segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Tesouro sob as águas



Empresa de exploração marítima encontra R$ 430 milhões em prata em um cargueiro afundado em 1941. É a maior fortuna já encontrada no oceano

Flávio Costa
Riquezas quase incomensuráveis escondem-se nos ce­mitérios de naus que povoam os oceanos. Somente em águas brasileiras, estima-se que existam duas mil embarcações naufragadas, parte delas recheada de moedas de ouro e prata. A caça desses tesouros marítimos faz a fortuna – e também lança polêmica – de empresas detentoras das mais modernas tecnologias de regaste de naufrágios. A americana Odyssey Marine Exploration divulgou, na semana passada, a descoberta da localização do cargueiro inglês SS Gairsoppa, que jazia havia seis décadas a 4,7 mil metros de profundidade no Atlântico Norte. Ele trazia sete milhões de onças de prata, avaliadas em R$ 430 milhões. Desse total, 80% ficarão com a empresa e o restante será destinado ao governo britânico. É a maior fortuna já encontrada sob o oceano. 

Construído em 1919, o Gairsoppa transportou mercadorias pelas águas do Extremo Oriente e da Austrália, Índia e África Oriental, e levou suprimentos militares durante a Segunda Guerra Mundial. Sua trajetória chegou ao fim em 17 de junho de 1941, quando o navio mercantil empreendia a viagem entre Índia (partindo de Calcutá) e Inglaterra, com uma tripulação de 83 marinheiros e dois oficiais de artilharia. A 300 milhas da costa da Irlanda, um submarino nazista o atingiu com um torpedo U-boat. Apenas o oficial Richard Ayres sobreviveu ao naufrágio, após ficar à deriva por 13 dias em um bote salva-vidas – ele morreu em 1992.

O navio foi localizado por meio de um sistema sonar de baixa frequência conhecido como MAK-1M, que estava a bordo de um navio russo especializado nesse tipo de investigação. A procura começou em janeiro de 2010, quando a Inglaterra abriu licitação para a busca. Os pesquisadores confirmaram a identidade do SS Gairsoppa por meio de checagem de suas características: comprimento, largura e altura do navio, o tipo de âncora, os cinco porões de carga reservados para os lingotes de prata. A retirada da embarcação vai começar apenas no segundo trimestre de 2012. “Tivemos a sorte de encontrar o navio “sentado”, com os porões abertos e acessíveis. Com isso, deverá ser possível descarregá-lo através das escotilhas como aconteceria com um navio flutuante ao lado de um terminal de carga”, disse Greg Stemm, presidente da companhia, que tem a Disney entre seus investidores. Pelo menos 15 navios naufragados foram encontrados por seus pesquisadores desde 2000.

 
A descoberta do paradeiro do cargueiro inglês veio a calhar para as finanças da Odyssey. A empresa trava uma batalha na Justiça dos Estados Unidos contra o governo espanhol pelas 500 mil moedas de prata e ouro do navio La Mercedes, que afundou perto da costa de Gilbratar em 1804 e foi encontrado por ela em 2007. O navio foi afundado pela Marinha inglesa em guerra contra a Espanha na ocasião. Na época da descoberta desse tesouro, o ministro da Cultura, César Antônio Molina, referiu-se à empresa como “pirata”. Stemm defendeu-se dizendo que compartilha com o mundo suas descobertas. “Mas também precisamos ganhar a vida”, disse ao jornal britânico “The Guardian”. Uma semana antes do anúncio do SS Gairsop­pa, o Tribunal de Apelações de Atlanta confirmou a decisão em primeira instância que obriga a empresa a devolver a fortuna ao governo espanhol. As ações da Odyssey despencaram 44%, mas a companhia promete recorrer.

As empresas de exploração marítima não lucram apenas com os minérios encontrados nos navios. Outros tipos de carga de valor arqueológico são vendidos no próprio site da Odyssey, a exemplo do pedaço de carvão do navio a vapor SS Republic, que desapareceu durante uma tempestade na travessia entre Nova York e Nova Orleans, em 1865. O artefato é vendido por US$ 25 (R$ 46). Esse tipo de comércio coloca em lados opostos os chamados caçadores de tesouro e os arqueólogos marítimos para quem esses achados devem ser de domínio público. “A arqueologia tem o propósito de divulgar os artefatos produzidos pelo homem através da história. Os verdadeiros arqueólogos não visam o enriquecimento pessoal”, afirma o educador patrimonial do Instituto de Arqueologia Brasileira, o bioarqueólogo Antônio Souza.

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