Se a expansão dos chamados emergentes continuar, e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos, o PIB global teria que sair dos US$ 70 trilhões para o patamar de US$ 420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as conseqüências imagináveis. O atual padrão de consumo no planeta quer levar as compras à eternidade, mesmo sabendo com antecedência, que esta marcha pode ser a dos zumbis, fantasmas que vagam pela noite morta, quando o Planeta não suportar mais o peso do modelo. O artigo é de Najar Tubino.
Najar Tubino (*)
Fantasmas que vagam pela noite morta (crença afro-brasileira)
É uma visão futurista. Milhões de zumbis vagando pelo planeta, a procura de suas mercadorias e marcas preferidas. A temperatura já subiu mais de 1 grau, estamos chegando no ano 2050. A população beira os 9 bilhões. O último bilhão todo integrado à classe média, inclui brasileiros, chineses, indianos, indonésios, africanos. Talvez isso aconteça em 2030, se considerarmos a visão dos executivos de empresas globais como Coca-cola ou McDonald’s. Mesmo o gigante financeiro Goldman Sachs, prevê que mais de 600 milhões de pessoas dos chamados países emergentes atingirão a classe média nos próximos 20 anos. Aliás, a China será a maior economia do mundo com PIB de 70 trilhões de dólares, seguida pelos Estados Unidos, com 40 trilhões, depois a Índia, seguida pelos cinco maiores europeus juntos, e em 5º lugar, o Brasil.
A preocupação de muitos estudiosos, pesquisadores e cientistas é sobre o impacto deste crescimento nas condições já degradas de Planeta. Mas essa não é a realidade da elite econômica deste mesmo Planeta. O que pensam os 1.011 bilionários da lista da Forbes, de 2010, encabeçada pelo mexicano Carlos Slim, dono da telefonia na América Latina (276 milhões de clientes), mas com negócios em petróleo, imobiliárias, turismo, resumindo: representa 40% da Bolsa de Valores do México, país com 112 milhões de habitantes, 50% na linha de pobreza. Certamente, em como manter o crescimento econômico indefinidamente, como pregam os clássicos da economia ortodoxa. Crescimento ao infinito, para um planeta fisicamente finito.
Número de milionários aumenta
As pesquisas divergem em detalhes, mas todas realizadas sobre a divisão da riqueza no mundo, apontam para menos de l% da população com 40% dos ativos. O estudo da Boston Consulting Group, de Nova York, registrou em 2010 de US$121,8 trilhões em ativos globais sob gestão, um crescimento de 8%, na comparação com o ano anterior. O número de famílias estava em 12,5 milhões, com um aumento liderado por Cingapura, uma ilha com 5 milhões de habitantes, mas o maior percentual de milionários do mundo. Seguida por Suíça, Qatar e Arábia Saudita, que registra o maior número de arquimilionários - possuem mais de 100 milhões de dólares investidos.
A definição de milionários na pesquisa envolveu 62 países, de pessoas com mais de 1 milhão de dólares, fora o patrimônio, investido em algum mercado. São 120 empresas globais administrando os investimentos dos milionários. Com um detalhe importante: US$7,8 trilhões investidos fora do país de origem. Quase a mesma cifra que está depositada nos bancos da Praça de Genebra(Suíça), que é de US$6,8 trilhões. Apesar da fama, a Suíça detém apenas 23% do mercado de fortunas “offshore”(fora de origem), no mundo.
Mais um número que auxilia na compreensão dos caminhos impostos ao Planeta nas últimas décadas, desde os chamados “30 gloriosos”, período entre 1950-1980, de grande crescimento econômico e riqueza na Europa e Estados Unidos. Trata-se de um levantamento realizado por Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internaciona(FMI). Entre os anos 2000-2008, algumas pessoas no comando das 14 principais instituições financeiras do mundo, receberam em dinheiro (salário, bonificações e valor das ações vendidas) em torno de US$2,6 bilhões. Desse total US$2 bilhões foram recebidos pelas 5 mais bem pagas e também foram as peças principais na criação das estruturas de ativos de alto risco que levaram o sistema à beira do abismo. São elas: Sandy Weil, desenvolveu o Citigroup, que implodiu logo após sua saída; Hank Paulson, expandiu o Goldman Sachs, fez lobby para garantir mais alavancagem dos bancos, depois virou Secretário do Tesouro e ajudou a salvar os bancos; Angelo Mozilo, desenvolveu a Country Wide, peça central na concessão irresponsável de hipotecas; Dick Fuld, comandou o Lehman Brothers até a falência e Jimmy Cayune, comandou o Bear Stearns até a falência.
Os prejuízos públicos em comparação aos ganhos deles, ressalta Simon Johnson, foram gigantescos: 8 milhões de empregos nos Estados Unidos e cerca de US$ 6 trilhões, contando apenas o aumento das dívidas do governo federal americano.
Era do hiperconsumo
Esse modelo, agora, implantado nos países emergentes, já proporcionou uma nova vida para 447 mil milionários na China. Ou 126 mil famílias com disponibilidade de investir mais de 1 milhão de dólares na Índia. A classe média indiana será formada por 583 milhões de pessoas até 2030. Cerca de quase outro 500 milhões continuarão na linha da pobreza, conforme pesquisa do Banco Mundial – seria o terceiro maior país em termos populacionais, porém os números não traduzem a expressão do capitalismo desregulado, atualmente em voga na economia mundial. O que expressa um novo sentido às massas, segundo a visão do filósofo francês, Gilles Lipovetsky, um estudioso do consumismo, é a vontade de comprar, o “acesso democrático às marcas globais”
- A felicidade é o valor central, o grande ideal celebrado sem tréguas pela civilização consumista. Cada vez mais mercado, cada vez mais estimulações, viver melhor, cada vez mais indivíduo, cada vez mais exigência de felicidade”.
Vivemos a era do hiperconsumo, o reinado da mercadoria efêmera, o ápice do hedonismo, a vontade individual de viver, sem horizontes. Tudo isso multiplicado por cada membro da família, como a época é de “cada um com seus objetos”. Aumentou ainda mais com a expansão dos equipamentos eletrônicos, celulares e similares. A era do hiperconsumidor e do pluriequipamento. Mais de 5 bilhões de celulares, cerca de 245 milhões de computadores vendidos anualmente no mundo, 20 mil aviões e 10 mil navios circulando pelo globo, com 3 bilhões de passageiros aéreos. Além de 62 milhões de carros, já passamos de 1 bilhão em termos mundiais, 50 milhões de toneladas de papel, 240 milhões de toneladas de plástico e mais de 1 bilhão de toneladas de aço.
O mundo precisa de crescimento e o consumo das famílias é o motor que movimenta a economia. No caso dos Estados Unidos 70%. Mesmo assim, somando todo o consumo da Ásia, com mais de 2 bilhões de habitantes, ele atinge apenas 40% do consumo dos pouco mais de 310 milhões de estadunidenses.
