domingo, 21 de agosto de 2011

Dante desce ao inferno

 

Biografia revela que Dante Alighieri teria usado alucinógenos para escrever a sua "Divina Comédia" e aponta outros fatos inéditos da vida do poeta italiano

Ivan Claudio

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O clássico “Divina Comédia”, do escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) , é um ­livro ambicioso que sintetiza o pensamento político, filosófico e teológico da Idade ­Média. Por isso é uma obra de difícil acesso. Agora, no entanto, uma biografia crítica ­torna a descida de Dante ao inferno uma jornada mais fácil e agradável. Trata-se de “Dante” (Record), da escritora e tradutora inglesa Barbara Reynolds, uma das maiores especialistas quando o assunto é o poeta florentino.

Ela releu toda a obra do autor, muniu-se de informações novas e escreveu um calhamaço de 640 páginas que traça um perfil ágil e ousado do retratado. Funciona para o leitor como o poeta Virgílio foi para Dante em sua peregrinação pelas profundezas: um guia erudito e conhecedor de todos os meandros dos versos alegóricos criados pelo escritor.
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PAIXÃO
Na tela do pintor inglês Henry Holiday, Dante observa a amada
Beatrice (de vermelho) em Florença: ele desmaiava quando a via
A leitura da biografia mostra que a “Comédia” é uma resposta aos infortúnios que perseguiram Dante em sua existência: ele também desceu ao inferno em vida e teve que superar pelo menos três círculos de condenações terrenas. O primeiro foi o da paixão não consumada. Perdidamente enamorado por uma jovem de sua cidade, Beatrice Portinari, que conhecia desde os nove anos de idade, ele não conseguiu ser retribuído em seus sentimentos. Como era costume na época, ambos casaram-se com parceiros escolhidos pelas respectivas famílias, mas isso não impediu Dante de insistir em suas investidas. Fazia poemas endereçados à amada e, ao encontrá-la em situações sociais, desmaiava. Aos 24 anos, Beatrice morreu. Dante ficou devastado para o resto da vida. Já nessa época, ele vivia outro ciclo infernal, o das drogas e suas visões horripilantes. Membro de um grupo de poetas (os Fedeli d’Amori) que endeusavam o amor, o florentino começou a fazer uso de poções “inspiradoras” e parece não as ter abandonado. Barbara pesquisou o herbário medieval e chegou à conclusão de que ele fez uso de maconha (identificada como canapa) e de aloé vera (de onde se faz o alucinógeno mescalina).
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Registra também outra droga nomeada apenas como “grãos do paraíso” e cita como prova o trecho da “Comédia” em que Dante, “transumanizado” ao ascender ao Céu, se compara a Glauco, que “experimentou a erva” e se transformou em Deus do mar.
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A autora levanta a hipótese de que o uso de estímulos psicodélicos esteja na origem das visões divinas de ­Dante, tese válida também para as aterradoras descrições do inferno, quando o autor se vinga de seus inimigos políticos, reservando lugares de destaque na parte mais funda da morada do Demo aos bajuladores, semeadores de discórdia, corruptos e hipócritas. Integrante do grupo dos guelfos brancos (à frente do poder em Florença), Dante defendeu a cidade na Batalha de Campaldino e foi escolhido prior (alto posto na hierarquia social) aos 35 anos. Numa crise entre os rivais guelfos negros, foi obrigado a mandar para o exílio o amigo poeta Guido Cavalcanti, que acabou falecendo (de malária, como ele). O pior viria a seguir, quando vai a Roma negociar a paz e é traído pelo papa Bonifácio VIII: sua cidade é tomada pelos inimigos. Sem recursos para pagar a vultuosa multa pela falsa condenação de corrupção, amargou o resto da vida sem dinheiro, no exílio. Segundo Barbara, “A Divina Comédia” seria assim não um tratado em versos sobre a salvação religiosa pela prática da virtude, mas um relato alegórico contra os usurpadores da vida justa em sociedade.

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