Mais do que decidir uma tese sobre os embargos infringentes, o ministro tem a responsabilidade de dar um basta a uma divisão que pode se aprofundar no STF entre os que argumentam e os que esbravejam, com a jugular saltada; entre os que defendem ou rejeitam teses e os que atacam pessoas (inclusive seus próprios pares); entre os que julgam réus e os que castigam inimigos. Seu voto dirá se ele está entre aqueles preocupados com a correção dos julgamentos ou entre os que jogam “às favas todos os escrúpulos de consciência". Por Antonio Lassance
Antonio Lassance*
Na sessão sobre os embargos infringentes (12/9), o ministro Gilmar Mendes lembrou o caso Donadon. Fez muito bem. Poderia ter ido além e lembrado o embate travado entre probidade e segurança jurídica, em torno da discussão sobre a aplicação imediata ou não da Lei da Ficha Limpa em 2010. O contraste entre ambos os casos demonstra que probidade e segurança jurídica são dois fundamentos nem sempre tratados coerentemente no Supremo.
Em 2010, metade dos integrantes do STF defendeu o direito de os fichas sujas disputarem as eleições, de serem eleitos, de serem diplomados e de serem empossados. Tudo em nome da segurança jurídica e da sagrada lei segundo a qual não se pode mudar a regra com o jogo em andamento.
Gilmar Mendes foi não apenas um dos que perfilharam esse entendimento como foi, sem dúvida, o mais enfático. Acompanharam-no Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Cezar Peluso e Dias Toffoli. Em favor da aplicação imediata da Ficha Limpa estiveram Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Ayres Britto.
Só se pode entender o caso Donadon no contexto da derrota sofrida pela Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Não fosse a garantia dada pelo Supremo, Donadon não teria sido diplomado pelo TSE e nem empossado na Câmara dos Deputados.
Em 2010, a Lei da Ficha Limpa tinha acabado de sair do forno. Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmava o entendimento de que, mesmo aprovada e sancionada naquele ano, ela deveria valer imediatamente. À época, o presidente do TSE era o ministro Ricardo Lewandowski. Atualmente acusado de tentar aliviar a situação de réus da AP 470, Lewandowski liderou o entendimento de que os critérios da nova lei deveriam ser instantaneamente aplicados ao registro de candidaturas. Esses critérios detalhavam o mandamento constitucional da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de cargos públicos, que deveriam considerar a vida pregressa do candidato. Se considerava que a inelegibilidade não se baseva na ideia de culpa, mas de proteção.
Chancelado pela decisão do TSE, Lewandowski travou uma verdadeira cruzada para limpar as listas de candidatos daqueles que estivessem condenados por atos de corrupção, mesmo que ainda sem conclusão final (o chamado trânsito em julgado). O então presidente do TSE percorreu o país e orientou diretamente os tribunais regionais a negarem candidatura aos fichas sujas.
A reação à atuação de Lewandowski em favor da ficha limpa foi duríssima. Veio dos diretamente afetados pela nova regra, como Joaquim Roriz, Jader Barbalho e uma centena de outros candidatos já com alguma condenação em órgãos judiciários de segunda instância, como um tal Natan Donadon.
É importante cada cidadão relembrar como agiram os ministros do Supremo diante do julgamento que teve, como um de seus subprodutos, levar Donadon ao Congresso.
O argumento principal entre todos os que sepultaram a Ficha Limpa em 2010 era o da segurança jurídica. Não se pode mudar a regra do jogo no meio do jogo, certo? Depende. Do quê? Depende de a quem o resultado beneficia. Depende de quem são os acusados.
Façamos o exercício de relembrarmos algumas “teses” e frases lapidares . Imaginem se, ao invés de 2010, elas tivessem sido proferidas em 12 de setembro de 2013. Frases do tipo:
"Muitas vezes tem que se contrariar aquilo que a opinião pública entende como a salvação, muitas vezes para salvar a própria opinião pública".