Ocidentalização do mundo
Traçar um modelo de consumidor mundial é um dos objetivos deste texto, embasado em informações dos jornais de economia dos últimos dois anos. A versão é global porque as marcas são globais. Toda segunda-feira, Bob Macdonald, executivo-chefe da Procter & Gamble, formado na Academia Militar de West Point, se reúne com membros da sua equipe, na frente de um mapa mundi digital. Capaz de identificar a situação dos 250 principais produtos da corporação nos 50 maiores mercados disputados por eles.
Marcas que estão no avião do Faustão, na promoção da Rede Globo: fraldas Pampers, Gillet, Ariel, Pantene. São marcas bilionárias, puxadas pelas fraldas que vende US$8,8 bilhões no Planeta. O xampu divulgado por Gisele Bunchen (Pantene), rende US$3,1 bilhões. A P&G como é reconhecida fatura US$79 bilhões e tem 4,2 bilhões de clientes. Aumentou de tamanho em 2007 com a compra da Gillete por US$56 bilhões, representa 10% do seu faturamento
Até 2015 espera atingir 5 bilhões de clientes. Aposta nos emergentes. Quer os indianos consumindo Mach 3 (lâmina de barbear), ao invés de fazer a barba na rua, um costume tradicional na Índia. Os africanos devem usar produtos de higiene ocidentais. Os brasileiros mais pasta de dente, e os americanos mais branqueadores para os dentes. Em termos de faturamento, a rede de supermercados Walmart é a maior com 4,6 mil lojas espalhadas por vários continentes e US$420 bilhões em vendas. O último lance foi a compra de uma rede de supermercados na África do Sul.
As lanchonetes Mcdonald’s são 32 mil no mundo, sendo 1.300 na China e mais de 200 na Índia, que inclui cidades pequenas no interior, onde o aluguel é mais barato, e eles vendem o Mc Aloo Tikki, com ervilhas e purê de batata. Tudo pela ocidentalização global, como destaca o economista francês Daniel Cohen no livro, “A Prosperidade do Vício”.
- A elite mundial busca apenas um objetivo: tornar o modelo único, incluir costumes culturais, comida e bens duráveis.
É claro que o momento é de balanço no capitalismo desregulado, compensado pelo crescimento nos países que também procuram um lugar ao sol. Serão responsáveis pelo crescimento nos próximos anos. Um outro economista, também já foi chefe do FMI, Joseph Stiglitz, em seu livro, “O Mundo em Queda Livre”, onde aborda a crise de 2008, quando a banca internacional quase despencou precipício abaixo, traz uma informação importante. A renda dos americanos médios tem caído desde o ano 2000, em torno de 4% (está em torno de 38 mil dólares). O modelo implantado nos “30 gloriosos” de compras ilimitadas, baseada no crédito imobiliário, ou seja, minha casa vale tanto, posso pegar outro tanto emprestado. Furou, naufragou.
- Os americanos, diz ele, não podem mais viver neste modelo no século XXI. O consumo terá que ser reduzido em 10%, pelo menos.
Ou seja, a economia dos Estados Unidos vai continuar patinando por muito tempo, e nunca mais será a mesma. O problema como acentua o cronista do jornal The New York Times, Thomas Friedman, no livro “Quente, Plano e Lotado...” "é que surgiram muitos outros americanos e o Planeta não tem recursos suficientes para sustentar o modelo".
Vinho francês com gelo
Friedman na verdade não está somente preocupado com o mundo, mas com a perda da liderança dos Estados Unidos que deveriam “liderar a revolução verde”. Mas esse ainda é um detalhe. Afinal, todos têm direito ao crescimento e, por conseqüência, ao resto do pacote, que inclui modelos de todos os tipos: roupas, sapatos, malas, perfumes, carros, relógios, iates, vinhos, uísque, apartamentos (que agora estão com os preços reduzidos na Europa e nos EUA). As empresas globais mudam de foco. Os lucros não crescem no território de origem, então vamos onde ele está. As griffes famosas, Louis Vuitton, do conglomerado LVMH, do bilionário francês Bernard Arnaut (4 na lista da Forbes com 40 bilhões de dólares de patrimônio líquido, também é acionista do Carrefour), Gucci, do outro conglomerado francês PPR, e montadoras como a Mercedez Bens, a maior em vendas de carros de luxo, já se instalaram na China. A Mercedez transferiu o centro de criação do Japão para Pequim. O luxo é um mercado de US$238 bilhões, em termos globais.
Os chineses gastaram US$114 milhões em vinhos da região de Bordeaux, em 2010. Um banqueiro brasileiro jura que já viu chineses em Xangai tomando vinho francês caríssimo com gelo e emborcando uma taça, como se fosse “baijuu”, a cachaça nativa feita de arroz ou sorgo. Simples questão de adaptação. Afinal de contas, quem pagou US$232 mil em Hong Kong num leilão da Sotheby’s em 2010, por uma garrafa do Chateau Lafite, safra 1869, não está nem aí para parâmetros de preços ou convenções ocidentais Por sinal, os chineses milionários, onde já foi criada a categoria dos “princelings” (princepezinhos nascidos na era atual), acostumados a gastar US$1 mil numa garrafa de uísque escocês, também são apaixonados por relógios. Mantém a média de 4 Cartier por proprietário.
Um joalheiro privado de São Paulo, da Griftin, não atende ao público, tem uma definição psicológica para o caso:
- O desejo das pessoas é algo muito interessante. O desejo de comprar era irresistível para o dono desse relógio, que custa duas centenas de milhar de dólares, explica ele ao repórter do jornal Valor (ainda estava com a proteção na pulseira). Depois de satisfeito esse desejo, o objeto quase que perdeu totalmente o valor para ele”.
Pré-histórico do turboconsumidor
As compras podem ser impulsivas, principalmente depois que o império da publicidade se instalou no Planeta. Assim como o luxo se tornou um mercado bilionário, a publicidade abocanhou US$447 bilhões em 2010, 39,2% para a televisão, segundo os dados do Grupo Publicis, o terceiro maior do mundo que acabou de comprar a agência de publicidade DPZ, de São Paulo. O filósofo, Gilles Lipovetsky, diz que a publicidade nasceu em 1880, nos Estados Unidos – em 1882 a Coca-cola gastou 11 mil dólares para divulgar seu produto. Em 1929 foram quase US$4 milhões. As mercadorias, até então, eram vendidas anonimamente e a granel, na maioria dos casos. Sem embalagem, sem marca, em mercados localizados. Somente a partir de 1930 surgiram os supermercados. Embora ainda no final do século XIX, na França, surgissem os grandes magazines, como Le Bon Marché (1865).
