segunda-feira, 4 de julho de 2011

Preso às dívidas

 

Golpes de agiotas aumentam no País. Pegar dinheiro emprestado só prejudica quem está com dificuldades financeiras e pode terminar em tragédia
Gisele Brito

gisele.brito@folhauniversal.com.br


“Dinheiro fácil, rápido e sem burocracia.” A frase anunciada em classificados de jornais, panfletos na rua e em sites da internet seduz ao oferecer a possibilidade de obter dinheiro para abater dívidas, evitar cadastros de devedores e aumentar o poder aquisitivo. É possível pegar empréstimos sem nem apresentar documentos ou comprovar renda em alguns casos. Mas todas essas facilidades custam caro. Por trás da maioria delas esconde-se a prática de agiotagem, um crime que envolve extorsão, agressão e até assassinatos.

Em meados do ano passado, o consultor de vendas Paulo Maciel, de 37 anos, foi assaltado e não conseguiu bloquear seus cartões de crédito antes que criminosos fizessem compras no valor de R$ 18 mil. O rombo em suas contas desequilibrou toda sua organizada vida financeira. O banco, onde era cliente há anos, passou a cobrar a dívida e ameaçou leiloar os seus únicos bens: um carro e uma casa. “Eu jamais recorreria a um agiota, mas não poderia perder o único patrimônio que construí ao longo da vida”, conta Maciel. Ele pediu R$ 22 mil emprestados a um agiota que encontrou via internet. “Eu procurei aqui em Caxias do Sul (RS), mas ninguém quis dar informações. Então resolvi anunciar o meu interesse em um site de classificados na
internet. No dia seguinte, recebi uma ligação de um homem de uma cidade no centro do País que dizia que me daria o empréstimo”, explica.

Maciel irá pagar a dívida com o agiota em 120 parcelas de R$ 1.376, quando terminar, em 2021, terá gasto o equivalente a R$ 165.120. “É um valor realmente muito alto. Mas eu não tinha mais a quem recorrer. Com meu trabalho posso pagar essas parcelas, mas não posso pagar R$ 18 mil de uma vez só ao banco”, justifica-se.

Maciel é mais uma vítima da agiotagem. E, segundo as autoridades, o golpe do dinheiro fácil só cresce no País. “É um crime cuja tendência é aumentar, porque está totalmente ligado ao superendividamento. Conforme as pessoas ficam mais endividadas, e com o nome negativado no sistema regular, mas elas recorrem a esse tipo de empréstimo”, explica Maurício de Almeida e Silva, delegado titular da Delegacia do Consumidor (Decon) do Rio de Janeiro.

Segundo dados da Radiografia do Endividamento das Famílias nas Capitais Brasileiras, realizada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o endividamento do brasileiro aumentou nos últimos anos. Nos primeiros 5 meses deste ano, 64% das famílias nas capitais do País tinham alguma dívida, contra 61% no mesmo período do ano passado.

Nem sempre, tais endividamentos acabam bem. Assim como Maciel, M.E.C.J. também achou que procurar agiotas seria a melhor solução. Ela confiava em seu salário para quitar a dívida que contraiu no Rio de Janeiro. “Pagava juros de R$ 190 todo mês, só que fiquei desempregada e não tive mais condições. Ligaram para a minha avó, minha tia, dizendo que se eu não pagasse, matariam toda a minha família e eu também. Isso está me trazendo constrangimento emocional e psicológico. Não conseguimos sair de casa porque não sabemos se vamos voltar”, contou a vítima em maio ao programa “Balanço Geral RJ”, da “Rede Record”.

Só no Rio de Janeiro, nos primeiros 5 meses deste ano, o Disque-Denúncia registrou 3,8 mil ligações de denúncias contra agiotas. No mesmo período de 2010 foram 700. A maioria das denúncias envolvem ameaças de morte ao devedor e aos familiares da vítima, coação e delitos físicos, tudo em busca de pagamento.

Em alguns casos a ameaça se concretiza. O pedreiro Adalberto Mendes Lopes, de 34 anos, sem condições de pagar a dívida com os agiotas, pediu ajuda aos familiares. Reunidos, eles conseguiram juntar R$ 400 para quitar parte do saldo e, assim, tentar salvar a vida de Lopes. “Eu falei com o agiota e ele disse que, além daqueles R$ 400, eu tinha que dar mais R$ 600 para ele não matar meu filho”, contou a mãe da vítima, que preferiu não se identificar, em depoimento ao telejornal “RJ Record”. Como não conseguiram o dinheiro exigido, Lopes foi assassinado. O empréstimo original era de míseros R$ 20 que viraram R$ 1,2 mil.