Assim disse o ministro Gilmar Mendes em favor do Recurso Extraordinário de de Joaquim Roriz, RE 630147, de 23/9/2010, disponível para todos verem e ouvirem em http://goo.gl/8VqjAE (aos 3min e 55segundos).
O Mendes pré-mensalão dizia, na sequência, sobre mudar as regras do jogo com o jogo em andamento:
"Este tipo de violência muitas vezes começa com nosso próprio vizinho, e depois chega a nós". (No mesmo vídeo: http://goo.gl/8VqjAE aos 4 minutos e 6 segundos).
A pá de cal contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa foi dada em março de 2011 por outro paladino da condenação dos mensaleiros, o ministro Luiz Fux, à época, recém empossado. Seu voto sobre o tema desempatou a decisão do STF, enterrou o entendimento do TSE e impôs a maior de todas as derrotas sofridas pela Lei da Ficha Limpa. O resultado sacramentaria de vez a volta de políticos como Jader Barbalho e tantos outros que já tinham condenação em órgão judiciário de segunda instância, mas que mantiveram-se intactos em seus mandatos. Entre eles, mais uma vez, um tal Natan Donadon.
Em 2010, os processos dos crimes cometidos por Donadon já se arrastavam há mais de 15 anos. Onde estava a pressa? Sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu. A parte do STF que reclama que o atual julgamento de embargos infringentes pode durar até seis meses ou mais demorou dois anos para julgar os embargos de Donadon e chegar à conclusão de que eles eram meramente protelatórios.
A depender do que dirá Celso de Mello sobre os embargos infringentes, seu voto de desempate pode esclarecer e iluminar o tema do equilíbrio a ser dado entre os princípios da probidade, de um lado, e o da segurança jurídica, de outro.
O ministro, que já deu sua opinião, de forma clara e cristalina sobre a admissão desse tipo de embargo (http://goo.gl/x635Hq), tem em suas mãos uma tarefa muito mais importante e duradoura do que uma decisão sobre a AP 470.
O ministro tem a responsabilidade de dar um basta a uma divisão que pode se aprofundar no STF entre os que argumentam serenamente e os que esbravejam, com a jugular saltada; entre os que defendem ou rejeitam teses e os que atacam pessoas (inclusive seus próprios pares); entre os que julgam réus e os que castigam inimigos. Seu voto dirá se ele está entre aqueles preocupados com a correção dos julgamentos ou entre os que jogam às favas, como diria Jarbas Passarinho, “todos os escrúpulos de consciência".
De que lado ficará Celso de Mello?
*Antonio Lassance é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília.
Em 2010, metade dos integrantes do STF defendeu o direito de os fichas sujas disputarem as eleições, de serem eleitos, de serem diplomados e de serem empossados. Tudo em nome da segurança jurídica e da sagrada lei segundo a qual não se pode mudar a regra com o jogo em andamento.
Gilmar Mendes foi não apenas um dos que perfilharam esse entendimento como foi, sem dúvida, o mais enfático. Acompanharam-no Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Cezar Peluso e Dias Toffoli. Em favor da aplicação imediata da Ficha Limpa estiveram Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Ayres Britto.
Só se pode entender o caso Donadon no contexto da derrota sofrida pela Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Não fosse a garantia dada pelo Supremo, Donadon não teria sido diplomado pelo TSE e nem empossado na Câmara dos Deputados.
Em 2010, a Lei da Ficha Limpa tinha acabado de sair do forno. Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmava o entendimento de que, mesmo aprovada e sancionada naquele ano, ela deveria valer imediatamente. À época, o presidente do TSE era o ministro Ricardo Lewandowski. Atualmente acusado de tentar aliviar a situação de réus da AP 470, Lewandowski liderou o entendimento de que os critérios da nova lei deveriam ser instantaneamente aplicados ao registro de candidaturas. Esses critérios detalhavam o mandamento constitucional da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de cargos públicos, que deveriam considerar a vida pregressa do candidato. Se considerava que a inelegibilidade não se baseva na ideia de culpa, mas de proteção.