Eram templos deslumbrantes, de luzes e cores, onde a mercadoria estava disponível diretamente aos consumidores, sem intermediários. A sensação de comprar e gastar já se tornava estimulante, sensual e gratificante. Segundo Gilles, o consumidor moderno começou o “shopping”, a olhar vitrines, nesta época. Nasceu o pré-histórico do turboconsumidor dos tempos atuais. Marca, embalagem, distribuição, mais a publicidade instauraram o que desde 1920 se decidiu chamar de “sociedade do consumo”, hoje, extrapolada ao máximo. A publicidade não vende mais uma mercadoria, vende uma visão do mundo, uma necessidade psicológica, uma vontade de viver ou de quase sucumbir, no caso daqueles que não tem a disponibilidade financeira para comprar, de fato, grande parte da população do mundo. Onde 1 bilhão moram em favelas, segundo a ONU, e 2 bilhões não tem acesso a água.
No caso do Brasil temos mais 35 milhões na classe média, mas 8 milhões não tem banheiro, e 40 milhões não tem água tratada em casa, conforme o IBGE. Sem contar os 14 milhões de analfabetos.
600 fábricas terceirizadasEntretanto, o modelo de consumismo está implantado e só cresce. A Coca-cola tem como objetivo em 2020 vender 30 bilhões de litros na China, onde detém 15% do mercado, é a líder no segmento dos refrigerantes. Os chineses tomam apenas 34 garrafas pequenas por ano, muito longe do líder, os mexicanos, que consomem 674. O Brasil é o quarto com 229 garrafas. A Nike, por exemplo, com suas 600 fábricas terceirizadas, em 48 países, montou seus centros de treinamento no Vietnã e Sry Lanka, depois de sucessivas denúncias de exploração de mão de obra infantil. Continuará sua expansão no modelo aprimorado de marca globalizada sem dispor de uma única fábrica própria, mas tendo 800 mil trabalhadores na confecção dos seus cobiçados tênis. Foram alvo das revoltas na Grã-Bretanha, recentemente.
Também pode ser o mercado de diamantes, que já movimentou US$65 bilhões, mas registrou queda depois da crise financeira, quando mais de mil joalherias fecharam as portas nos Estados Unidos – 40% do mercado, onde os noivos obrigatoriamente compram anéis de diamantes na consumação do compromisso. Voltou a crescer em 2010, porém as marcas globais que dominam o mercado, como a Tiffanys tiveram que entrar no negócio da mineração. A empresa abriu uma lapidadora de diamantes em Botsuana para diminuir os custos.
Quem está preocupado com a redução do faturamento (US$720 bilhões no mundo) são os executivos da indústria farmacêutica, não pela redução no número de doenças, pela quebra de patentes e venda de genéricos. Um Planeta degradado enfrenta cada vez mais o aumento de doenças, seja pelo crescimento da obesidade, já atinge 1,6 bilhão de pessoas no mundo, conforme dados da Organização Mundial de Saúde, sendo 400milhões de obesos, seja pelos efeitos da mudança climática, secas e inundações, que desorganizam os sistemas vivo.
PIB mundial vezes 6
Daniel Cohen fez uma conta futura sobre o crescimento do Planeta em 2050. Se a expansão dos emergentes continuar, e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos (dados de 2005), o PIB global teria que sair dos US$70 trilhões para o patamar de US$420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as conseqüências imagináveis. Por exemplo, a Siemens, multinacional alemã, especializada em energia e saúde, faturamento de US$70 bilhões prevê para 2025 cerca de 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes – atualmente são 21. Como definiu o presidente da empresa, Peter Loscher “serão imensas manchas humanas, com muitos problemas para resolver. As cidades no Planeta ocupam apenas l% da área e consomem 80% da energia.
Na contramão, o Relatório Repensando a Pobreza, divulgado pela ONU, no ano passado, apontava:
- Mais de 80% da população mundial vive em países onde os diferenciais de renda estão se ampliando. Os 40% mais pobres na população mundial reponde por apenas 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos representam 75%. Para os pobres do mundo, o lema negócios como sempre jamais foi uma opção aceitável”.
Ao mesmo tempo, em Dubai, o xeque Al Maktoum pretendia criar uma opção de investimento para ricos globais, lançou centenas de projetos imobiliários (mais de 400 cancelados no pós crise), mas um, mundialmente conhecido: o Burj Khalifa, o edifício mais alto com 834 metros. É preciso esclarecer que o nome oficial do prédio era Burj Dubai. Mas surgiu uma conta urgente do emirado para pagar no valor de US$10 bilhões, e o Khalifa de Abhu Dabi pagou e trocaram o nome do prédio, afinal o patrocinador pagou a conta. Símbolo do poder global envolve 1.044 apartamentos, 160 para um hotel com quartos projetados por Georgio Armani, piscinas, uma mesquita, a mais alta do mundo, em seus 200 andares de opulência.
Não por muito tempo. Na Arábia Saudita, a construtora da família Bin Laden e o príncipe Al Waleed, considerado o árabe mais rico (US$20 bilhões de patrimônio líquido), tem 7% da News Corp., de Rupert Murdoch é um grande acionista do Citigroup, quer construir um novo edifício, que será o maior do maior do mundo, com um quilômetro de altura. O recorde anterior estava em Taipei, na Ásia, um predinho de menos de 500 metros.
Modelos extravagantes
Modelos extravagantes imobiliários são uma febre entre os ricos e os muito ricos no Planeta. E atraem emergentes. O Aman Resort, considerado um projeto para os muito ricos (850 apartamentos no mundo, em formato de bangalôs, choupanas ou vilas de arrozeiros na Tailândia), mandou um executivo ao Brasil para vender “villas”, no arquipélago de Turks & Caicos, território britânico no Caribe, que custam entre US$ 9 e 16 milhões, de 4 a 5 quartos, chef de cozinha exclusivo, carrinho de golfe, assessoras para marcar mergulhos e etc. Adrian Zecha, um indonésio, começou o negócio em Cingapura, maior acionista do Aman, diz que se interessou pelo Brasil, quando viu brasileiros pagando diárias entre US$5 e 10 mil em seus resorts.
Não chega nem perto dos US$100 milhões que o bilionários russo Yuri Milner pagou por uma mansão de estilo francês no Vale do Silício (Califórnia), novo recorde de valor para uma casa nos Estados Unidos. O ucraniano Rinat Akhmetov comprou dois dos mais caros apartamentos já vendidos em Londres por US$222,5 milhões. Em Paris, uma princesa do Golfo Pérsico gastou US$96,5 milhões em 2010 por uma mansão com pátio , jardim e capela, na margem esquerda do rio Sena. Como escreveu o comentarista do The Wall Street Journal: “são os estrangeiros milionários aproveitando a queda nos preços dos imóveis dos países ricos”.
A incorporadora e corretora Fortune International investiu no Brasil para vender o edifício de 50 andares, Jade Ocean, com piscinas infinity, cinema prive, área para crianças com mobília Philipe Starck, coberturas duplex custam entre US$2,9 e 5 milhões – 85% dos apartamentos vendidos a estrangeiros.