Dias depois, Antonio Soares da Silva Neto, o “Netinho”, foi preso por ser suspeito pela morte e por estar ligado a outras denúncias de agiotagem e ameaças.



Dívidas de risco

Possivelmente foram dívidas que levaram André Luis Gusmão de Almeida, ex-participante do reality show “Big Brother Brasil” a procurar agiotas que agora são os suspeitos de o terem assassinado no início de junho, em Alumínio no interior de São Paulo. Segundo a Polícia Civil, em pelo menos três ocasiões, agiotas foram até a gráfica de Almeida fazer cobranças. A viúva declarou em depoimento que ele tinha uma dívida de R$ 20 mil, mas os bandidos pediam o dobro.

Não é a única morte recente relacionada pela polícia a dívidas e agiotas. Na segunda-feira (27), Marco Moreira Lagos, diretor-executivo da “TV Barretos”, foi assassinado com sete tiros nas costas. Em entrevista ao “Portal Imprensa”, o delegado Júlio Cardoso, do Departamento de Investigações Gerais de Barretos (SP), disse que uma funcionária o havia denunciado por agiotagem em novembro do ano passado e não descartou que o crime esteja relacionado com este tipo de atividade. O caso está sendo investigado.

Fora da lei

No imaginário popular, a agiotagem se caracteriza pela cobrança abusiva de juros. No entanto, todo empréstimo com juros feito sem autorização do Banco Central (BC) é considerado crime. Os bancos de varejo cobram juros altíssimos, algumas vezes mais altos do que os praticados por agiotas. No entanto, as instituições que funcionam dentro da lei costumam cobrar seus devedores também dentro da lei.

“Houve uma considerável expansão do crédito no Brasil. O consumidor pode procurar bancos ou financeiras para contratar um empréstimo. A modalidade que cobra a menor taxa de juros é o empréstimo consignado, cujo valor é descontado no contracheque. Pela garantia oferecida – nesta modalidade de empréstimo – as taxas de juros cobradas são menores que a de outros tipos de empréstimo. Se a pessoa não tiver como pagar o empréstimo, sempre haverá espaço para uma negociação nos bancos e financeiras, o que em geral não ocorre com agiotas”, diz André Furtado Braz, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Mas é preciso ficar atendo às falsas instituições financeiras regulares. “Existem pequenos escritórios que se dizem financiadoras, mas que na verdade não estão legalizados. Por isso é importante entrar em contato com o BC para tirar dúvidas”, explica Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp). A instituição possui um departamento que atende pessoas de baixa renda que não têm condições de contratar um advogado. Segundo a entidade, nos últimos 5 anos, 214 pessoas procuraram ajuda com problemas com agiotas.

Para Silva, o delegado do Decon, faltam instrumentos jurídicos para combater esse tipo de crime. “No Rio o que temos feito é enquadrá-lo como crime contra o sistema financeiro, que tem pena de 1 a 4 anos, já que quem empresta não tem autorização. O crime de agiotagem tem pena de detenção de 6 meses a 2 anos, mas o agiota nem chega a ficar preso. Do jeito que temos feito, a simples caracterização de que a pessoa está emprestando dinheiro já a leva à cadeia.”

Mas essa ação não é igual em todo o País. Em São Paulo, por exemplo, os crimes ainda são enquadrados como crimes contra a economia popular. “Na verdade, os agiotas não se passam por operadores financeiros, ainda assim o potencial lesivo é imenso. O problema dessa prática criminosa é que o agiota pega como garantia um cheque e não precisa provar por qual tipo de serviço ele está sendo remunerado. Por isso, é muito importante que as vítimas procurem a delegacia para denunciar”, defende José Carlos Blat, promotor do Ministério Público de São Paulo.

As autoridades têm avançado no combate a este tipo de crime, mas a principal estratégia para se prevenir ainda é evitar a tentação de dinheiro fácil.



* Colaboraram Kátia Mello e Raquel Maldonado

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