Morre o cardeal alinhado ao Vaticano que defendeu as tradições
da Igreja e não afrontou os militares enquanto, secretamente,
protegeu presos políticos
Michel AlecrimSÍMBOLO
Uma pomba pousou sobre o caixão do cardeal: até o fim
da vida ele atuou para propagar a fé católica
Os militares da linha dura o viam como comunista. A esquerda chegou a tachá-lo de pró-ditadura. A controversa e, muitas vezes, aparentemente ambígua posição política do cardeal dom Eugenio de Araújo Sales tinha propósitos que incluíam não só os interesses da Igreja Católica como, também, a defesa de direitos políticos e humanos. A principal voz alinhada a Roma no País se calou na noite da segunda-feira 9, em sua casa, no Sumaré, no alto da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, aos 91 anos. A morte não interrompe, entretanto, a constante reavaliação de seu papel — fundamental em momentos como a transição democrática no Brasil e durante o regime militar (1964-1985). Ao mesmo tempo que era respeitadíssimo nos altos postos das Forças Armadas, dom Eugenio protegeu milhares de perseguidos políticos brasileiros e latino-americanos. Sem enfrentamentos ruidosos, mas com determinação, o cardeal cumpriu a missionária tarefa de tentar proteger os mais fracos. Mas, como representante do Vaticano, dom Eugenio também será lembrado pela mão firme contra os religiosos mais progressistas, seguidores da Teologia da Libertação, que procurava conciliar o marxismo com as ideias cristãs.
Durante décadas ficou praticamente secreta a atuação do religioso contra a prisão e a tortura de opositores do regime militar, no Brasil e na América Latina, nos pesados anos 1970. Em ações silenciosas, ele deu proteção a vários militantes, muitos deles comunistas ou ateus. Somente em 2000, falou sobre esse “trabalho social” em entrevista ao jornalista Fritz Utzeri, publicada no “Jornal do Brasil”. Foi a primeira vez que revelou ter usado até recursos da Cúria para manter uma rede de abrigo aos perseguidos, muitos deles argentinos, uruguaios e chilenos. Foram alugados 80 apartamentos no Rio para escondê-los e até igrejas foram utilizadas para evitar as prisões. Ao todo, cinco mil pessoas teriam sido beneficiadas. “Durante o movimento estudantil, eu soube de uma pessoa que foi salva por dom Eugenio. Mas ele não gostava de falar do assunto, e foi com muita insistência que aceitou dar a entrevista”, conta Utzeri.
No livro “Diálogos na Sombra”, que trata da relação entre a Igreja e os militares, o historiador americano Kenneth P. Serbin deixa claro que dom Eugenio não apoiou o golpe de 1964 e era contrário à violência da ditadura. No entanto, preferia atuar nos bastidores e suportava as desconfianças. Ao pesquisador, o arcebispo de São Paulo na época, dom Paulo Evaristo Arns, que criticava a tortura publicamente, fez questão de dizer que ele e dom Eugenio tinham “estilos diferentes”, mas a “mesma finalidade”. “Apesar de anticomunista, não se alinhava com o setor tradicionalista e direitista do catolicismo, que aplaudira o golpe. Ele tinha compromisso com a reforma da sociedade brasileira”, concluiu Serbin.
O historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico ressalta que a preocupação de dom Eugenio em não afrontar em público os militares tinha como objetivo evitar conflitos entre o Vaticano e o Brasil. A visão extremamente institucional do cardeal, segundo ele, acabou colaborando com uma duração maior do período autoritário. “Para as pessoas que foram acolhidas por ele e que estavam sendo perseguidas fica uma imagem positiva. Mas acredito que se ele tivesse demonstrado uma resistência forte e se equiparado a outros cardeais, teria ajudado a encurtar a ditadura”, avalia o historiador.
Assessor de dom Eugenio durante 30 anos, Adionel Carlos destaca medidas modernizantes do cardeal como a criação do Diaconato Permanente, que incluiu no clero homens casados, e a permissão para que freiras pudessem chefiar paróquias, mesmo sem celebrar missas. Tudo, claro, sob os auspícios da Santa Sé. “O que ele fez foi em nome de sua função de pastor de um grande rebanho. Assim, protegeu ateus e descrentes, perseguidos políticos e atendeu a pobres e ricos igualmente. Ele cumpriu sua missão”, resume Adionel.
