Aos 88 anos, o ator Sérgio Britto briga na justiça para reaver seu patrimônio. Ele afirma ter sido enganado por um ex-funcionário que teria lhe tirado quase todos os bens
Juliana Dal PivaINTENÇÃO
"Sempre pretendi deixar o meu único imóvel
para meu sobrinho. Nunca o doei a outra pessoa",
afirma Sérgio Britto
Era quase uma hora da madrugada do dia 9 de junho, quando foram ouvidos gritos desesperados na casa do ator, diretor e produtor cultural Sérgio Britto, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Em pânico, ele batia na porta do quarto onde dormiam seu sobrinho, Paulo, e a empregada que o acompanha há 36 anos, Francisca, enquanto suplicava: “Me ajudem! Me ajudem!” Os pedidos de socorro eram alternados por gritos de “Sai, monstro!”, dirigidos ao então administrador de seus negócios, Antônio Bento, que também morava na residência. A dramática cena marca o início de uma batalha que chegou à 16ª Vara de Justiça Cível do Rio de Janeiro e envolve muito mais do que brigas e desaforos. A casa de Britto foi doada, sem seu consentimento, ao seu ex-administrador. Mais: a declaração de Imposto de Renda do ator, constante no processo a que ISTOÉ teve acesso, demonstra uma progressiva diminuição do patrimônio desde 2007, período que coincide com a administração de Bento. Aos 88 anos de idade e depois de quase sete décadas dedicadas a uma bem-sucedida carreira artística no teatro e na televisão, Sérgio Britto tem apenas cerca de 5% do que tinha há quatro anos. O ator acusa Bento, 63 anos, de lhe dar um golpe em momentos em que estava frágil de saúde e o fazer assinar papéis cujo conteúdo desconhecia.
A casa que ele comprou em 1999 e onde mora desde então está, agora, em nome de Bento através de um instrumento de doação que Britto contesta. O valor do imóvel que o ator quer reaver é de aproximadamente R$ 800 mil. Estão anexadas ao processo também outras doações que o ator diz desconhecer. Segundo os documentos, Britto teria recebido cerca de R$ 1 milhão pela venda, em 2007, do “Teatro dos 4”, do qual ele era um dos sócios. Desse valor, R$ 443 mil teriam sido doados a Bento, em nova ação considerada suspeita. Em junho, o ator também registrou ocorrência na Delegacia do Idoso, no Rio, contra o ex-administrador. No boletim da polícia, acusou o antigo funcionário de se “apropriar de valores” indevidamente e ainda de “ameaçar sua integridade física e psíquica”. Dessa denúncia resultou um estranho acordo: para devolver quase R$ 600 mil que Bento detinha e que pertencia ao ator – eles tinham conta conjunta em banco –, o administrador exigiu um pagamento de R$ 50 mil.
A casa que ele comprou em 1999 e onde mora desde então está, agora, em nome de Bento através de um instrumento de doação que Britto contesta. O valor do imóvel que o ator quer reaver é de aproximadamente R$ 800 mil. Estão anexadas ao processo também outras doações que o ator diz desconhecer. Segundo os documentos, Britto teria recebido cerca de R$ 1 milhão pela venda, em 2007, do “Teatro dos 4”, do qual ele era um dos sócios. Desse valor, R$ 443 mil teriam sido doados a Bento, em nova ação considerada suspeita. Em junho, o ator também registrou ocorrência na Delegacia do Idoso, no Rio, contra o ex-administrador. No boletim da polícia, acusou o antigo funcionário de se “apropriar de valores” indevidamente e ainda de “ameaçar sua integridade física e psíquica”. Dessa denúncia resultou um estranho acordo: para devolver quase R$ 600 mil que Bento detinha e que pertencia ao ator – eles tinham conta conjunta em banco –, o administrador exigiu um pagamento de R$ 50 mil.
DOAÇÃO
Documento mostra que Bento (à esq.) pediu para colherem assinatura
de Britto e que o ator não foi ao cartório, como diz a escritura
Um amigo do ator que não quis se identificar disse que a saúde debilitada de Britto “foi um prato cheio para a ação desonesta do ex-amigo e funcionário”. O ator é portador de glaucoma, mielodisplasia, mielofibrose e hipoplasia medular, e necessita, desde 2006, de sessões quinzenais de transfusão de sangue. Até desse procedimento era Bento quem cuidava, pois gozava de total confiança do ator e de sua família desde que começou a trabalhar para Britto, em 1998. Entre 2003 e 2004 ele se mudou para a residência do ator e assumiu a responsabilidade também das despesas diárias. Britto passou a depender cada vez mais dele.
