A história do empresário mineiro que denunciou esquema de corrupção na região norte e acabou torturado, a mando dos denunciados, mostra que o programa de proteção à testemunha no Brasil não funciona e prejudica a faxina ética
Claudio Dantas Sequeira e Alan RodriguesExperiências recentes mostram que os países que conseguiram enfrentar para valer a corrupção e o crime organizado tinham um forte e eficiente programa de proteção a testemunhas. Na última semana, quando milhares de pessoas foram às ruas clamar por uma faxina ética no Brasil, ISTOÉ teve acesso a uma série de documentos que revelam o quanto o nosso Programa de Proteção a Testemunhas (Provita), criado em 1999, e anualmente comemorado pelo governo, é falho e inconfiável. Os papéis, já encaminhados ao Palácio do Planalto e à Secretaria Nacional de Direitos Humanos pela Defensoria Pública da União (DPU), mostram como os objetivos do Provita estão sendo desvirtuados pela burocracia e descaso das autoridades. Há falhas na garantia dos sigilos das testemunhas e ocorre até o vazamento criminoso de informações sobre suas localizações.
Os documentos narram a incrível história de um empresário mineiro, cujo codinome adotado pela DPU é Antônio Maria. Casado e pai de dois filhos, ele ajudou a desvendar um esquema de corrupção no Norte do País envolvendo políticos, promotores, policiais e juízes. Depois de fazer as acusações, contar o que sabia e ser admitido no Programa de Proteção a Testemunhas do Ministério da Justiça, o empresário teve sua identidade, seu paradeiro e até a rotina diária da família entregues por quem deveria protegê-lo a pessoas ligadas aos por ele denunciados. Acabou sendo barbaramente torturado e hoje vive escondido em um hotel sem saber o que fazer no dia seguinte. “Além da tortura, me persuadiram a não mais testemunhar ou sequer voltar para o Norte”, relata Antônio em carta de cinco páginas, acompanhada de documentos confidenciais, entregue pela Defensoria ao Palácio do Planalto na terça-feira 6.
Ao denunciar o episódio ao Provita de Pernambuco, o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares), ONG executora local, solicitou audiência com a cúpula da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Estavam presentes à reunião o secretário-executivo da SDH, Ramais de Castro Silveira, e a coordenadora-geral de Proteção à Testemunha, Luciana Garcia, entre outras autoridades. O caso foi comunicado à ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e um grupo de trabalho passou a estudar soluções alternativas para garantir a vida do empresário e de sua família. Uma análise preliminar concluiu que o grupo denunciado por Antônio Maria integraria uma rede com contatos em todo o País, e que a única saída seria enviá-lo para o Exterior. A promessa de transferência foi formalizada num ofício confidencial enviado por Luciana Garcia à Defensoria Pública da União no último dia 9 de junho. Dentre os compromissos assumidos pela coordenadora-geral do programa está a “emissão de passagens aéreas para deslocamento para o país de destino, no prazo máximo de 17 de junho”.
O problema é que, passados quase três meses, nada aconteceu. O Gajop, em reunião com o Conselho Deliberativo do Provita, alegou que não havia dinheiro para a operação. Cerca de R$ 60 mil foram consumidos até agora em diárias do hotel, onde o empresário e a família vivem agora acuados, sem nenhuma proteção especial. Os filhos tiveram que deixar a escola e devem perder o ano letivo. Antes, foram obrigados a passar 45 dias nas dependências do Serviço de Proteção ao Depoente da Polícia Federal, local que serve de triagem e no qual só deveriam permanecer por 20 dias, segundo a lei. Para Antônio Maria, a situação chegou ao limite. Na denúncia à Defensoria, ele explica que a ausência de uma definição sobre o caso vem causando “sérios danos psicológicos”, além de óbvia indignação.
Na carta encaminhada à Defensoria Pública da União, Antônio relata ter enxergado falhas no programa desde o momento em que foi enquadrado nele. “Após dois atentados, foi oferecido a mim e a minha família o Provita”, contou. Porém, logo nos primeiros meses, o empresário diz ter sido levado pela equipe do Provita a uma reunião com um advogado. Ele tomou um susto ao vê-lo. O advogado era ligado à família de uma das pessoas por ele denunciadas no esquema de corrupção. “Ele era empregador da filha de um dos algozes e com relacionamento estreito com membro do Conselho Deliberativo (Condel)”, afirma Antônio Maria, em referência ao órgão estadual que supervisiona a execução do programa. Ante o risco de ter a identidade revelada, Antonio Maria pediu para ser transferido. Depois de muita insistência, foi enviado com a família para um Estado do Nordeste, onde passou por novos percalços. “Mais uma vez presenciei o despreparo da equipe”, diz. Documentos pessoais foram perdidos, perguntas ficaram sem resposta. E a cada questionamento, ficava patente a indiferença. “A frase ‘o programa é assim, ninguém é obrigado a ficar’ era ouvida constantemente”, afirma.
Em dezembro passado, ISTOÉ já havia denunciado a via-crúcis vivida pela família do maranhense Francisco Leal dentro do Programa de Proteção a Testemunhas, do Ministério da Justiça. Após sete meses vivendo sob condições subumanas numa favela da periferia de Manaus, o comerciante decidiu abandonar o programa, mesmo sabendo que pode ser morto a qualquer momento. Hoje se sabe que o caso de Leal não é isolado. Atualmente há cerca de 1.500 pessoas sob proteção no País, mas não há registro confiável sobre o número de abandonos e expulsões. Questionada por ISTOÉ, a coordenadora-geral de Proteção a Testemunhas rejeitou as acusações. Por meio da assessoria de imprensa, pôs em dúvida a versão do empresário, ao alegar que o exame de corpo de delito não identificou lesões no corpo de Antônio Maria. “Também não há qualquer comprovação até o momento de que houve vazamento de informações”, disse. Sobre a possibilidade de enviá-los ao Exterior, a assessoria da Secretaria de Direitos Humanos informa que se trata de uma medida “absolutamente excepcional e inédita”, mas que já haveria autorização para a realocação de Antônio Maria e sua família num país europeu. Só que testemunhas e promotores já cansaram de esperar. Apelam à presidente Dilma para que resolva o caso de Antônio Maria e promova uma revisão completa do Provita, que, pelo visto, não protege ninguém.
