O Globo
Fundado em 1952, no segundo governo Vargas, o BNDE — sem o “s” de social — surgiu para ser o grande suporte financeiro da industrialização. Numa economia em que uma das doenças crônicas é a falta de financiamento de longo prazo para projetos de maturação demorada, o banco ocupou, e ocupa, espaço vital.
Nesta condição, o quase sexagenário BNDES, por ser estatal, tem sido usado como instrumento de toda sorte de programa, dos mais consequentes aos delirantes.
Foi peça-chave na montagem da espinha dorsal da indústria automobilística no país, na siderurgia, mas também atuou na linha de frente na política de substituição de importações no governo Geisel, da qual, se restou capacitação técnica em algumas áreas, herdaram-se “esqueletos” nos armários da dívida interna, constituídos por pesados subsídios na criação frustrada de grandes grupos nacionais.
Subjacente àquela enorme transferência de dinheiro público para alguns empresários eleitos, agravou-se o sério problema da distribuição de renda.
Na execução de uma série de medidas para se contrapor às pressões recessivas vindas de fora, geradas pela explosão do mercado de hipotecas nos Estados Unidos, o banco foi peça fundamental. Não poderia ser diferente.
Ali, porém, a partir de 2009, na fase final do governo Lula, emergiu de maneira explícita, sob a justificativa da “política anticíclica”, um projeto de converter — mais uma vez — o Estado no grande indutor do crescimento.
Ressuscitou-se o geiselismo, inclusive com direito a dinheiro subsidiado em operações de apoio a empresários para serem “os campeões nacionais” na economia globalizada.
Neste contexto é que se coloca a inadequada participação do banco para viabilizar a megaoperação de junção do grupo Pão de Açúcar e do Carrefour, e criar, no Brasil, de longe a maior rede de supermercados, uma empresa de R$ 65,1 bilhões de faturamento anual, só menor que a Vale e a Petrobras.
A rigor, o que tem a ver um banco estatal de fomento, num país como o Brasil, com fusão de redes varejistas? Nada. Pelos números divulgados na terça-feira, o BNDESpar, braço de participação em empresas do banco, entraria com R$ 3,91 bilhões no negócio, em troca de 18% do capital do Novo Pão de Açúcar, a surgir do negócio — caso Abílio Diniz consiga demover a resistência do sócio Casino, também francês como o Carrefour.
É risível a justificativa do banco de que a operação facilitaria a colocação de mercadorias brasileiras no exterior. Melhor caminho para aumentar as exportações nacionais é investir na infraestrutura portuária, rodoviária e ferroviária, sabidamente subdimensionada diante do tamanho que atingiu a economia.
Não faz sentido gastar dinheiro subsidiado pelo contribuinte — mesmo que não fosse — para facilitar uma fusão que deve ser resolvida entre empresas privadas, da forma usual. Grupos fortes que são, têm acesso fácil ao crédito no mercado financeiro mundial.
O mesmo erro já foi cometido pelo BNDES numa fusão de frigoríficos, fora dos verdadeiros interesses estratégicos do país. Mais uma vez, a ideologia que move o projeto do “Brasil Grande”, outra herança dos militares, pode desperdiçar volumosos recursos no plano obsessivo de criação de grandes empresas, enquanto as reais necessidades de investimentos públicos são deixadas de lado.
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