Com documento de identidade e CPF em mãos, o ex-terrorista italiano Cesare Battisti começa a viver fora da clandestinidade no litoral paulista
Por Luiza Villaméa Fotos Rafael HupselREFÚGIO
Entre o mar e a Mata Atlântica, Battisti se hospeda na casa de um líder sindical
Debaixo da chuva fina e incessante, o italiano Cesare Battisti, 56 anos, caminha tranquilo pelas ruas de uma pequena cidade do litoral paulista. Usando uma jaqueta de couro emprestada pelo dirigente sindical Magno de Carvalho, 64 anos, Battisti esfrega as mãos vigorosamente enquanto fala sobre a região. “Aqui a Mata Atlântica está bem preservada”, diz. “E a pesca é farta, principalmente de tainha” (leia entrevista com Battisti aqui). Depois de ficar mais de quatro anos atrás das grades e apenas dois dias em liberdade na capital paulista, Battisti passa boa parte do tempo caminhando pelas praias e matas das redondezas. Só reclama do frio, na marca dos 12oC na tarde da segunda-feira 22. “Nem pareço italiano”, diz. “Nunca gostei de frio.” Conhecido pelos moradores da cidade como o escritor italiano César – a versão em português de seu primeiro nome –, ele pretendia começar a vida em liberdade na capital paulista, onde chegou na manhã do dia 9 de junho, horas após deixar o presídio da Papuda, em Brasília. Com o prédio onde estava hospedado cercado por jornalistas e alvo de manifestantes contrários à sua permanência no Brasil, o ex-terrorista achou melhor deixar a cidade.
"A reação não foi da Itália, e sim de
um governo decadente e direitista"
Tarso Genro, ex-ministro da Justiça
Antigo militante dos PAC, Battisti, que já havia sido condenado por subversão e participação em grupo armado, assume ações de assalto com armas, mas nega ter participado de operações que culminaram em mortes. “Eu já havia saído da organização quando ocorreram as mortes”, afirma. Depois de uma longa temporada no México e outra na França, ele entrou no Brasil clandestinamente em 2004, mas acabou preso três anos depois. Na sequência de uma longa batalha jurídica, que incluiu uma crise diplomática entre a Itália e o Brasil, em junho o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente um recurso do governo italiano contra uma decisão do presidente da República no final do ano passado. À época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recusou a extraditar Battisti, sob o argumento de que sua vida correria riscos na Itália, o que causou a ira do governo italiano.
TENSÃO
O premier Silvio Berlusconi já avisou o Itamaraty que vai
recorrer ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda
A primeira etapa da trajetória de Battisti como cidadão estrangeiro vivendo legalmente no País foi superada no dia 15 de agosto, quando ele recebeu a cédula provisória de estrangeiro emitida pelo Ministério da Justiça. Na semana passada, foi a vez de o italiano receber o número do CPF. Ainda esta semana, ele vai à capital paulista abrir uma conta bancária e se encontrar com seu editor, Evandro Martins Fontes, da Editora Martins Fontes. Seu mais recente livro, “Ao Pé do Muro”, está em fase de tradução – Battisti escreve em francês – e tem como tema os anos que passou preso no Brasil. Previsto para chegar às livrarias em dezembro, “Ao Pé do Muro” será lançado simultaneamente na França, pela Editora Flammarion.
Battisti, que atualmente vive de recursos arrecadados por uma rede de apoio em diferentes países, acredita que em breve poderá se sustentar com os direitos autorais de suas obras, como fazia até 2007. Enquanto isso, ele planeja criar no País uma versão nacional da ONG Literatura Furiosa, fundada há duas décadas na França pelo brasileiro Luiz Rosas, 58 anos. Da cidade de Amiens, 120 quilômetros ao norte de Paris, onde mora, Rosas conta que o trabalho envolve o incentivo à leitura a analfabetos funcionais. Com verbas da União Europeia, a organização também desenvolve atividades em Portugal e na República Democrática do Congo, na África. “Sempre convidamos escritores para debates com os alunos”, diz Rosas. “Nos anos 1990, o escritor Cesare Battisti foi convidado pelo menos três vezes.” No ano passado, quando o italiano ainda estava preso, Rosas foi contatado por um antropólogo de Brasília, emissário de Battisti, que começou as tratativas para o projeto. Rosas se empolgou com a ideia, até mesmo pela perspectiva de retornar ao Rio de Janeiro, que deixou em 1973 e nunca mais voltou.
NOVA FASE
O italiano ao deixar o presídio, autorizado a morar no Brasil
Em território nacional, apesar da permanência garantida pelo Supremo Tribunal Federal, Battisti enfrenta um grupo de brasileiros dispostos a protestar contra a sua presença no Brasil. Para as questões práticas do cotidiano, porém, não faltou apoio. “Ele teve várias ofertas de lugares para ficar quando fosse libertado”, diz Magno de Carvalho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp), dono da casa na qual Battisti passa os dias organizando o futuro. “O Cesare se integrou tão bem na cidade que já ganhou presentes dos moradores, como carnes de caça e peixes.” Carvalho conheceu o italiano ao visitá-lo no presídio de Brasília como representante da Conlutas, a central à qual o Sintusp está filiado.
VIDA REAL
Ainda esta semana Battisti quer abrir uma conta bancária em São Paulo
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