A vida é uma festa
Também podemos relacionar, não com tanta extravagância, os mais de US$5,9 bilhões que os brasileiros gastaram em 2010 nos Estados Unidos, 423 mil visitaram Nova York, onde gastaram quase 6 mil dólares por cabeça, ocupando a quarta posição entre os turistas globais. Duas coisas chamam a atenção no modelo mundial de consumo. A extravagância registrada pelos emergentes, como bem definiu o executivo do grupo Publicis, recentemente, em visita ao Brasil, Maurice Levy:
- Nesses países temos, normalmente, duas situações distintas. Uma parte da população ainda vive abaixo da linha de pobreza. Mas a fatia que integrou a classe média tem como modelo de consumo o ocidental: eles querem tudo rápido, as últimas marcas, o que está mais na moda, os carros e os relógios mais luxuosos. Nesse caso é uma oportunidade para os anunciantes que é preciso aproveitar”.
E a outra: a mediocridade de copiar tudo dos países ricos e de sua elite. Em Xangai, por exemplo, a Diageo, maior na venda de destilados do mundo (dona da marca de uísque Johnny Walker) reformou um palacete colonial com paredes de cevada e garrafas de uísque. Gastou US$3,2 milhões. Para ensinar os novos bebedores, e também aos barzeiros, como se deve beber o precioso líquido. Incluir chá verde pode. Na China o consumo maior é The Johnny Walker, a garrafa custa 3 mil dólares.Na Índia, a empresa dona da marca Contreau (conglomerado PPR), patrocina eventos sociais, com integrantes da elite de Nova Déli, para divulgar suas bebidas. Um desses promotores, Vikrant Nath, diz que a vida é uma festa, ao receber 25 prósperos profissionais, todos vestidos a moda ocidental, conforme relato da Associated Press, interessados em bebidas finas.
- Queremos saber sobre a boa vida e aprender a receber as pessoas – diz a esposa Akka, na entrada da casa de três andares. Isso inclui aprender mais sobre as grifes de luxo, que são vendidas na Índia. O número de indianos com patrimônio de US$l milhão para investir cresceu 51%, depois da crise de 2008, segundo levantamento da Merryl Linch. São 126 mil pessoas. O produtor Nath faz entre 15 e 20 eventos por mês. A Índia, ainda segundo a agência de notícias é a maior fabricante de bebidas alcoólicas da Ásia produzidas ilegalmente, são 700 milhões de caixas. E uma percentagem de 5% da população (60 milhões de pessoas) são consideradas alcoólatras.
Última tentativa: testosterona
Boomers são os nascidos do pós-guerra, na década de 1950, nos Estados Unidos. Muitos enriqueceram e ficaram conhecidos por seus gastos. Comenta-se que sustentaram as vendas de Mercedez Bens e BMW antes da crise (ma Mercedez vendeu 245 mil carros até 2007). Viraram modelo para os emergentes. Embora um tanto envelhecidos ainda sustentam os gastos de novidades nos Estados Unidos. Nesse caso, da indústria farmacêutica. A última moda da indústria antienvelhecimento é a venda de produtos a base de testosterona (hormônio masculino). As vendas desse segmento chegam a US$80 bilhões. Surgiram problemas com algumas embalagens, como cremes, podem colar em outras pessoas ou diluir na água. É a última tentativa de manter de pé os 70% do consumo, já que a dívida das famílias estadunidenses é quase tão grande quanto a dívida do país – mais de US$13 trilhões.
Os consumidores dos EUA recebiam até 2007, mais de 6 bilhões de cartões de crédito pelo correio.O número caiu para 1,4 bilhão depois da crise. Um dos quatro bancões (Bofa, Citi, Goldman, JP Morgan) anunciava na televisão: “aprovado ao nascer”. Na era do neuromarketing, quando as glândulas sudoríparas dos humanos são monitoradas, e suas áreas cerebrais fotografadas, os consumidores são enquadrados por categorias desde o nascimento: bebê, infantil, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto e sênior. Nada escapa. Como acentua Gilles Lipovetsky, no livro “A Felicidade Paradoxal”:
- Enquanto a vida cotidiana for dominada por esse sistema de referência a menos que se enfrente um cataclisma ecológico ou econômico, a sociedade de hiperconsumo prossegue em sua trajetória... antropólogos analisarão no futuro a civilização esclarecida em que o homo sapiens prestava culto a um deus tão derrisório quanto fascinante: a mercadoria efêmera”.
Não deixa de ter razão. A velocidade do crescimento dos shopping no Brasil, futura quinta economia, é impressionante. Em 2008, eram 377. Em 2011, serão 422. Em Porto Velho, capital de Rondônia, onde duas hidrelétricas serão inauguradas a partir do próximo ano colocaram tapete vermelho na inauguração. Tem mais 30 projetos em lançamento no Brasil. Custa em média R$200 milhões a construção de um shopping.
Marcha rumo à felicidade
A China pretende adquirir 200 milhões de carros até 2020, em 2010 produziram 18 milhões. A história universal tem um sentido, diz Gilles Lipovetsky, ela não é mais que o progresso rumo ao infinito da humanidade, a marcha desta rumo à felicidade mais completa.
Cada um escolhe a marcha que acha mais provável. Eric Hobsbawn, historiador inglês, no final de “A Era dos Extremos”, onde analisou os acontecimentos do século XX, incluindo as duas guerras mundiais (50 milhões de mortos) ”se a humanidade repetir o que já fez nos séculos passados e no presente, só tem um futuro: a escuridão”.
Em 1970, quando a NASA lançou o projeto da Estação Espacial Internacional, os cientistas e políticos da época falavam do futuro da humanidade. Em breve os foguetes viajariam rapidamente ao espaço, por preços baratos. A Estação Espacial seria a plataforma para alcançar outros planetas. Quarenta anos depois, ao finalizar o programa do ônibus espacial – 202 bilhões de dólares de custo -, sem contar os US$100 bilhões da própria Estação, o que temos? Cadê os outros planetas. A facilidade da tecnologia que nos levaria ao infinito espacial?
A viagem, agora, custará ao governo dos EUA, nas cápsulas russas da nave Soyus, US$43 milhões por astronauta. A NASA agendou 45 assentos até 2016. O ônibus lançou o telescópio Hubble, que nos deu imagens belíssimas do Universo. Na Estação, experiências importantes, sem gravidade, são praticadas. E o resto? Essa prepotência da tecnologia, o domínio da técnica sobre tudo, se compara a arrogância da economia ortodoxa, responsável pela sustentação desse sistema no Planeta. Quer levar as compras à eternidade, mesmo sabendo com antecedência, que esta marcha pode ser a dos zumbis, fantasmas que vagam pela noite morta, quando o Planeta não suportar mais o peso do modelo.