“A relação dos dois era de amizade, mas Bento sempre recebeu, e bem, por seus serviços”, diz Ellen Delmas, do escritório Daher Delmas Advogados, que defende o ator. A advogada disse à ISTOÉ que foi acionada pelos sobrinhos do ator, Paulo e Marília, no fim do ano passado porque eles haviam descoberto que Bento não teria comprado a casa do tio, como dissera, e, sim, recebido uma doação. A gravidade da situação aumentou, e muito, em março deste ano, quando Britto sofreu uma queda em casa, foi deixado sem atendimento. Segundo consta do processo, Bento não achou necessário chamar um médico ou levá-lo a um hospital e ainda deu ao patrão uma dose do calmante Lexotan. Depois, telefonou para a sobrinha de Britto, Marília, e comunicou que estava saindo para uma viagem à Rússia sem, porém, mencionar o acidente de Britto. O desfecho não foi trágico, certamente, porque a empregada, Francisca, achou melhor avisar a família sobre o estado de saúde dele. “Ele poderia ter morrido!”, revolta-se um amigo. O ator teve hemorragia cerebral e ficou internado por 19 dias no hospital Copa D’Or, no Rio. Quando se recuperou, decidiu pedir ajuda.
“A relação dos dois era de amizade, mas Bento sempre recebeu, e bem, por seus serviços”, diz Ellen Delmas, do escritório Daher Delmas Advogados, que defende o ator. A advogada disse à ISTOÉ que foi acionada pelos sobrinhos do ator, Paulo e Marília, no fim do ano passado porque eles haviam descoberto que Bento não teria comprado a casa do tio, como dissera, e, sim, recebido uma doação. A gravidade da situação aumentou, e muito, em março deste ano, quando Britto sofreu uma queda em casa, foi deixado sem atendimento. Segundo consta do processo, Bento não achou necessário chamar um médico ou levá-lo a um hospital e ainda deu ao patrão uma dose do calmante Lexotan. Depois, telefonou para a sobrinha de Britto, Marília, e comunicou que estava saindo para uma viagem à Rússia sem, porém, mencionar o acidente de Britto. O desfecho não foi trágico, certamente, porque a empregada, Francisca, achou melhor avisar a família sobre o estado de saúde dele. “Ele poderia ter morrido!”, revolta-se um amigo. O ator teve hemorragia cerebral e ficou internado por 19 dias no hospital Copa D’Or, no Rio. Quando se recuperou, decidiu pedir ajuda.
PATRIMÔNIO
A casa que Bento diz ter recebido por doação
O episódio da doação da casa, em 5 de fevereiro do ano passado, é considerado misterioso. No dia da assinatura da escritura, Bento teria dispensado os empregados e ficado a sós com Britto, que, por sua vez, estava fragilizado por falta do tratamento de saúde. Já estava, havia dois meses, sem transfusão, como comprovam documentos anexados ao processo. “Sempre pretendi deixar o meu único imóvel para o meu sobrinho e nunca o doei a outra pessoa. Só quero o retorno do meu patrimônio”, declarou Sérgio Britto à ISTOÉ. Em laudo, o hematologista Assuero de Oliveira Silva, que o acompanha nas sessões, afirma que na proximidade da transfusão Britto fica com sua “cognição e percepção comprometidas em nível de difícil mensuração”. O ator só obteve tratamento cinco dias depois de ter assinado a doação e, conforme declarou à Justiça, acabou assinando diversos documentos sem saber exatamente do que se tratava, em confiança a seu ex-administrador e pelo estado confuso em que se encontrava.
PROCESSO
Na ação para anular a doação da casa, é apontada a falta de testemunhas na assinatura
da escritura e há a denúncia de que Bento exigiu R$ 50 mil para devolver seu dinheiro
Procurado pela reportagem de ISTOÉ durante toda a semana passada, o administrador Antônio Bento, que estaria viajando para Portugal, não foi encontrado e não respondeu aos e-mails. Também não consta, no processo, o nome de um advogado de defesa. Apesar da tristeza, Britto recebeu duas notícias animadoras recentemente: a primeira é que a Justiça concedeu uma liminar suspendendo, temporariamente, a doação de sua casa até o julgamento final da questão. A segunda é que seu livro “O Teatro & Eu – Memórias” está entre os finalistas do prêmio Jabuti. Nessa obra, ele relata a trajetória iniciada em 1945 e que já o coroou com vários prêmios como melhor ator de teatro e da televisão, e também como idealizador e apresentador do programa semanal “Arte com Sérgio Britto”, na TV Brasil. Para ele, considerado um dos maiores atores da dramaturgia brasileira, o atual papel é ingrato demais. Resta a esperança de que o final feliz chegue antes que as cortinas se fechem.
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