Chancelado pela decisão do TSE, Lewandowski travou uma verdadeira cruzada para limpar as listas de candidatos daqueles que estivessem condenados por atos de corrupção, mesmo que ainda sem conclusão final (o chamado trânsito em julgado). O então presidente do TSE percorreu o país e orientou diretamente os tribunais regionais a negarem candidatura aos fichas sujas.
A reação à atuação de Lewandowski em favor da ficha limpa foi duríssima. Veio dos diretamente afetados pela nova regra, como Joaquim Roriz, Jader Barbalho e uma centena de outros candidatos já com alguma condenação em órgãos judiciários de segunda instância, como um tal Natan Donadon.
É importante cada cidadão relembrar como agiram os ministros do Supremo diante do julgamento que teve, como um de seus subprodutos, levar Donadon ao Congresso.
O argumento principal entre todos os que sepultaram a Ficha Limpa em 2010 era o da segurança jurídica. Não se pode mudar a regra do jogo no meio do jogo, certo? Depende. Do quê? Depende de a quem o resultado beneficia. Depende de quem são os acusados.
Façamos o exercício de relembrarmos algumas “teses” e frases lapidares . Imaginem se, ao invés de 2010, elas tivessem sido proferidas em 12 de setembro de 2013. Frases do tipo:
"Muitas vezes tem que se contrariar aquilo que a opinião pública entende como a salvação, muitas vezes para salvar a própria opinião pública".
Assim disse o ministro Gilmar Mendes em favor do Recurso Extraordinário de de Joaquim Roriz, RE 630147, de 23/9/2010, disponível para todos verem e ouvirem em http://goo.gl/8VqjAE (aos 3min e 55segundos).
O Mendes pré-mensalão dizia, na sequência, sobre mudar as regras do jogo com o jogo em andamento:
"Este tipo de violência muitas vezes começa com nosso próprio vizinho, e depois chega a nós". (No mesmo vídeo: http://goo.gl/8VqjAE aos 4 minutos e 6 segundos).
A pá de cal contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa foi dada em março de 2011 por outro paladino da condenação dos mensaleiros, o ministro Luiz Fux, à época, recém empossado. Seu voto sobre o tema desempatou a decisão do STF, enterrou o entendimento do TSE e impôs a maior de todas as derrotas sofridas pela Lei da Ficha Limpa. O resultado sacramentaria de vez a volta de políticos como Jader Barbalho e tantos outros que já tinham condenação em órgão judiciário de segunda instância, mas que mantiveram-se intactos em seus mandatos. Entre eles, mais uma vez, um tal Natan Donadon.
Em 2010, os processos dos crimes cometidos por Donadon já se arrastavam há mais de 15 anos. Onde estava a pressa? Sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu. A parte do STF que reclama que o atual julgamento de embargos infringentes pode durar até seis meses ou mais demorou dois anos para julgar os embargos de Donadon e chegar à conclusão de que eles eram meramente protelatórios.
A depender do que dirá Celso de Mello sobre os embargos infringentes, seu voto de desempate pode esclarecer e iluminar o tema do equilíbrio a ser dado entre os princípios da probidade, de um lado, e o da segurança jurídica, de outro.
O ministro, que já deu sua opinião, de forma clara e cristalina sobre a admissão desse tipo de embargo (http://goo.gl/x635Hq), tem em suas mãos uma tarefa muito mais importante e duradoura do que uma decisão sobre a AP 470.
O ministro tem a responsabilidade de dar um basta a uma divisão que pode se aprofundar no STF entre os que argumentam serenamente e os que esbravejam, com a jugular saltada; entre os que defendem ou rejeitam teses e os que atacam pessoas (inclusive seus próprios pares); entre os que julgam réus e os que castigam inimigos. Seu voto dirá se ele está entre aqueles preocupados com a correção dos julgamentos ou entre os que jogam às favas, como diria Jarbas Passarinho, “todos os escrúpulos de consciência".
De que lado ficará Celso de Mello?
*Antonio Lassance é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília.
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