Nesta quinta-feira, pela manhã, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados promoveu audiência pública em face de recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), cuja jurisdição o Brasil está constitucionalmente vinculado.
Para surpresa geral e vergonha internacional deixou de comparecer à audiência pública, nada mais nada menos, do que a presidente da comissão, deputada Manuela D’ávila. A referida deputada é da base de apoio ao governo da presidenta Dilma Rouseff. Na verdade, uma postura adrede preparado e voltada a passar, irresponsavelmente, a imagem, para a opinião pública, da irrelevância da decisão da Corte Interamericana.
Não estiveram presentes, na condição de convidados, o presidente da Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República, os ministros da Justiça, Relações Exteriores, da Defesa e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Os ministros mandaram representantes e o da Justiça, José Eduardo Cardozo, aquele que já atuou como lobista do banqueiro Daniel Dantas na Itália, designou representante apenas ontem à noite.
Tal quadro serve para indicar a posição oficial das autoridades públicas quanto à intenção de resistir ao máximo ao cumprimento da sentença da CIDH no caso “Guerrilha do Araguaia”.
A respeito do ocorrido, o professor e jurista emérito Fábio Konder Comparato falou com este articulista por telefone, de Brasília. As suas declarações seguem abaixo:
“O que está em discussão, nesta audiência pública, não é o conflito entre a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros v. Brasil (“Guerrilha do Araguaia”) e o acórdão do Supremo Tribunal Federal, que julgou a argüição de descumprimento de preceito fundamental n° 153.
É irrelevante, nesta altura dos acontecimentos, saber qual das duas decisões judiciais é a melhor, à luz do direito interno e do direito internacional.
O que se deve discutir, aqui e agora, é a responsabilidade do Estado Brasileiro no cumprimento da referida sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, estejamos ou não de acordo com ela.
Comecemos por lembrar que o princípio fundamental do Estado de Direito impõe a todas as potências soberanas o respeito absoluto à jurisdição dos tribunais internacionais, quando essa jurisdição foi por elas oficialmente reconhecida. A soberania de um Estado, no plano do direito das gentes, não implica, de modo algum, a relatividade do princípio cardeal pacta sunt servanda.
O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e reconheceu como obrigatória, nos termos do disposto em seu art. 62, a jurisdição da citada Corte. O art. 68 da Convenção dispõe que os Estados signatários “comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.
O Brasil foi citado como Réu no caso supra-referido, compareceu perante a Corte e não opôs nenhuma preliminar de incompetência desta, para conhecer da referida demanda e julgar o mérito da causa. Em conseqüência, não cabe a menor dúvida de que o Estado Brasileiro aceitou a jurisdição internacional nesse caso.
Seria rematado dislate, escusa lembrá-lo, que o Brasil tivesse aceito tal jurisdição tão-só para a hipótese de uma decisão que lhe fosse favorável no mérito.
Ora, como a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobreveio em 24 de novembro de 2010, posteriormente, portanto, ao acórdão do Supremo Tribunal Federal na argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, o demandante neste último processo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que tenho a honra de representar nesta audiência pública, pediu ao Tribunal, em instância de embargos declaratórios, que se pronunciasse expressamente sobre a executoriedade daquela sentença.
Chamada a manifestar-se a esse respeito naquele processo, a Advocacia-Geral da União afirmou, citando os votos vencedores no acórdão, que “o Brasil não estaria [note-se o tempo condicional do verbo] obrigado a adotar convenções internacionais por ele não ratificadas, ou convenção que tenha vindo a ratificar em data posterior à anistia concedida pela Lei n° 6.683/1979”.
O argumento, com a devida vênia, é inteiramente despropositado.
Em primeiro lugar, porque o Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos por ato de 25 de setembro de 1992, tendo ela sido promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro do mesmo ano.
Em segundo lugar, porque a tese de que os tratados de direitos humanos não se aplicam a fatos anteriores à sua ratificação é unanimemente rejeitada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, constituindo a todas as luzes uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), conforme o disposto no art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Com efeito, em se tratando de crimes de Estado ou crimes contra a humanidade, como é o caso que ora se discute, seria rematado despautério admitir que o próprio Estado, cujos agentes praticaram tais atos criminosos, tivesse o arbítrio de fixar a data a partir da qual o tratado que os qualifica e regula sua punição seria aplicável.
Na verdade, o pronunciamento do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União perante o Supremo Tribunal Federal produziu um efeito político dos mais graves, que não pode deixar de ser aqui ressaltado.
Segundo o disposto no art. 3°, § 1° da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, o Advogado-Geral da União é “submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Presidente da República”. Há, por conseguinte, uma presunção legal de que todo pronunciamento do Advogado-Geral da União, em processos judiciais, conta com a aprovação do Chefe de Estado.
De onde se conclui, lamentavelmente, que a Presidência da República, enquanto único órgão competente para representar o Estado Brasileiro na esfera internacional (Constituição Federal, art. 84, incisos VII e VIII), acaba de rejeitar, por interposta pessoa, a decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso supra-referido; no qual – repita-se – o Brasil consentiu em figurar como Réu e fez-se presente em todas as instâncias do processo.
A recusa em cumprir sentença de tribunal internacional, cuja jurisdição foi oficialmente aceita de modo geral e tacitamente confirmada no processo pertinente, configura flagrante desrespeito ao princípio do Estado de Direito e coloca o nosso País em estado de aberta ruptura com a ordem jurídica internacional.”
PANO RÁPIDO. Este é o Brasil que nos envergonha pelo desrespeito aos direitos da pessoa humana. Esperamos que e a presidente Dilma, que foi torturada e presa quando da ditadura militar, reflita sobre a decisão da CIDH e mude a orientação dos seus ministros, que são agentes da sua autoridade.
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