quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Petróleo trouxe pobreza ao Rio e pré-sal repete modelo, revela pesquisa



Dayanne Sousa


CIDADE RICA: Plataforma de petróleo na Bacia de Campos - município de Campos dos Goytacazes recebeu mais de R$ 1 bilhão em royalties em 2010 (Foto: Futura Press)

Os projetos do Congresso para a redistribuição dos royalties do pré-sal reforçam o modelo que tem trazido pobreza às cidades que recebem verba, afirma o professor Cláudio Paiva, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Doutor em economia, ele pesquisou o destino do dinheiro do petróleo em cidades da Bacia de Campos, no norte do Rio de Janeiro, e verificou que a pobreza persiste apesar de muito dinheiro em mãos: é a maldição da abundância. O problema, diz, é que o recurso extra se perde em burocracia, aumento do funcionalismo e corrupção.
- Em cidades como Campos dos Goytacazes, criou-se uma maldição da riqueza. Esse dinheiro foi gasto com a máquina pública e não trouxe desenvolvimento. Com essa distribuição dos recursos do pré-sal que está sendo discutida, certamente também não traremos desenvolvimento.


CIDADE POBRE: Enchente afeta moradores do Bairro de Ururaí, em Campos dos Goytacazes em 2008. Cidade sofreu com alagamentos também em 2011 (Foto: Futura Press)
A pesquisa de Paiva aponta que investimentos em saúde e educação não foram prioritários nos últimos anos no norte fluminense. A maioria dos gastos em Campos dos Goytacazes, por exemplo, foi para dar conta do inchaço da máquina pública. O município recebeu em 2010 mais de R$ 1 bilhão pelos royalties, segundo dados do InfoRoyalties, sistema da Universidade Candido Mendes. A verba, porém, teve que dar conta de um número crescente de empregados do governo municipal. O número de pessoas empregadas no serviço público subiu de 6 mil em 2000 para 17,4 mil em 2010, três vezes mais do que os empregos no setor privado.
O projeto que redistribui recursos do pré-sal entre estados produtores e não-produtores foi aprovado na última quarta-feira no Senado sob protestos dos parlamentares do Rio de Janeiro e Espírito Santo. A proposta apresentada em substitutivo do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) diminui a verba que vai para estes Estados e a que fica com a União. O debate pouco tratou das áreas de aplicação das verbas e acabou centrado no embate entre Estados por mais recursos. Em trecho em que explica como deve ser aplicado o dinheiro dos chamados Fundos Participativos, o texto do senado lista uma infinidade de setores que vão da defesa civil ao combate as drogas.
Campos dos Goytacazes é a cidade brasileira que mais recebeu recursos do petróleo ao longo da historia, mesmo antes de se descobrir o pré-sal. O município levava cerca de 32% dos royalties do petróleo em 2008, conforme apontou a pesquisa da Unesp. Mas a qualidade de vida da população não melhorou. A cidade tem um PIB (Produto Interno Bruto) per capta de R$ 67.445,76, de acordo com o IBGE. O número é três vezes maior que o PIB per capta de Niterói, de R$ 19.317,72. Ainda assim, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em Campos coloca a cidade 54 posições abaixo de Niterói no ranking fluminense. O índice de Niterói - 0,886 numa escala em que o máximo é 1 - é o melhor do Rio, enquanto o de Campos é apenas 0,752. Isso significa que a riqueza do PIB não está sendo convertida em desenvolvimento da educação, saúde e em distribuição de renda.


Cidades destacadas em laranja escuro pertencem a região do norte fluminense que mais recebe royalties: aumento de gastos com a máquina pública não garantiu melhora no desenvolvimento humano (Fontes: InfoRoyalties, a partir de Agência Nacional do Petróleo e Ministério do Trabalho/Pnud)
Leia a entrevista do pesquisador Cláudio Paiva.
Terra Magazine - Qual a sua leitura do projeto de distribuição dos royalties do pré-sal aprovado no Senado na última semana?
Cláudio Paiva - A disputa federativa é legítima, mas o que aconteceu no Senado foi uma disputa fratricida. Precisávamos que o debate fosse sobre um projeto de nação, pois o pré-sal é uma oportunidade única de enfrentamento de problemas regionais e sociais históricos. O que a gente viu foi cada Estado olhando seu caso particular. Me parece um debate muito pobre. Perdemos uma chance histórica de transformação da sociedade brasileira.
Sua pesquisa mostra que as cidades do Rio vivem na pobreza apesar dos recursos do petróleo. Corremos o risco de reproduzir esse padrão com os recursos do pré-sal?
Em cidades como Campos (dos Goytacazes), criou-se uma maldição da riqueza. Esse dinheiro foi gasto com a máquina pública e não trouxe desenvolvimento. Com essa distribuição dos recursos do pré-sal, certamente não traremos desenvolvimento. É importante que a gente olhe as experiências passadas. Desde a Lei do Petróleo, nós temos a experiência da elevada concentração de recursos do petróleo na cidade de Campos, por exemplo. Os municípios do Rio de Janeiro são os que mais recebem recursos do petróleo. Isso foi muito ruim. Levou a corrupção, não melhorou a saúde, não melhorou a habitação, não melhorou educação. A infraestrutura do município é muito precária. Nós temos essa possibilidade de olhar a experiência passada e ver que o formato aprovado no Senado é muito ruim. Destinar os recursos do pré-sal para Estados e municípios gastarem com folha de pagamento, com previdência ou com obras de cunho eleitoral é má utilização do dinheiro público. É importantíssimo que esse dinheiro não vá para o ralo.
Durante os debates sobre a distribuição dos royalties no Senado, faltou discutir onde aplicar?
Nós tínhamos que olhar para como promover a redução das desigualdades regionais e sociais. A pulverização do fundo por muitas áreas diversas e muitos municípios é ruim. A previsão inicial é investir em educação, infraestrutura, cultura, saúde, segurança, meio ambiente, defesa civil... tem até prevenção do uso de drogas. São muitas áreas, isso não vai levar o país a um desenvolvimento pleno.
Qual seria um modelo mais adequado, na sua opinião?
Precisamos de uma ação mais focalizada, escolher dois ou três setores e fazer maciços investimentos. Setores como educação, pesquisa e infraestrutura. O correto não seria fazer essa total distribuição, mas agregar mais recursos para que você fizesse um investimento que pudesse mudar nosso padrão de desenvolvimento. O segundo ponto é a ideia de que é necessário estabelecer um controle social muito forte sobre esses recursos. É muito dinheiro para dar uma liberdade extrema aos governantes. É necessário que o controle social seja pleno.

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