Os documentos narram a incrível história de um empresário mineiro, cujo codinome adotado pela DPU é Antônio Maria. Casado e pai de dois filhos, ele ajudou a desvendar um esquema de corrupção no Norte do País envolvendo políticos, promotores, policiais e juízes. Depois de fazer as acusações, contar o que sabia e ser admitido no Programa de Proteção a Testemunhas do Ministério da Justiça, o empresário teve sua identidade, seu paradeiro e até a rotina diária da família entregues por quem deveria protegê-lo a pessoas ligadas aos por ele denunciados. Acabou sendo barbaramente torturado e hoje vive escondido em um hotel sem saber o que fazer no dia seguinte. “Além da tortura, me persuadiram a não mais testemunhar ou sequer voltar para o Norte”, relata Antônio em carta de cinco páginas, acompanhada de documentos confidenciais, entregue pela Defensoria ao Palácio do Planalto na terça-feira 6.
Ao denunciar o episódio ao Provita de Pernambuco, o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares), ONG executora local, solicitou audiência com a cúpula da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Estavam presentes à reunião o secretário-executivo da SDH, Ramais de Castro Silveira, e a coordenadora-geral de Proteção à Testemunha, Luciana Garcia, entre outras autoridades. O caso foi comunicado à ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e um grupo de trabalho passou a estudar soluções alternativas para garantir a vida do empresário e de sua família. Uma análise preliminar concluiu que o grupo denunciado por Antônio Maria integraria uma rede com contatos em todo o País, e que a única saída seria enviá-lo para o Exterior. A promessa de transferência foi formalizada num ofício confidencial enviado por Luciana Garcia à Defensoria Pública da União no último dia 9 de junho. Dentre os compromissos assumidos pela coordenadora-geral do programa está a “emissão de passagens aéreas para deslocamento para o país de destino, no prazo máximo de 17 de junho”.
O problema é que, passados quase três meses, nada aconteceu. O Gajop, em reunião com o Conselho Deliberativo do Provita, alegou que não havia dinheiro para a operação. Cerca de R$ 60 mil foram consumidos até agora em diárias do hotel, onde o empresário e a família vivem agora acuados, sem nenhuma proteção especial. Os filhos tiveram que deixar a escola e devem perder o ano letivo. Antes, foram obrigados a passar 45 dias nas dependências do Serviço de Proteção ao Depoente da Polícia Federal, local que serve de triagem e no qual só deveriam permanecer por 20 dias, segundo a lei. Para Antônio Maria, a situação chegou ao limite. Na denúncia à Defensoria, ele explica que a ausência de uma definição sobre o caso vem causando “sérios danos psicológicos”, além de óbvia indignação.
Na carta encaminhada à Defensoria Pública da União, Antônio relata ter enxergado falhas no programa desde o momento em que foi enquadrado nele. “Após dois atentados, foi oferecido a mim e a minha família o Provita”, contou. Porém, logo nos primeiros meses, o empresário diz ter sido levado pela equipe do Provita a uma reunião com um advogado. Ele tomou um susto ao vê-lo. O advogado era ligado à família de uma das pessoas por ele denunciadas no esquema de corrupção. “Ele era empregador da filha de um dos algozes e com relacionamento estreito com membro do Conselho Deliberativo (Condel)”, afirma Antônio Maria, em referência ao órgão estadual que supervisiona a execução do programa. Ante o risco de ter a identidade revelada, Antonio Maria pediu para ser transferido. Depois de muita insistência, foi enviado com a família para um Estado do Nordeste, onde passou por novos percalços. “Mais uma vez presenciei o despreparo da equipe”, diz. Documentos pessoais foram perdidos, perguntas ficaram sem resposta. E a cada questionamento, ficava patente a indiferença. “A frase ‘o programa é assim, ninguém é obrigado a ficar’ era ouvida constantemente”, afirma.
Em dezembro passado, ISTOÉ já havia denunciado a via-crúcis vivida pela família do maranhense Francisco Leal dentro do Programa de Proteção a Testemunhas, do Ministério da Justiça. Após sete meses vivendo sob condições subumanas numa favela da periferia de Manaus, o comerciante decidiu abandonar o programa, mesmo sabendo que pode ser morto a qualquer momento. Hoje se sabe que o caso de Leal não é isolado. Atualmente há cerca de 1.500 pessoas sob proteção no País, mas não há registro confiável sobre o número de abandonos e expulsões. Questionada por ISTOÉ, a coordenadora-geral de Proteção a Testemunhas rejeitou as acusações. Por meio da assessoria de imprensa, pôs em dúvida a versão do empresário, ao alegar que o exame de corpo de delito não identificou lesões no corpo de Antônio Maria. “Também não há qualquer comprovação até o momento de que houve vazamento de informações”, disse. Sobre a possibilidade de enviá-los ao Exterior, a assessoria da Secretaria de Direitos Humanos informa que se trata de uma medida “absolutamente excepcional e inédita”, mas que já haveria autorização para a realocação de Antônio Maria e sua família num país europeu. Só que testemunhas e promotores já cansaram de esperar. Apelam à presidente Dilma para que resolva o caso de Antônio Maria e promova uma revisão completa do Provita, que, pelo visto, não protege ninguém.
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