RODRIGO VARGAS
DE CUIABÁ
DE CUIABÁ
Brechas na legislação, manobras jurídicas e a morosidade da Justiça levaram um réu confesso de homicídio a livrar-se de punição por seu crime em Mato Grosso.
Hoje advogado em Cuiabá, o então estudante Sérgio Leonardo Campos Braga tinha 18 anos quando matou com cinco tiros, no dia 11 de fevereiro de 1995, o eletricista João Bezerra da Silva, 41.
O motivo: um pequeno acidente de trânsito, sem vítimas. O estudante, em um Honda Civic importado, havia saído de um restaurante onde comemorava com amigos sua aprovação no vestibular. João Bezerra, que fazia aniversário naquele dia, voltava do trabalho em seu Fusca com o filho de dez anos.
Segundo as testemunhas, houve bate-boca entre eles. Bezerra foi morto com quatro tiros no peito e um na mão.
Daquele dia até hoje, Sérgio Leonardo não passou sequer um dia preso. E, desde 19 de setembro, não pode mais ser punido --segundo a Justiça, seu crime prescreveu.
Sobrinho do ex-governador e hoje senador Jayme Campos (DEM), Sérgio foi defendido por uma equipe de advogados que usou, ao longo de 16 anos, inúmeros artifícios jurídicos para atrasar o andamento do processo.
Menor de 21 anos à época do crime, o estudante tinha a seu favor um prazo de prescrição reduzido à metade.
Testemunhas de defesa foram arroladas no Japão, em Portugal e nos EUA. Para ouvi-las, a Justiça teve de encaminhar cartas rogatórias cujas respostas levaram até cinco anos para retornar.
"Quando foram finalmente traduzidos, os testemunhos eram meras referências pessoais, plenamente dispensáveis ao processo", diz o promotor João Augusto Veras Gadelha, da 1ª Promotoria de Justiça Criminal.
Em 2002, Sérgio chegou a ser condenado por um júri popular a 12 anos de prisão por homicídio qualificado (uso de recurso que impediu a defesa da vítima), mas recorreu em liberdade ao TJ.
"No tribunal, foi derrubada a qualificadora e a pena reduzida para seis anos", afirma o promotor.
A Promotoria recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em 2006 anulou a decisão do TJ e determinou a realização de um novo julgamento. O processo, porém, só retornaria a Mato Grosso cinco anos mais tarde.
No período em que permaneceu em Brasília, o caso foi alvo de cinco recursos (agravos, embargos e recursos extraordinários) por parte da defesa, todos rejeitados.
"Houve, ainda, muitas renúncias de advogados de defesa, que exigiam novos prazos", diz o promotor.
No último 5 de julho, a defesa de Sérgio Leonardo pediu a prescrição, reconhecida no mês seguinte pela juíza Mônica Perri Siqueira, da 1ª Vara Criminal de Cuiabá.
No fim de setembro, o Ministério Público recorreu da decisão, mas disse em nota que se tratava apenas de "protesto à ineficiência do Sistema de Justiça Criminal".
Logo após o crime, a viúva e os dois filhos da vítima mudaram-se para Campo Grande (MS). AFolha achou o filho mais velho, mas ele não respondeu aos recados.
OUTRO LADO
A defesa de Sérgio Leonardo Campos Braga diz que ele sempre desejou "acertar suas contas com a Justiça" e que a prescrição ocorreu "por culpa do Estado".
"O meu cliente não fugiu nem mentiu, apresentou-se à polícia espontaneamente, atendeu a todas as convocações da Justiça", disse o advogado Sebastião Monteiro.
"Se o Estado não o processou no tempo certo, a culpa é do Estado, e não do meu cliente", afirmou Monteiro.
Nos casos de homicídio com pena não superior a 12 anos, a prescrição chega em 16 anos. Para menores de 21 anos à época do crime, o Código Penal prevê que o prazo seja reduzido à metade.
Como o STJ anulou o julgamento de 2002, a defesa pediu à Justiça que a prescrição fosse contada a partir da admissão da denúncia, em 28 de novembro de 2001.
"O prazo de prescrição real é de oito anos, que foi atingido exatamente no dia 28 de novembro de 2009, portanto, há mais de um ano e dez meses", disse o advogado.
Segundo ele, as circunstâncias em que tramitou o processo não permitem "falar em injustiça" no desfecho.
"A própria lei determina que um cidadão não pode ser processado 'ad eternum', a vida toda", disse.
Para Monteiro, a morte de João Bezerra da Silva foi uma "fatalidade no trânsito" e "um fato isolado na vida do Sérgio". "Ele teve uma conduta ilibada e irreparável em toda a sua vida, antes e depois do dia do acidente."
A Folha tentou ouvir o Tribunal de Justiça, mas não obteve resposta.
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