No sábado dia 15 de outubro, um grupo de pessoas se reuniu no centro de São Paulo para a versão local da marcha dos indignados, que ocorreu em outros 80 países naquele dia. Os manifestantes se depararam com uma chuva torrencial e foram obrigados a se abrigar sob o viaduto do Chá, no Vale do Anhagabaú, disputando o espaço com moradores habituais da região. E ficaram por lá, iniciando o movimento #acampasampa, inspirado nos similares ao redor do mundo como os indignados na Espanha e o “Ocupem WallStreet” nos Estados Unidos.
No local, estão reunidas cerca de 60 pessoas acampadas. O grupo é composto por um caldeirão de movimentos que tem atuado na cidade nos últimos meses. Entre eles, o Anonymous, grupo de internautas que participaram deprotesto no dia 7 de setembro na avenida Paulista, o Manifestação.org, que luta pela Tarifa Zero no transporte público, manifestantes contra a contrução da usina de Belo Monte na Amazônia, a Pastoral do Menor, o movimento nacional de população de ruas, entre outros.
Todas as noites, é realizada uma Assembleia que decidirá os próximos passos do acampamento. Caio Castor, 28 anos e participante do Movimento Comboio, explica que todas as decisões são tomadas em consenso. O grupo acredita na democracia participativa – a única democracia real, segundo eles – de maneira similar ao DemocraciaDiretaYá espanhol, grupo ligado ao movimento 15-M que ocupou a Porta do Sol. Como rejeitam o sistema representativo, foi proibido qualquer tipo de manifestação política partidária, como panfletos ou bandeiras.
“É um movimento completamente apartidário”, diz Castor, sem vizualizar, no entanto, como isso pode se viabilizar em uma sociedade de 180 milhões de pessoas. “Exigimos que haja no mínimo uma convergência entre macro e micro atores da tomada de decisões. Esse processo é muito rico para que possamos entender e apontar novas soluções, para que haja entendimento entre quem mora na comunidade e quem planeja a cidade”, explica ele. A ideia é que quem mora na cidade tenha mais acesso às deliberações sobre sua comunidade.
Assim, exigem maior participação das populações indígenas no processo de Belo Monte, são contra as unidades da polícia pacificadora no Rio de Janeiro, a favor de 10% do PIB para a educação e contra o projeto Nova Luz para a região central da cidade, alvo de reclamações de Associações de Moradores dos bairros afetados. “Queremos que a ocupação seja uma caixa de ressonância para todos esses movimentos”, diz Castor.
Uma cozinha foi improvisada e recebe doações. “Qualquer pessoa que quiser comida é super bem vinda. Por enquanto, está abundante”, afirma Castor. Cobertores foram levados para combater o frio, mas as barracas não puderam ser levantadas, segundo o manifestante, por proibição da Guarda Civil Municipal, que também impediu faixas em muros. Os moradores de rua foram os primeiros a se unir ao movimento.
No início, houve um estranhamento ao dividir o espaço. Mas depois, segundo Castor, a população de rua passou a apoiá-lo. “As pessoas estão se propondo a vivenciar a coisa. Não tem coisa mais simbólica que isso: a gente está dormindo debaixo de viaduto”, comenta.
Nesta quarta-feira 19, foi marcado um show da banda Ordinária Hit no Vale. Na divulgação, o grupo musical ressalta o “sentimento anticapitalista, apartidarismo, pelas novas relações entre as pessoas e pela ação direta”.
Para Castor, no fim, tudo esbarra na economia, no modelo que se vive e na concentração de renda. “Somos contra a esse modelo neoliberal e a lógica da política econômica voltada para a concentração de renda. Estamos desperdiçando talentos”, afirma.
Patrick Burner, do Comitê de Imprensa, e o médico brasileiro Alexandre Carvalho, organizadores do Comitê de Artes e Cultura do “Ocupem Wall Street” – que também protestam contra os agentes do neoliberalismo no coração financeiro dos EUA – enviaram uma mensagem de apoio ao grupo. ”Juntos, vamos criar uma rede de democracia participativa direta local e global”, diz a carta.
Apesar de similar em alguns aspectos aos movimento anti-corrupção do 7 de setembro, como a participação do grupo Anonymous, o apartidarismo, as redes sociais e o fato de ser composta pelo membros da classe média, a ocupação do Vale se diferencia nas causas, ao abordar temas mais estruturais, e não apenas morais (a “corrupção”). Citam, por exemplo, a democracia participativa e a falência do capitalismo como males a serem combatidos em suas bandeiras. Importou diretamente dos movimentos no exterior alguns de seus lemas e ideais. E, diferentemente dos indignados da Paulista (que se reuniram, em São Paulo, num fim de semana e depois voltaram a tocar suas vidas), os indignados do Anhangabaú não tem data para sair do local.
Assim como na maioria dos movimentos que tem surgido em 2011, este também foi chamado por redes sociais, possui página no Facebook e um termômetro medido por uma hasthtag no Twitter: #acampasampa.
“Uma hora tinha que estourar”, afirma Castor, em uma euforia própria de quem está há dois dias sem dormir.
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