domingo, 21 de agosto de 2011

Tudo isso é nosso

 

Na maior ação de sua história, a Receita desvenda esquema de sonegação bilionária. Se leiloados, os bens apreendidos podem cobrir o rombo tributário

Adriana Nicacio

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PARAÍSO CONFISCADO
Ilha de 20 mil metros quadrados na Baía de Todos os Santos, avaliada em R$ 15 milhões
O relógio ainda não marcava oito horas. Era quarta-feira, 17 de agosto. Dois policiais federais pularam o muro da sede do grupo Sasil, em Campinas de Pirajá, região metropolitana de Salvador, e abriram os portões. Auditores da Receita Federal entraram em busca de provas. A 14 quilômetros dali, no centro da cidade, em dois endereços luxuosos, os agentes tentavam cumprir um mandado de prisão contra o dono da Sasil, o empresário Paulo Sérgio Costa Pinto Cavalcanti. Não o encontraram. Cavalcanti, que estaria em férias na Europa, passou a ser considerado foragido. Ele é acusado de comandar uma sofisticada rede de sonegação fiscal, envolvendo mais de 300 empresas no Brasil e no Exterior, que teria lesado o Fisco em R$ 1 bilhão nos últimos dez anos. “O esquema era tão complexo que, durante a busca e apreensão, descobrimos empresas que a Receita nem imaginava existir. Nosso trabalho agora é provar que estão ligadas entre si”, disse à ISTOÉ Carlos Romeu Queiroz, superintendente da Receita Federal na 5ª Região Fiscal.

Batizada de Operação Alquimia, a ação conjunta com a PF foi a maior já realizada na história da Receita Federal. Foram oito anos de investigações. Somente em 2009 concluiu-se que o grupo era ramificado em 300 empresas, várias sediadas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas e pelo menos 50 comprovadamente administradas por “laranjas”. Foram identificados 12 gerentes do grupo, que seriam responsáveis pelas artimanhas fiscais. A PF chegou a pedir que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional interviesse judicialmente contra o grupo Sasil, o quarto maior distribuidor do setor petroquímico da América Latina e o 30º no ranking mundial. Seu faturamento em 2010 atingiu cerca de R$ 500 milhões. A Sasil é a distribuidora autorizada da Braskem para PVC, em âmbito nacional, e revende produtos da Innova e da Nitriflex. A movimentação anual da empresa supera 300 mil toneladas de produtos químicos e resinas termoplásticas, que são transportados por empresas do próprio grupo – a Transquim, com frota de 120 caminhões, e a Netlog, empresa de logística. A Triflex, do mesmo grupo, produz compostos de PVC, enquanto a KNC presta serviços de consultoria. Apenas em 2004, a Sasil abriu 11 filiais no País. Todo o conglomerado agora vai passar pelo pente-fino da Receita.

Segundo Marcelo Eduardo Freitas, delegado da PF, para fraudar o Fisco, as empresas “laranjas” compravam os produtos, não pagavam tributos e repassavam as mercadorias para as empresas oficiais do grupo Sasil. E assim permaneciam, isentas de impostos, pois a Constituição veda a dupla tributação. Quando a Receita identificava a dívida, as empresas de fachada decretavam falência, transferiam o patrimônio para outras empresas e alegavam não ter como pagar ao Leão. As investigações mostram que uma frota de carretas chegou a ser vendida pela bagatela de R$ 1. “Outro método era a compensação tributária. A empresa adquiria produto e abatia valores já pagos em transações anteriores”, explicou Freitas à ISTOÉ. Empresários do setor petroquímico desconfiavam do rápido crescimento da Sasil e evitavam negócios com o grupo. Uma transação que chamou a atenção foi a compra da Varient Distribuidora, da Braskem, por R$ 11,3 milhões, em junho de 2010. “A Sasil, naquela época, já tinha má reputação”, comentou um executivo do setor petroquímico.

A Receita Federal também investiga a relação da Braskem – empresa da Odebrecht e da Petrobras – com Paulo Sérgio Cavalcanti e seu irmão Ismael César Cavalcanti Neto. A Braskem negou, em nota, ligação com o esquema de sonegação. Mas o Fisco pretende esquadrinhar a vida da Varient Distribuidora, cujo capital social em 2008 era de apenas R$ 800. A grande vantagem da Operação Alquimia, segundo a Receita Federal, é que os bens apreendidos, se levados a leilão, cobrirão o rombo tributário. O patrimônio confiscado inclui aeronaves, barras de ouro e um parque industrial, além de uma ilha de 20 mil metros quadrados na Baía de Todos os Santos, avaliada em R$ 15 milhões. Quando pousaram o helicóptero na ilha, os policiais depararam com mansões equipadas com piscinas, saunas, quadras de esportes e auditório multiuso. Todas com quatro suítes, decoração luxuosa e adegas lotadas de vinhos finos. O píer, de mais de 300 metros, foi construído irregularmente em área da Marinha. Ao que tudo indica, o grupo Sasil não parecia muito preocupado com o patrimônio da União.
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