(*) Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O Equilíbrio, publicado em 2005. E-mail: najartubino@yahoo.com.br
É uma visão futurista. Milhões de zumbis vagando pelo planeta, a procura de suas mercadorias e marcas preferidas. A temperatura já subiu mais de 1 grau, estamos chegando no ano 2050. A população beira os 9 bilhões. O último bilhão todo integrado à classe média, inclui brasileiros, chineses, indianos, indonésios, africanos. Talvez isso aconteça em 2030, se considerarmos a visão dos executivos de empresas globais como Coca-cola ou McDonald’s. Mesmo o gigante financeiro Goldman Sachs, prevê que mais de 600 milhões de pessoas dos chamados países emergentes atingirão a classe média nos próximos 20 anos. Aliás, a China será a maior economia do mundo com PIB de 70 trilhões de dólares, seguida pelos Estados Unidos, com 40 trilhões, depois a Índia, seguida pelos cinco maiores europeus juntos, e em 5º lugar, o Brasil.
A preocupação de muitos estudiosos, pesquisadores e cientistas é sobre o impacto deste crescimento nas condições já degradas de Planeta. Mas essa não é a realidade da elite econômica deste mesmo Planeta. O que pensam os 1.011 bilionários da lista da Forbes, de 2010, encabeçada pelo mexicano Carlos Slim, dono da telefonia na América Latina (276 milhões de clientes), mas com negócios em petróleo, imobiliárias, turismo, resumindo: representa 40% da Bolsa de Valores do México, país com 112 milhões de habitantes, 50% na linha de pobreza. Certamente, em como manter o crescimento econômico indefinidamente, como pregam os clássicos da economia ortodoxa. Crescimento ao infinito, para um planeta fisicamente finito.
Número de milionários aumenta
As pesquisas divergem em detalhes, mas todas realizadas sobre a divisão da riqueza no mundo, apontam para menos de l% da população com 40% dos ativos. O estudo da Boston Consulting Group, de Nova York, registrou em 2010 de US$121,8 trilhões em ativos globais sob gestão, um crescimento de 8%, na comparação com o ano anterior. O número de famílias estava em 12,5 milhões, com um aumento liderado por Cingapura, uma ilha com 5 milhões de habitantes, mas o maior percentual de milionários do mundo. Seguida por Suíça, Qatar e Arábia Saudita, que registra o maior número de arquimilionários - possuem mais de 100 milhões de dólares investidos.
A definição de milionários na pesquisa envolveu 62 países, de pessoas com mais de 1 milhão de dólares, fora o patrimônio, investido em algum mercado. São 120 empresas globais administrando os investimentos dos milionários. Com um detalhe importante: US$7,8 trilhões investidos fora do país de origem. Quase a mesma cifra que está depositada nos bancos da Praça de Genebra(Suíça), que é de US$6,8 trilhões. Apesar da fama, a Suíça detém apenas 23% do mercado de fortunas “offshore”(fora de origem), no mundo.
Mais um número que auxilia na compreensão dos caminhos impostos ao Planeta nas últimas décadas, desde os chamados “30 gloriosos”, período entre 1950-1980, de grande crescimento econômico e riqueza na Europa e Estados Unidos. Trata-se de um levantamento realizado por Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internaciona(FMI). Entre os anos 2000-2008, algumas pessoas no comando das 14 principais instituições financeiras do mundo, receberam em dinheiro (salário, bonificações e valor das ações vendidas) em torno de US$2,6 bilhões. Desse total US$2 bilhões foram recebidos pelas 5 mais bem pagas e também foram as peças principais na criação das estruturas de ativos de alto risco que levaram o sistema à beira do abismo. São elas: Sandy Weil, desenvolveu o Citigroup, que implodiu logo após sua saída; Hank Paulson, expandiu o Goldman Sachs, fez lobby para garantir mais alavancagem dos bancos, depois virou Secretário do Tesouro e ajudou a salvar os bancos; Angelo Mozilo, desenvolveu a Country Wide, peça central na concessão irresponsável de hipotecas; Dick Fuld, comandou o Lehman Brothers até a falência e Jimmy Cayune, comandou o Bear Stearns até a falência.
Os prejuízos públicos em comparação aos ganhos deles, ressalta Simon Johnson, foram gigantescos: 8 milhões de empregos nos Estados Unidos e cerca de US$ 6 trilhões, contando apenas o aumento das dívidas do governo federal americano.
Era do hiperconsumo
Esse modelo, agora, implantado nos países emergentes, já proporcionou uma nova vida para 447 mil milionários na China. Ou 126 mil famílias com disponibilidade de investir mais de 1 milhão de dólares na Índia. A classe média indiana será formada por 583 milhões de pessoas até 2030. Cerca de quase outro 500 milhões continuarão na linha da pobreza, conforme pesquisa do Banco Mundial – seria o terceiro maior país em termos populacionais, porém os números não traduzem a expressão do capitalismo desregulado, atualmente em voga na economia mundial. O que expressa um novo sentido às massas, segundo a visão do filósofo francês, Gilles Lipovetsky, um estudioso do consumismo, é a vontade de comprar, o “acesso democrático às marcas globais”
- A felicidade é o valor central, o grande ideal celebrado sem tréguas pela civilização consumista. Cada vez mais mercado, cada vez mais estimulações, viver melhor, cada vez mais indivíduo, cada vez mais exigência de felicidade”.
Vivemos a era do hiperconsumo, o reinado da mercadoria efêmera, o ápice do hedonismo, a vontade individual de viver, sem horizontes. Tudo isso multiplicado por cada membro da família, como a época é de “cada um com seus objetos”. Aumentou ainda mais com a expansão dos equipamentos eletrônicos, celulares e similares. A era do hiperconsumidor e do pluriequipamento. Mais de 5 bilhões de celulares, cerca de 245 milhões de computadores vendidos anualmente no mundo, 20 mil aviões e 10 mil navios circulando pelo globo, com 3 bilhões de passageiros aéreos. Além de 62 milhões de carros, já passamos de 1 bilhão em termos mundiais, 50 milhões de toneladas de papel, 240 milhões de toneladas de plástico e mais de 1 bilhão de toneladas de aço.
O mundo precisa de crescimento e o consumo das famílias é o motor que movimenta a economia. No caso dos Estados Unidos 70%. Mesmo assim, somando todo o consumo da Ásia, com mais de 2 bilhões de habitantes, ele atinge apenas 40% do consumo dos pouco mais de 310 milhões de estadunidenses.
Ocidentalização do mundo
Traçar um modelo de consumidor mundial é um dos objetivos deste texto, embasado em informações dos jornais de economia dos últimos dois anos. A versão é global porque as marcas são globais. Toda segunda-feira, Bob Macdonald, executivo-chefe da Procter & Gamble, formado na Academia Militar de West Point, se reúne com membros da sua equipe, na frente de um mapa mundi digital. Capaz de identificar a situação dos 250 principais produtos da corporação nos 50 maiores mercados disputados por eles.
