Foto: AGÊNCIA BRASIL
É delicada a situação do chefe da Justiça. Líderes do PT o veem como um ministro fraco, incapaz de controlar a PF. Alas da polícia, por sua vez, buscam autonomia total. O vazamento das fotos no Amapá é parte da estratégia para enfraquecê-lo
O fato é que o nome de Cardozo já cresce na bolsa de apostas sobre quem será o próximo demitido do governo Dilma, numa lista que já derrubou nomes poderosos, como Antonio Palocci, da Casa Civil, Alfredo Nascimento, dos Transportes, e Nelson Jobim, da Defesa. No episódio mais recente, o do vazamento das fotos dos técnicos do Ministério do Turismo nus, o alvo talvez não fosse a “dignidade dos presos”, mas sim o próprio ministro Cardozo. “Foi uma ação para constranger o ministro da Justiça”, avalia o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, de Brasília.
Internamente, no PT, Cardozo sofre críticas de nomes como Luiz Eduardo Greenhalgh, José Dirceu e especialmente de Marta Suplicy, candidata à prefeitura de São Paulo. Ainda que os suspeitos da Operação Voucher tenham ficado apenas dois dias presos, a ação da PF permitiu a uma exploração oportunista e eleitoreira do caso, em razão da prisão de Mario Moysés, ex-assessor de Marta. Neste fim de semana, ao abordar a história, Veja publicou reportagem como se o ministério do Turismo ainda fosse chefiado por Marta, e não por Pedro Novais – o que atende aos interesses do eventual candidato tucano José Serra (leia mais).
Antes das eleições presidenciais de 2010, Cardozo parecia disposto a abandonar a política. Dizia até que não seria mais candidato a deputado federal. Caiu na campanha de Dilma e nas graças da presidente. A tal ponto que passou a integrar o grupo dos “três porquinhos”, o que talvez não seja alvissareiro – os outros dois, além dele, eram José Eduardo Dutra, que perdeu a presidência do PT, e Antonio Palocci, que caiu da Casa Civil.
O convite para o Ministério da Justiça veio naturalmente, mas ele recebeu uma atribuição de Palocci: operações de impacto político conduzidas pela Polícia Federal teriam que passar pela presidência da República. O motivo: a Polícia Federal não pode ser o que os alemães chamam de “Staaten Stat”, um Estado dentro do Estado. E Cardozo não apenas aceitou a recomendação, como a transmitiu ao novo diretor-geral da PF Leandro Coimbra. Por isso mesmo, a Operação Voucher foi vista como uma bola nas costas. “A menos que ele tenha mudado e esteja agora querendo comandar operações espetaculosas”, disse ao 247 um importante quadro do partido.
O que muitos no PT esperavam, diante do vazamento das fotos dos presos no Amapá, era que Cardozo tomasse providências mais rígidas. Em vez de apenas encaminhar o caso ao Conselho Nacional de Justiça, ele poderia, por exemplo, tem tomado atitudes disciplinares na superintendência da PF do Amapá.
Neste fim de semana, a revista Istoé também traz bastidores da guerra entre a PF e seu chefe, o ministro da Justiça.
Leia o texto de Lúcio Vaz:
PF versus Cardozo
À primeira vista, a operação da Polícia Federal que, na terça-feira 9, colocou na cadeia parte da cúpula do Ministério do Turismo pareceu ao mundo político brasiliense um tiro contra o PMDB, partido responsável pela indicação do ministro Pedro Novais. Nos dias que se seguiram, porém, ficou claro para a base aliada que o canhonaço fora disparado em direção a outro Ministério: o da Justiça, que, ao menos no papel, comanda a Polícia Federal. Para piorar, ficou claro também para o Planalto que o disparo foi feito com o intuito de atingir o titular da pasta, o petista José Eduardo Cardozo, que nunca teve lá uma relação tranquila com a Polícia Federal. Ninguém esperava que cúpula da PF fosse capaz de investir com tanta audácia contra seu chefe-maior. O episódio ganhou contornos de enfrentamento em consequência dos supostos exageros ocorridos na Operação Voucher, nas prisões cinematográficas e no transporte dos suspeitos algemados para Macapá (AP). No fim da semana, com uma troca de notas públicas entre o gabinete do ministro e a PF, o clima azedou de vez. O Palácio do Planalto estudava, na quinta-feira, a possibilidade de demissões na cúpula da Polícia Federal. A ação policial foi interpretada pela presidente Dilma Rousseff como um ato de insubordinação ao titular da Justiça.