Para muitos, dom Eugenio será sempre lembrado como o cardeal que combateu a propagação da Teologia da Libertação. Frei Betto e Leonardo Boff eram personas non gratas na Arquidiocese do Rio. Nessa tarefa foi aliado do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé nos anos 1980 e 1990, e hoje papa Bento XVI. Enquanto combateu as vozes incômodas, dom Eugenio trabalhou para ampliar o número de seguidores – ordenou mais de 200 padres só no Rio – e até o fim da vida atuou para propagar a fé católica.
Durante décadas ficou praticamente secreta a atuação do religioso contra a prisão e a tortura de opositores do regime militar, no Brasil e na América Latina, nos pesados anos 1970. Em ações silenciosas, ele deu proteção a vários militantes, muitos deles comunistas ou ateus. Somente em 2000, falou sobre esse “trabalho social” em entrevista ao jornalista Fritz Utzeri, publicada no “Jornal do Brasil”. Foi a primeira vez que revelou ter usado até recursos da Cúria para manter uma rede de abrigo aos perseguidos, muitos deles argentinos, uruguaios e chilenos. Foram alugados 80 apartamentos no Rio para escondê-los e até igrejas foram utilizadas para evitar as prisões. Ao todo, cinco mil pessoas teriam sido beneficiadas. “Durante o movimento estudantil, eu soube de uma pessoa que foi salva por dom Eugenio. Mas ele não gostava de falar do assunto, e foi com muita insistência que aceitou dar a entrevista”, conta Utzeri.
No livro “Diálogos na Sombra”, que trata da relação entre a Igreja e os militares, o historiador americano Kenneth P. Serbin deixa claro que dom Eugenio não apoiou o golpe de 1964 e era contrário à violência da ditadura. No entanto, preferia atuar nos bastidores e suportava as desconfianças. Ao pesquisador, o arcebispo de São Paulo na época, dom Paulo Evaristo Arns, que criticava a tortura publicamente, fez questão de dizer que ele e dom Eugenio tinham “estilos diferentes”, mas a “mesma finalidade”. “Apesar de anticomunista, não se alinhava com o setor tradicionalista e direitista do catolicismo, que aplaudira o golpe. Ele tinha compromisso com a reforma da sociedade brasileira”, concluiu Serbin.
O historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico ressalta que a preocupação de dom Eugenio em não afrontar em público os militares tinha como objetivo evitar conflitos entre o Vaticano e o Brasil. A visão extremamente institucional do cardeal, segundo ele, acabou colaborando com uma duração maior do período autoritário. “Para as pessoas que foram acolhidas por ele e que estavam sendo perseguidas fica uma imagem positiva. Mas acredito que se ele tivesse demonstrado uma resistência forte e se equiparado a outros cardeais, teria ajudado a encurtar a ditadura”, avalia o historiador.
Assessor de dom Eugenio durante 30 anos, Adionel Carlos destaca medidas modernizantes do cardeal como a criação do Diaconato Permanente, que incluiu no clero homens casados, e a permissão para que freiras pudessem chefiar paróquias, mesmo sem celebrar missas. Tudo, claro, sob os auspícios da Santa Sé. “O que ele fez foi em nome de sua função de pastor de um grande rebanho. Assim, protegeu ateus e descrentes, perseguidos políticos e atendeu a pobres e ricos igualmente. Ele cumpriu sua missão”, resume Adionel.
Para muitos, dom Eugenio será sempre lembrado como o cardeal que combateu a propagação da Teologia da Libertação. Frei Betto e Leonardo Boff eram personas non gratas na Arquidiocese do Rio. Nessa tarefa foi aliado do cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé nos anos 1980 e 1990, e hoje papa Bento XVI. Enquanto combateu as vozes incômodas, dom Eugenio trabalhou para ampliar o número de seguidores – ordenou mais de 200 padres só no Rio – e até o fim da vida atuou para propagar a fé católica.
Fotos: Rafael Andrade/Folhapress; Pablo Jacob/Ag. o Globo
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