Marcas que estão no avião do Faustão, na promoção da Rede Globo: fraldas Pampers, Gillet, Ariel, Pantene. São marcas bilionárias, puxadas pelas fraldas que vende US$8,8 bilhões no Planeta. O xampu divulgado por Gisele Bunchen (Pantene), rende US$3,1 bilhões. A P&G como é reconhecida fatura US$79 bilhões e tem 4,2 bilhões de clientes. Aumentou de tamanho em 2007 com a compra da Gillete por US$56 bilhões, representa 10% do seu faturamento
Até 2015 espera atingir 5 bilhões de clientes. Aposta nos emergentes. Quer os indianos consumindo Mach 3 (lâmina de barbear), ao invés de fazer a barba na rua, um costume tradicional na Índia. Os africanos devem usar produtos de higiene ocidentais. Os brasileiros mais pasta de dente, e os americanos mais branqueadores para os dentes. Em termos de faturamento, a rede de supermercados Walmart é a maior com 4,6 mil lojas espalhadas por vários continentes e US$420 bilhões em vendas. O último lance foi a compra de uma rede de supermercados na África do Sul.
As lanchonetes Mcdonald’s são 32 mil no mundo, sendo 1.300 na China e mais de 200 na Índia, que inclui cidades pequenas no interior, onde o aluguel é mais barato, e eles vendem o Mc Aloo Tikki, com ervilhas e purê de batata. Tudo pela ocidentalização global, como destaca o economista francês Daniel Cohen no livro, “A Prosperidade do Vício”.
- A elite mundial busca apenas um objetivo: tornar o modelo único, incluir costumes culturais, comida e bens duráveis.
É claro que o momento é de balanço no capitalismo desregulado, compensado pelo crescimento nos países que também procuram um lugar ao sol. Serão responsáveis pelo crescimento nos próximos anos. Um outro economista, também já foi chefe do FMI, Joseph Stiglitz, em seu livro, “O Mundo em Queda Livre”, onde aborda a crise de 2008, quando a banca internacional quase despencou precipício abaixo, traz uma informação importante. A renda dos americanos médios tem caído desde o ano 2000, em torno de 4% (está em torno de 38 mil dólares). O modelo implantado nos “30 gloriosos” de compras ilimitadas, baseada no crédito imobiliário, ou seja, minha casa vale tanto, posso pegar outro tanto emprestado. Furou, naufragou.
- Os americanos, diz ele, não podem mais viver neste modelo no século XXI. O consumo terá que ser reduzido em 10%, pelo menos.
Ou seja, a economia dos Estados Unidos vai continuar patinando por muito tempo, e nunca mais será a mesma. O problema como acentua o cronista do jornal The New York Times, Thomas Friedman, no livro “Quente, Plano e Lotado...” "é que surgiram muitos outros americanos e o Planeta não tem recursos suficientes para sustentar o modelo".
Vinho francês com gelo
Friedman na verdade não está somente preocupado com o mundo, mas com a perda da liderança dos Estados Unidos que deveriam “liderar a revolução verde”. Mas esse ainda é um detalhe. Afinal, todos têm direito ao crescimento e, por conseqüência, ao resto do pacote, que inclui modelos de todos os tipos: roupas, sapatos, malas, perfumes, carros, relógios, iates, vinhos, uísque, apartamentos (que agora estão com os preços reduzidos na Europa e nos EUA). As empresas globais mudam de foco. Os lucros não crescem no território de origem, então vamos onde ele está. As griffes famosas, Louis Vuitton, do conglomerado LVMH, do bilionário francês Bernard Arnaut (4 na lista da Forbes com 40 bilhões de dólares de patrimônio líquido, também é acionista do Carrefour), Gucci, do outro conglomerado francês PPR, e montadoras como a Mercedez Bens, a maior em vendas de carros de luxo, já se instalaram na China. A Mercedez transferiu o centro de criação do Japão para Pequim. O luxo é um mercado de US$238 bilhões, em termos globais.
Os chineses gastaram US$114 milhões em vinhos da região de Bordeaux, em 2010. Um banqueiro brasileiro jura que já viu chineses em Xangai tomando vinho francês caríssimo com gelo e emborcando uma taça, como se fosse “baijuu”, a cachaça nativa feita de arroz ou sorgo. Simples questão de adaptação. Afinal de contas, quem pagou US$232 mil em Hong Kong num leilão da Sotheby’s em 2010, por uma garrafa do Chateau Lafite, safra 1869, não está nem aí para parâmetros de preços ou convenções ocidentais Por sinal, os chineses milionários, onde já foi criada a categoria dos “princelings” (princepezinhos nascidos na era atual), acostumados a gastar US$1 mil numa garrafa de uísque escocês, também são apaixonados por relógios. Mantém a média de 4 Cartier por proprietário.
Um joalheiro privado de São Paulo, da Griftin, não atende ao público, tem uma definição psicológica para o caso:
- O desejo das pessoas é algo muito interessante. O desejo de comprar era irresistível para o dono desse relógio, que custa duas centenas de milhar de dólares, explica ele ao repórter do jornal Valor (ainda estava com a proteção na pulseira). Depois de satisfeito esse desejo, o objeto quase que perdeu totalmente o valor para ele”.
Pré-histórico do turboconsumidor
As compras podem ser impulsivas, principalmente depois que o império da publicidade se instalou no Planeta. Assim como o luxo se tornou um mercado bilionário, a publicidade abocanhou US$447 bilhões em 2010, 39,2% para a televisão, segundo os dados do Grupo Publicis, o terceiro maior do mundo que acabou de comprar a agência de publicidade DPZ, de São Paulo. O filósofo, Gilles Lipovetsky, diz que a publicidade nasceu em 1880, nos Estados Unidos – em 1882 a Coca-cola gastou 11 mil dólares para divulgar seu produto. Em 1929 foram quase US$4 milhões. As mercadorias, até então, eram vendidas anonimamente e a granel, na maioria dos casos. Sem embalagem, sem marca, em mercados localizados. Somente a partir de 1930 surgiram os supermercados. Embora ainda no final do século XIX, na França, surgissem os grandes magazines, como Le Bon Marché (1865).
Eram templos deslumbrantes, de luzes e cores, onde a mercadoria estava disponível diretamente aos consumidores, sem intermediários. A sensação de comprar e gastar já se tornava estimulante, sensual e gratificante. Segundo Gilles, o consumidor moderno começou o “shopping”, a olhar vitrines, nesta época. Nasceu o pré-histórico do turboconsumidor dos tempos atuais. Marca, embalagem, distribuição, mais a publicidade instauraram o que desde 1920 se decidiu chamar de “sociedade do consumo”, hoje, extrapolada ao máximo. A publicidade não vende mais uma mercadoria, vende uma visão do mundo, uma necessidade psicológica, uma vontade de viver ou de quase sucumbir, no caso daqueles que não tem a disponibilidade financeira para comprar, de fato, grande parte da população do mundo. Onde 1 bilhão moram em favelas, segundo a ONU, e 2 bilhões não tem acesso a água.