O uso de algemas e a exposição dos presos para fotografias com as mãos presas a um cinturão de couro provocou a reação da cúpula do PMDB na manhã da quarta-feira 10, um dia após a megaoperação que mobilizou 200 policiais federais e prendeu 38 pessoas ligadas ao Ministério do Turismo. O custo político foi debitado na conta de José Eduardo Cardozo. A foto que mais irritou os peemedebistas foi a do secretário nacional de Programas de Desenvolvimento do Turismo, o ex-deputado Colbert Martins. “É inadmissível, inaceitável. Ele não é ladrão, não é bandido. Não havia risco de sair correndo”, protestou o líder da bancada na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). As reclamações foram levadas à presidente Dilma Rousseff pelo vice-presidente da República e presidente licenciado do partido, Michel Temer. Por volta das 11h, a presidente telefonou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e cobrou esclarecimentos. “O que está acontecendo? Isso não está correto!” A posição da presidente se baseava em outro fato. A Súmula 11 do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada em 2008, determinou que o uso de algemas “só é lícito em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia”.
Exatamente às 14h53 daquele mesmo dia, chegou ao gabinete do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Coimbra, um ofício encaminhado por Cardozo. Ele determinou a prestação de informações, com urgência, sobre o uso de algemas na operação. Deixou claro que baixava a determinação considerando “o dever de respeito aos direitos individuais e aos princípios do Estado de Direito”. Exigiu ainda a abertura imediata dos procedimentos disciplinares, caso constatado qualquer abuso. A Polícia Federal respondeu divulgando nota oficial. Sustentou que o uso de algemas teria ocorrido com estrita observância da Súmula Vinculante 11, que, na sua avaliação, não proíbe “determinantemente” a sua prática. O enfrentamento estava oficialmente configurado, mas a movimentação da presidente e do ministro serviu, pelo menos, para acalmar o PMDB, que se sentiu prestigiado mais uma vez. O presidente nacional do partido, Valdir Raupp (RO), falava com cuidado, mas parecia aliviado na quarta-feira à noite: “O PMDB não é contra a apuração nem contra punições, mas houve realmente uma exposição das pessoas. A vida deles já está devastada. Não tem indenização que pague isso”.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também entrou na polêmica e esquentou ainda mais o debate. A Polícia Federal havia informado que as investigações tinham sido abastecidas com informações preliminares levantadas pelo tribunal. O TCU, por sua vez, informou que os indícios de irregularidades estão sendo tratados em três processos e esclareceu que ainda não se manifestou conclusivamente sobre o caso por estar observando “os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”. Aí foi a vez de a PF se defender novamente, ao tentar mostrar que sua ação fora, sim, consistente. O laudo pericial divulgado pela Polícia Federal apontou irregularidades, como incapacidade técnica do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), direcionamento nas contratações de empresas pelo instituto, falta de cotações prévias, irregularidades na comprovação de despesas e pagamento antecipado de serviços. A PF apurou que cerca de dois terços dos recursos do convênio foram desviados. Na casa do diretor-executivo do instituto, Luiz Gustavo Machado, foram encontrados R$ 610 mil em espécie.
Ainda não está claro como o Planalto vai agir, principalmente pelo fato de todos os indícios apontarem para um esquema de fraudes no Turismo. Mas uma coisa é certa: na próxima semana o clima continuará tenso entre o Ministério da Justiça e a PF.
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