segunda-feira, 4 de julho de 2011

Os bastidores da megafusão


Alexandre Rodrigues, Cátia Luz, David Friedlander, Patrícia Cançado e Raquel Landim - O Estado de S.Paulo
Faz pelo menos um ano que Abilio Diniz procura um jeito de rever a sociedade com o grupo francês Casino. Um acordo assinado em 2005 determinou que Abilio e Casino dividiriam o comando do Pão de Açúcar até o dia 22 de junho de 2012, quando o controle passará às mãos dos franceses. Na época, o empresário aceitou o acordo porque a companhia precisava do dinheiro do sócio. Agora que o vento mudou e o Pão de Açúcar é o maior varejista do País, ele vem tentando se manter no poder ao lado do Casino.
Epitacio Pessoa/AE
Epitacio Pessoa/AE
Virada. Pão de Açúcar hoje é muito mais forte que em 2005
A proposta de fusão de Pão de Açúcar e Carrefour, que surpreendeu o mercado na semana passada, é o capítulo mais recente de uma disputa que transformou uma parceria de 12 anos numa fonte de ressentimentos, acusações de golpes baixos de parte a parte e promete muita briga nos tribunais. Para entender o que está em jogo e o clima belicoso que a história tomou, é preciso voltar um pouco no tempo.
De acordo com fontes ligadas ao grupo francês, há cerca de um ano Abilio procurou Jean Charles Naouri, acionista e presidente do Casino, para propor que ele abrisse mão de assumir o comando em 2012 - mantendo a estrutura atual de controle compartilhado. Naouri, de acordo com essas fontes, recusou-se a rever esse ponto. "Não faria sentido abrir mão do controle do Pão de Açúcar, que é o objetivo do Casino desde que começou a negociar pela primeira vez, 12 anos atrás", afirma um profissional envolvido no processo pelo lado do Casino. Abilio e os franceses são sócios desde 1999.
Apesar da resistência, os dois lados combinaram estudar a possibilidade de mudanças na estrutura do acordo. Para evitar o desgaste, as conversas foram conduzidas em São Paulo e em Paris sem a presença dos controladores, apenas com os assessores financeiros. "A turma do Abilio perguntava o que o Casino queria para rever o acordo", diz uma fonte ligada ao Casino. As negociações não prosperaram e os encontros cessaram em março deste ano.
Em abril, Abilio e Naouri voltaram a se encontrar. Desta vez, a conversa teria sido mais dura, com Abilio se queixando da falta de abertura do sócio francês. Na visão do Casino, nesse momento Abilio mostrou disposição para a briga, o que detonou um racha entre eles.
A história contada por pessoas próximas a Abilio é diferente: o empresário nunca teria proposto a revisão da cláusula do acordo que lhe tira o controle do Pão de Açúcar em 2012, mas apenas um novo modelo de crescimento para a empresa - que passaria pela diluição das participações acionárias dos controladores. "Abilio queria que o Jean Charles abrisse a cabeça, mas eles entenderam que era uma questão de poder", diz uma fonte ligada ao empresário.
BNDES. Como o tempo corria contra Abilio, enquanto discutia com o Casino, ele vinha tendo conversas preliminares com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre uma eventual compra de participação da operação global do Carrefour - que resultaria na fusão das operações entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil. Sem o conhecimento do Casino. Ainda eram conversas em tese, mas esse foi o embrião da associação entre Abilio, o banco BTG Pactual e o BNDES, autores da proposta de fusão.
A aproximação mais firme de Abilio com o BNDES ocorreu em meados de 2010, quando ele foi recebido pelo presidente do banco, Luciano Coutinho, para uma apresentação do Pão de Açúcar para a diretoria. É um costume do colegiado convidar empresários para apresentar suas empresas na grande sala de reuniões do 20° andar da sede da instituição, no Rio de Janeiro.
Ali, diante de diretores e superintendentes do banco, Abilio permitiu-se um tom de desabafo. Contou que rabiscara sua assinatura naquele contrato de 2005 prometendo entregar o controle do Pão de Açúcar ao Casino em meio a dificuldades nas contas da empresa. Mas pouco depois já tinha recobrado o espírito empreendedor. E a explosão de consumo recente deu-lhe ânimo novo. "Ele contou que só pensava em uma forma de evitar perder o controle, mas não estava encontrando uma saída", conta um dos participantes da reunião.
Mas não foi o tom emocional que convenceu o BNDES a ajudar Abilio. Os executivos do BNDES manifestaram a preocupação com o interesse do americano Walmart pelas lojas do Carrefour no Brasil, que poderia resultar numa gigante do varejo de capital estrangeiro, e Abilio então encaixou sua proposta à visão do BNDES.
Quase um ano depois, o empresário levou uma solução concreta ao banco. Segundo fontes do BNDES, Abilio entregou uma proposta formal de fusão com o Carrefour, há cerca de dois meses, diretamente ao presidente do BNDES. Coutinho colocou o empresário em contato com o corpo técnico do banco, que formou convicção sobre o negócio.
O argumento definitivo para convencer o banco foi mesmo a defesa do controle nacional sobre o Pão de Açúcar. O BNDES sabe que Abilio será o grande beneficiado se a fusão sair do papel, mas acha que também pode lucrar com isso. Segundo as fontes do banco, Abilio dizia que o apoio do BNDES era importante para convencer o Casino de que o negócio com o Carrefour era bom. E afirmava que não queria brigar com seu sócio.
Antigo. O interesse de Abilio pelo Carrefour era antigo. Quando o Walmart negociou a compra das operações locais da rede francesa, no fim de 2009, Abilio procurou o fundo Blue Capital, um dos principais acionistas do Carrefour. O objetivo era dizer que, caso o Carrefour no Brasil fosse vendido, o Pão de Açúcar estaria interessado.
No Carrefour, Abilio já contava com um velho conhecido: Pierre Bouchut, vice-presidente mundial de finanças da rede francesa. Antes de trabalhar para o Carrefour, Bouchut foi presidente do Casino e integrante do conselho do Pão de Açúcar. Em 2005, quando Abilio vendeu o controle da empresa para os franceses, Bouchut estava na linha de frente das negociações. O executivo, porém, deixou a companhia após desentendimento com Naouri. Depois de quatro anos, Bouchut voltou ao setor num cargo estratégico, desta vez no principal rival do Casino. Desde que Abilio começou a negociar com o Carrefour, o executivo é um interlocutor de peso da operação.
Reação. A proposta com o Carrefour irritou o sócio Naouri, que resolveu partir para a guerra. A tal ponto que semanas atrás ele conseguiu que a Justiça francesa apreendesse documentos na sede do Carrefour, que comprovariam negociações secretas com Abilio. A presença do BNDES gerou uma reação negativa da opinião pública, que questionou os reais beneficiários dessa investida do banco. A repercussão dos fatos foi muito mais negativa do que Abilio esperava.
"Essa proposta era para ser avaliada e depois aprovada ou não. Abilio nunca disse que queria fazer o negócio na marra. O Casino podia até recusar, mas não precisava fazer essa baixaria", diz uma fonte ligada ao empresário. Pelo visto, vai ficar difícil deixar os dois sócios na mesma sala de reuniões. 


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