No caso do Brasil temos mais 35 milhões na classe média, mas 8 milhões não tem banheiro, e 40 milhões não tem água tratada em casa, conforme o IBGE. Sem contar os 14 milhões de analfabetos.
600 fábricas terceirizadasEntretanto, o modelo de consumismo está implantado e só cresce. A Coca-cola tem como objetivo em 2020 vender 30 bilhões de litros na China, onde detém 15% do mercado, é a líder no segmento dos refrigerantes. Os chineses tomam apenas 34 garrafas pequenas por ano, muito longe do líder, os mexicanos, que consomem 674. O Brasil é o quarto com 229 garrafas. A Nike, por exemplo, com suas 600 fábricas terceirizadas, em 48 países, montou seus centros de treinamento no Vietnã e Sry Lanka, depois de sucessivas denúncias de exploração de mão de obra infantil. Continuará sua expansão no modelo aprimorado de marca globalizada sem dispor de uma única fábrica própria, mas tendo 800 mil trabalhadores na confecção dos seus cobiçados tênis. Foram alvo das revoltas na Grã-Bretanha, recentemente.
Também pode ser o mercado de diamantes, que já movimentou US$65 bilhões, mas registrou queda depois da crise financeira, quando mais de mil joalherias fecharam as portas nos Estados Unidos – 40% do mercado, onde os noivos obrigatoriamente compram anéis de diamantes na consumação do compromisso. Voltou a crescer em 2010, porém as marcas globais que dominam o mercado, como a Tiffanys tiveram que entrar no negócio da mineração. A empresa abriu uma lapidadora de diamantes em Botsuana para diminuir os custos.
Quem está preocupado com a redução do faturamento (US$720 bilhões no mundo) são os executivos da indústria farmacêutica, não pela redução no número de doenças, pela quebra de patentes e venda de genéricos. Um Planeta degradado enfrenta cada vez mais o aumento de doenças, seja pelo crescimento da obesidade, já atinge 1,6 bilhão de pessoas no mundo, conforme dados da Organização Mundial de Saúde, sendo 400milhões de obesos, seja pelos efeitos da mudança climática, secas e inundações, que desorganizam os sistemas vivo.
PIB mundial vezes 6
Daniel Cohen fez uma conta futura sobre o crescimento do Planeta em 2050. Se a expansão dos emergentes continuar, e a renda per capita atingir os quase 38 mil dólares dos norteamericanos (dados de 2005), o PIB global teria que sair dos US$70 trilhões para o patamar de US$420 trilhões. O custo para o mundo seria multiplicado por seis, com todas as conseqüências imagináveis. Por exemplo, a Siemens, multinacional alemã, especializada em energia e saúde, faturamento de US$70 bilhões prevê para 2025 cerca de 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes – atualmente são 21. Como definiu o presidente da empresa, Peter Loscher “serão imensas manchas humanas, com muitos problemas para resolver. As cidades no Planeta ocupam apenas l% da área e consomem 80% da energia.
Na contramão, o Relatório Repensando a Pobreza, divulgado pela ONU, no ano passado, apontava:
- Mais de 80% da população mundial vive em países onde os diferenciais de renda estão se ampliando. Os 40% mais pobres na população mundial reponde por apenas 5% da renda mundial, enquanto os 20% mais ricos representam 75%. Para os pobres do mundo, o lema negócios como sempre jamais foi uma opção aceitável”.
Ao mesmo tempo, em Dubai, o xeque Al Maktoum pretendia criar uma opção de investimento para ricos globais, lançou centenas de projetos imobiliários (mais de 400 cancelados no pós crise), mas um, mundialmente conhecido: o Burj Khalifa, o edifício mais alto com 834 metros. É preciso esclarecer que o nome oficial do prédio era Burj Dubai. Mas surgiu uma conta urgente do emirado para pagar no valor de US$10 bilhões, e o Khalifa de Abhu Dabi pagou e trocaram o nome do prédio, afinal o patrocinador pagou a conta. Símbolo do poder global envolve 1.044 apartamentos, 160 para um hotel com quartos projetados por Georgio Armani, piscinas, uma mesquita, a mais alta do mundo, em seus 200 andares de opulência.
Não por muito tempo. Na Arábia Saudita, a construtora da família Bin Laden e o príncipe Al Waleed, considerado o árabe mais rico (US$20 bilhões de patrimônio líquido), tem 7% da News Corp., de Rupert Murdoch é um grande acionista do Citigroup, quer construir um novo edifício, que será o maior do maior do mundo, com um quilômetro de altura. O recorde anterior estava em Taipei, na Ásia, um predinho de menos de 500 metros.
Modelos extravagantes
Modelos extravagantes imobiliários são uma febre entre os ricos e os muito ricos no Planeta. E atraem emergentes. O Aman Resort, considerado um projeto para os muito ricos (850 apartamentos no mundo, em formato de bangalôs, choupanas ou vilas de arrozeiros na Tailândia), mandou um executivo ao Brasil para vender “villas”, no arquipélago de Turks & Caicos, território britânico no Caribe, que custam entre US$ 9 e 16 milhões, de 4 a 5 quartos, chef de cozinha exclusivo, carrinho de golfe, assessoras para marcar mergulhos e etc. Adrian Zecha, um indonésio, começou o negócio em Cingapura, maior acionista do Aman, diz que se interessou pelo Brasil, quando viu brasileiros pagando diárias entre US$5 e 10 mil em seus resorts.
Não chega nem perto dos US$100 milhões que o bilionários russo Yuri Milner pagou por uma mansão de estilo francês no Vale do Silício (Califórnia), novo recorde de valor para uma casa nos Estados Unidos. O ucraniano Rinat Akhmetov comprou dois dos mais caros apartamentos já vendidos em Londres por US$222,5 milhões. Em Paris, uma princesa do Golfo Pérsico gastou US$96,5 milhões em 2010 por uma mansão com pátio , jardim e capela, na margem esquerda do rio Sena. Como escreveu o comentarista do The Wall Street Journal: “são os estrangeiros milionários aproveitando a queda nos preços dos imóveis dos países ricos”.
A incorporadora e corretora Fortune International investiu no Brasil para vender o edifício de 50 andares, Jade Ocean, com piscinas infinity, cinema prive, área para crianças com mobília Philipe Starck, coberturas duplex custam entre US$2,9 e 5 milhões – 85% dos apartamentos vendidos a estrangeiros.
