissão de um novo membro precisa ser aprovada por 9 dos 15 membros, mas não pode ser vetada por nenhum dos cinco membros permanentes. Os Estados têm também a opção de abstenção, que não anula a aprovação dos demais.
Se aprovada pelo CS, a candidatura chega ao quórum da AG, que, após apresentações e discussões, vota sobre o pedido. Considerada uma questão de algo grau de importância, a admissão de um novo Estado-membro requer a maioria qualificada da assembleia, isto é, voto positivo de pelo menos dois terços dos Estados-membros. Atualmente com 193 membros, a maioria qualificada é atualmente atingida com 129 votos.
Caso o pedido seja vetado, a AG ainda pode optar por discutir a questão e enviá-la de volta ao Conselho, requirindo-lhe uma nova apreciação do tema. Embora a AG seja considerada o principal órgão deliberativo da ONU, o CS tem predominância em temas considerados mais sensíveis, geralmente envolvendo guerras ou situações de conflito.
Em julho deste ano, a ONU aceitou o Sudão do Sul como seu 193º membro, poucas semanas depois de o país africano ter aprovada sua separação do Sudão. Na última década, três outros países foram aceitos como Estados-membros da ONU: Timor-Leste e Suíça, em setembro de 2002, e Montenegro, em 2006. Fundada em 1945 após a Segunda Guerra Mundial, a ONU reúne os membros anualmente na Assembleia Geral.
A ANP espera encontrar no Conselho de Segurança as maiores dificuldades devido ao poder de veto dos Estados Unidos, que têm mantido a política de solução do conflito na Palestina através do diálogo com Israel. Atualmente, a Palestina participa da ONU com uma missão permanente de membro observador.
Coro dos descontentes
Em discurso transmitido pela televisão em Ramallah, o presidente palestino Mahmoud Abbas prometeu levar adiante o pedido de adesão do Estado da Palestina à ONU no dia 23 de setembro. "Após meu discurso (na Assembleia Geral), apresentarei o pedido de adesão ao secretário-geral para que o transmita ao presidente do Conselho de Segurança", disse o líder palestino na última sexta-feira. Abbas espera o reconhecimento do Estado no território definido pelas fronteiras anteriores à guerra de 1967, tendo Jerusalém Oriental como capital.
No entanto, a população nas principais cidades da Cisjordânia, Ramallah e Belém, ainda não sabe como a iniciativa do governo deve afetar a vida cotidiana. "Com certeza ficaríamos felizes de ter um Estado reconhecido na ONU, mas acho que na prática não mudaria em nada", disse Ahmad Z. (os entrevistados preferiram preservar seus sobrenomes), 22 anos, estudante de Direito da Universidade de Birzeit, em Ramalah. "Não resolveríamos o problema da ocupação israelense nos territórios palestinos e o direito de retorno dos refugiados", completou Ahmad. Sua colega Reen M., 23 anos, diz que não apoia a iniciativa do presidente. "Somente um grupo específico saírá ganhando com este passo. A maioria das pessoas vai sofrer mais com o aumento da crise econômica", disse a jovem muçulmana com um véu azul.
Já o estudante de Engenharia, Saad O., 23 anos, diz que ainda não sabe se é contra ou a favor da proposta, pois não recebeu informação suficiente da Autoridade Palestina (AP). Todos os dias ele se desloca de Jerusalém Oriental a Ramallah para ir às aulas no campus de Birzeit, e reclama que "sua vida já está ficando pior". "Levamos mais tempo para cruzar o check-point, porque há mais controle", diz. No sábado, o exército israelense aumentou a segurança na área entre a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Segundo a Rádio de Israel, uma força adicional de 1.500 soldados foi distribuída para prevenir atritos entre os palestinos e israelenses em assentamentos.
Em Belém, a população também tem dúvidas. O taxista Mohamed H., 58 anos, está preocupado com a situação econômica e teme que muitos amigos percam o emprego em Jerusalém Oriental. De acordo com o Escritório Central de Estatísticas Palestino (PCBS, na sigla em inglês), em 2009, de um total de 475.500 trabalhadores palestinos assalariados, 262.100 trabalhavam na Cisjordânia, 144.100 em Gaza, 58.500 em Israel e 10.800 em assentamentos judaicos. "E como vai ficar o preço da gasolina? A gente já compra a gasolina de Israel e a Autoridade Palestina joga um imposto em cima para poder se sustentar. É capaz que a gasolina fique ainda mais cara.", diz o taxista.
O diretor do "Centro para Aproximação entre Povos", George Rishmawi, explica que a Autoridade Palestina não detalhou seu plano e esclareceu a população nos últimos meses através de comícios ou mesmo distribuição de folhetos para não acabar com a "margem de manobra política". "Se eles publicassem a agenda, não poderiam mudá-la depois nos bastidores", explicou em seu escritório em Beit Sahour, no subúrbio de Belém.
Em vez de adotar a estratégia de pedir reconhecimento do país no Conselho de Segurança da ONU, onde poderá receber o veto dos Estados Unidos, Abbas ainda pode recorrer à Assembleia Geral.
"Estaremos dispostos a abrir mão do pedido ao Conselho de Segurança se, em troca, os países europeus nos apoiarem na Assembleia Geral", disse o embaixador palestino na Alemanha, Saleh Abdel-Shafi, segundo o jornal Ynet. Neste caso, a Autoridade Palestina poderia obter o reconhecimento como país não-membro, com status de observador.
Economia
Segundo Rishmawi, a AP vive sob pressão para continuar as negociações com Israel. "Se cancelarem o investimento estrangeiro, as importações israelenses e a ajuda financeira dos Estados Unidos através da USAID, eles morrem. Terão que se manter com os impostos locais", afirmou.
O vice-chanceler de Israel, Danny Ayalon, disse ontem em uma Conferência nas Nações Unidas que Israel tem interesse em continuar colaborando para o desenvolvimento econômico palestino, mas esta posição poderia mudar caso os palestinos declarem um Estado de forma unilateral.
"Uma assistência e cooperação futuras podem ser severamente e irreparavelmente comprometidas se a liderança palestina continuar neste caminho de contravenção de todos os acordos assinados, que também regula as relações econômicas entre Israel e a Autoridade Palestina", afirmou Ayalon.
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