sábado, 22 de outubro de 2011

Pepe Escobar: “A OTAN sempre quis Gaddafi morto, desde o início”



21/10/2011,Common Dreams (com entrevista ao vivo)
Transcrição traduzida pelo pessoal da Vila Vudu


Gaddafi foi tratado como herói pelo ocidente, até, de repente, começar a ser apresentado como vilão. Vários têm tentado explicar por que as potências ocidentais mudaram tão drasticamente de opinião. Aqui, conversamos com Pepe Escobar, correspondente de Asia Times, que nos ajuda a entender o que aconteceu e o que o futuro reserva aos líbios.

Apresentadora. Todos sabemos que as coisas mudam, mas agora interessa entender por que mudam. E há a questão da “guerra humanitária”, vendida ao mundo por líderes ocidentais. Para conversar conosco, temos hoje Pepe Escobar, que nos fala diretamente de São Paulo, Brasil.

Pepe, o que você tem a nos dizer sobre o relacionamento entre Gaddafi e o ocidente, nas últimas décadas? O petróleo da Líbia não secou. Então, na sua opinião, o que mudou, para que Gaddafi passasse, de herói, a vilão?

Pepe Escobar. Os negócios do petróleo mudaram, na última década e, também, muito importante [para a imagem de Gaddafi “herói”], a colaboração que Gaddafi deu à Guerra ao Terror. Do ponto de vista dos EUA, Gaddafi foi o aliado perfeito. Mas de repente, ano passado, em outubro de 2010, Gaddafi assinou um protocolo com a França. Entrou em contato com a inteligência francesa, e eles organizaram um golpe, que começaria em Benghazi e seria depois transferido para a Tripolitânia. Aí é que a guerra começou, ano passado, em outubro de 2010. 

Apresentadora. Você disse que, por muitos anos, Gaddafi foi o aliado perfeito dos EUA. Mas houve denúncias de violações de direitos humanos, na Líbia e em 2002, milhares de pessoas foram massacradas, na Líbia, por gente de Gaddafi. Mas, nem por isso, alguém cortou relações com Gaddafi. Não entendo. Por que você diz que ele foi o aliado perfeito, por tanto tempo?

Pepe Escobar. É que... A hipocrisia, de fato, reverbera, digamos, pelas galáxias. O fato é que, enquanto os negócios do petróleo estiveram lá, mesmo que estivessem com os italianos, não com os britânicos, mesmo que estivessem com os chineses, não com os americanos, a coisa se manteve, porque Gaddafi continuava fazendo negócios com empresas ocidentais e estrangeiras. E enquanto Gaddafi colaborou com a Guerra ao Terror, incluindo o atual comandante militar, hoje, em Trípoli, Abdel Ackim Belhaj, que foi capturado pelos americanos, foi mandado para Guantánamo e, depois, foi mandado para a Líbia! Esteve preso na Líbia por quatro anos! E, depois, foi solto por Saif-al-Islam, em pessoa. Saif dizia, não, temos que ter algum tipo de reconciliação nesse país. Quero dizer, até outubro do ano passado, nada havia de errado com Gaddafi. Basta lembrar: Tony Blair andando pelo deserto com Gaddafi, Berlusconi beijou a mão de Gaddafi. Há muitas imagens que contam toda essa história. O problema é: para os britânicos e para os franceses (não esqueça: esse é o pessoal que redigiu a Resolução n. 1.973 da ONU)... britânicos e franceses queriam maior penetração, mais negócios. Sobretudo, queriam que a OTAN tivesse uma cabeça de praia no norte da África. Esse é o grande quadro, a grande questão estratégica. Os americanos também queriam tudo isso, porque queriam uma base para o Africom, Comando dos EUA na África, na África. A Líbia seria perfeita para isso. E a OTAN queria o Mediterrâneo como “lago da OTAN”. Com Gaddafi lá, independente, tudo isso se tornava impossível. Essa é a história que não veremos contada nos próximos dias, porque as pessoas estão comemorando que esse sujeito já se foi [mostra uma garrafinha com imagem de Gaddafi], esse também já se foi [mostra garrafinha com imagem de Saddam Hussein], e esse grandão aqui [mostra um garrafão com a imagem de Osama bin Laden – “Comprei essas garrafinhas na Rússia”] também já se foi.  Quero dizer, os grandes bichos-papões já se foram... Sobrou quem, para ser o bicho-papão? Quem poderia ser o próximo bicho-papão? O Irã. Vimos, ano passado, aquele armação de mexicanos na “Operação Velozes e Furiosos”. É um sem fim de cenas da mesma “Longa Guerra”, do ponto de vista do Pentágono, denominação deles, não minha. E, do ponto de vista da OTAN, “queremos controlar o Mediterrâneo”. É isso. A próxima parada é a Síria.

Apresentadora. Vamos falar especificamente, da Líbia, a partir de março. Desde que se começou a falar da Líbia, o presidente Obama começou a falar, dentre outros líderes ocidentais, que os líbios precisam de nossa ajuda, temos de ajudá-los, “ajuda humanitária”, sem coturnos em solo, todas essas coisas de que o primeiro-ministro Putin tem falado. Quem deu a autorização para mudar a missão na Líbia? Diziam, no início, que Gaddafi não nos interessa, só nos interessa proteger os líbios, e, de repente, “Gaddafi tem de sair”. Agora, Gaddafi está morto. Notícias recentes dizem que foi morto num ataque de drones[aviões-robôs pilotados à distância] dos EUA. Foi planejado? Estava planejado assim desde o começo, ou alguma coisa mudou durante o processo?

Pepe Escobar. Sempre esteve planejado. Era esse o plano da OTAN, desde o início. Se se acompanha a história, se se acompanha o que a OTAN diz há seis, sete meses, vê-se que a única coisa que a OTAN desejava era derrubar Gaddafi. 

Apresentadora. Mas jamais disseram isso. Por que não?

Pepe Escobar. [risos] Ora... Em realpolitik as coisas não funcionam assim, às claras. Sempre há outra narrativa, uma narrativa visível, outra encoberta. Nesse caso, a narrativa visível foi a “responsabilidade de proteger civis”, R2P, e uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia. É exatamente o que está escrito na Resolução da ONU. Por que os países BRIC abstiveram-se na votação que aprovou essa Resolução? Brasil, Índia, Rússia e China, os quatro principais BRIC, abstiveram-se de votar. Por quê? Porque aqueles diplomatas, estudando o texto daquela Resolução n. 1.973 da ONU, logo concluíram que se tratava de autorização sem limite, sem definição, para fazerem o que quisessem, sem prazo para acabar. E que poderia virar “mudança de regime” no instante em que resolvessem. E assim aconteceu, como muitos sabiam que aconteceria. Todo mundo sabia! A Alemanha sabia que seria “mudança de regime”. A OTAN sempre disse, desde o início “queremos capturar Gaddafi”. Hillary Clinton disse, há dois dias, a estudantes da Universidade de Trípoli “queremos Gaddafi capturado ou morto”. O plano sempre foi esse. E, além do plano, na conquista de Trípoli, os rebeldes tiveram sorte. Fizeram um movimento de pinça, combatentes treinados no Qatar e nos Emirados Árabes Unidos, e combatentes treinados nas montanhas berberes, no sudoeste, fizeram um movimento de pinça e ocuparam Trípoli. E a Brigada Khamis sumiu! Seria a brigada chave, como aconteceu no Iraque em 2003, mas sumiram, não resistiram, ainda não se sabe por quê. E os rebeldes ocuparam Trípoli. 

Apresentadora. Lembro de eles dizerem que seriam semanas, não meses. O que é outro problema. Para encerrar, em poucas palavras, por favor: e o futuro? O que acontecerá na Líbia, daqui em diante?

Pepe Escobar. Guerra civil. Não há dúvida. Não há outra possibilidade. Há um mês, escrevi que haveria duas guerras civis, os leais a Gaddafi contra o governo central e os islamistas contra o governo central. Agora já se vê que será uma única guerra civil: todos os que ficaram de fora do atual arranjo, e é muita gente na Tripolitânia, gente que desconfiará do Conselho Nacional de Transição até ver que espécie de regime implantarão lá – e que absolutamente não (ênfase) será uma democracia, porque já estão divididos entre eles mesmos... E Trípoli já está sendo tomada por milícias. E se os islamistas forem deixados de fora, eles vão começar uma guerra de guerrilhas, como fizeram contra o governo de Hamid Karzai (sic. O certo parece ser “como fizeram contra o governo de Gaddafi” [NTs]). É a fórmula para longa guerra civil, por anos adiante.

Apresentadora. Como já se vê o que está acontecendo no Egito, você não vê motivos para ser otimista também na Líbia.

Pepe Escobar. Não, nenhum. Fico muito triste, pelo povo líbio.

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