A vida é uma festa
Também podemos relacionar, não com tanta extravagância, os mais de US$5,9 bilhões que os brasileiros gastaram em 2010 nos Estados Unidos, 423 mil visitaram Nova York, onde gastaram quase 6 mil dólares por cabeça, ocupando a quarta posição entre os turistas globais. Duas coisas chamam a atenção no modelo mundial de consumo. A extravagância registrada pelos emergentes, como bem definiu o executivo do grupo Publicis, recentemente, em visita ao Brasil, Maurice Levy:
- Nesses países temos, normalmente, duas situações distintas. Uma parte da população ainda vive abaixo da linha de pobreza. Mas a fatia que integrou a classe média tem como modelo de consumo o ocidental: eles querem tudo rápido, as últimas marcas, o que está mais na moda, os carros e os relógios mais luxuosos. Nesse caso é uma oportunidade para os anunciantes que é preciso aproveitar”.
E a outra: a mediocridade de copiar tudo dos países ricos e de sua elite. Em Xangai, por exemplo, a Diageo, maior na venda de destilados do mundo (dona da marca de uísque Johnny Walker) reformou um palacete colonial com paredes de cevada e garrafas de uísque. Gastou US$3,2 milhões. Para ensinar os novos bebedores, e também aos barzeiros, como se deve beber o precioso líquido. Incluir chá verde pode. Na China o consumo maior é The Johnny Walker, a garrafa custa 3 mil dólares.Na Índia, a empresa dona da marca Contreau (conglomerado PPR), patrocina eventos sociais, com integrantes da elite de Nova Déli, para divulgar suas bebidas. Um desses promotores, Vikrant Nath, diz que a vida é uma festa, ao receber 25 prósperos profissionais, todos vestidos a moda ocidental, conforme relato da Associated Press, interessados em bebidas finas.
- Queremos saber sobre a boa vida e aprender a receber as pessoas – diz a esposa Akka, na entrada da casa de três andares. Isso inclui aprender mais sobre as grifes de luxo, que são vendidas na Índia. O número de indianos com patrimônio de US$l milhão para investir cresceu 51%, depois da crise de 2008, segundo levantamento da Merryl Linch. São 126 mil pessoas. O produtor Nath faz entre 15 e 20 eventos por mês. A Índia, ainda segundo a agência de notícias é a maior fabricante de bebidas alcoólicas da Ásia produzidas ilegalmente, são 700 milhões de caixas. E uma percentagem de 5% da população (60 milhões de pessoas) são consideradas alcoólatras.
Última tentativa: testosterona
Boomers são os nascidos do pós-guerra, na década de 1950, nos Estados Unidos. Muitos enriqueceram e ficaram conhecidos por seus gastos. Comenta-se que sustentaram as vendas de Mercedez Bens e BMW antes da crise (ma Mercedez vendeu 245 mil carros até 2007). Viraram modelo para os emergentes. Embora um tanto envelhecidos ainda sustentam os gastos de novidades nos Estados Unidos. Nesse caso, da indústria farmacêutica. A última moda da indústria antienvelhecimento é a venda de produtos a base de testosterona (hormônio masculino). As vendas desse segmento chegam a US$80 bilhões. Surgiram problemas com algumas embalagens, como cremes, podem colar em outras pessoas ou diluir na água. É a última tentativa de manter de pé os 70% do consumo, já que a dívida das famílias estadunidenses é quase tão grande quanto a dívida do país – mais de US$13 trilhões.
Os consumidores dos EUA recebiam até 2007, mais de 6 bilhões de cartões de crédito pelo correio.O número caiu para 1,4 bilhão depois da crise. Um dos quatro bancões (Bofa, Citi, Goldman, JP Morgan) anunciava na televisão: “aprovado ao nascer”. Na era do neuromarketing, quando as glândulas sudoríparas dos humanos são monitoradas, e suas áreas cerebrais fotografadas, os consumidores são enquadrados por categorias desde o nascimento: bebê, infantil, pré-adolescente, adolescente, jovem adulto e sênior. Nada escapa. Como acentua Gilles Lipovetsky, no livro “A Felicidade Paradoxal”:
- Enquanto a vida cotidiana for dominada por esse sistema de referência a menos que se enfrente um cataclisma ecológico ou econômico, a sociedade de hiperconsumo prossegue em sua trajetória... antropólogos analisarão no futuro a civilização esclarecida em que o homo sapiens prestava culto a um deus tão derrisório quanto fascinante: a mercadoria efêmera”.
Não deixa de ter razão. A velocidade do crescimento dos shopping no Brasil, futura quinta economia, é impressionante. Em 2008, eram 377. Em 2011, serão 422. Em Porto Velho, capital de Rondônia, onde duas hidrelétricas serão inauguradas a partir do próximo ano colocaram tapete vermelho na inauguração. Tem mais 30 projetos em lançamento no Brasil. Custa em média R$200 milhões a construção de um shopping.
Marcha rumo à felicidade
A China pretende adquirir 200 milhões de carros até 2020, em 2010 produziram 18 milhões. A história universal tem um sentido, diz Gilles Lipovetsky, ela não é mais que o progresso rumo ao infinito da humanidade, a marcha desta rumo à felicidade mais completa.
Cada um escolhe a marcha que acha mais provável. Eric Hobsbawn, historiador inglês, no final de “A Era dos Extremos”, onde analisou os acontecimentos do século XX, incluindo as duas guerras mundiais (50 milhões de mortos) ”se a humanidade repetir o que já fez nos séculos passados e no presente, só tem um futuro: a escuridão”.
Em 1970, quando a NASA lançou o projeto da Estação Espacial Internacional, os cientistas e políticos da época falavam do futuro da humanidade. Em breve os foguetes viajariam rapidamente ao espaço, por preços baratos. A Estação Espacial seria a plataforma para alcançar outros planetas. Quarenta anos depois, ao finalizar o programa do ônibus espacial – 202 bilhões de dólares de custo -, sem contar os US$100 bilhões da própria Estação, o que temos? Cadê os outros planetas. A facilidade da tecnologia que nos levaria ao infinito espacial?
A viagem, agora, custará ao governo dos EUA, nas cápsulas russas da nave Soyus, US$43 milhões por astronauta. A NASA agendou 45 assentos até 2016. O ônibus lançou o telescópio Hubble, que nos deu imagens belíssimas do Universo. Na Estação, experiências importantes, sem gravidade, são praticadas. E o resto? Essa prepotência da tecnologia, o domínio da técnica sobre tudo, se compara a arrogância da economia ortodoxa, responsável pela sustentação desse sistema no Planeta. Quer levar as compras à eternidade, mesmo sabendo com antecedência, que esta marcha pode ser a dos zumbis, fantasmas que vagam pela noite morta, quando o Planeta não suportar mais o peso do modelo.
(*) Najar Tubino é jornalista com mais de 30 anos de carreira. Nos últimos anos tem se dedicado à temática ambiental. É autor do livro O Equilíbrio, publicado em 2005. E-mail: najartubino@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário