sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Balcão de negócios



Denúncias de corrupção, lobby e venda de emendas parlamentares na Assembleia Legislativa de São Paulo colocam sob suspeita os 94 deputados estaduais

Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura
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CAIXA-PRETA
Pouco se sabe do que acontece na Assembleia Legislativa de São Paulo
Se o caixote modernista de 36 mil metros quadrados que abriga a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), no Parque do Ibirapuera, estivesse pintado de preto, ele seria uma redundância. A atividade dos 94 deputados estaduais paulistas, que administram um orçamento de R$ 700 milhões, é uma notável caixa-preta. Pouco se sabe do que acontece lá dentro. Até a identidade das mais de três mil pessoas empregadas na Assembleia só será divulgada depois de uma decisão judicial do Supremo Tribunal Federal – durante 11 anos, os parlamentares recorreram contra a divulgação. Agora, no entanto, uma leve luz foi jogada sobre o funcionamento do Parlamento por um de seus mais ilustres integrantes. Com a experiência de quem cumpre seu sexto mandato, o deputado Roque Barbiere (PTB) disse, numa entrevista ao jornal “Folha da Região”, do interior paulista, que boa parte de seus colegas vive e enriquece com a venda de emendas parlamentares. A Assembleia não passaria de uma casa de negócios. “Não é a maioria, mas tem um belo de um grupo que vive e sobrevive e enriquece fazendo isso”, denunciou Barbiere. Sem rodeios, ele disse que 25% a 30% dos colegas negociam emendas e fazem lobbies para empresas. O deputado não deu nomes nem citou fatos que confirmassem suas denúncias, mas ninguém se dispõe a contraditá-lo de frente. Roquinho, como é conhecido, sabe bem como ocorrem as tramitações das emendas orçamentárias na Casa – solicitação de liberação de recursos encaminhada por cada parlamentar ao governo estadual.

É prática na Alesp que cada deputado estadual tenha R$ 2 milhões anuais para destinar à área que quiser, da compra de um simples equipamento médico até a construção de uma estrada. De acordo com a denúncia, os parlamentares se aproveitam desse subterfúgio para embolsar dinheiro, muito dinheiro, de comissão das prefeituras, entidades e empresas recomendadas para execução das obras e compra de materiais. Na verdade, as emendas do orçamento são como o toma lá dá cá da política brasileira. Na versão paulista, os deputados se locupletariam com o dinheiro público sem medo de ser identificados, já que não existe transparência pública por parte do governo estadual e tampouco da Assembleia na liberação das verbas, a não ser quando as emendas são destinadas à área social, como Ongs, publicadas no “Diário Oficial” do Executivo e Legislativo. O “Diário Oficial” deixa de publicar o nome dos responsáveis de várias solicitações (leia quadro). A falta de informações sobre as emendas é tão escabrosa que a deputada Vanessa Damo (PMDB) teve que recorrer, em abril deste ano, ao “Diário Oficial” para questionar o governo, do qual ela faz parte da base, sobre a liberação, ou não, de uma solicitação feita em 2009.
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"Tem um belo de um grupo que vive,
sobrevive e enriquece fazendo isso"

Roque Barbiere, deputado estadual – PTB
Obscuro ou não, o certo é que a de­núncia ganhou ainda mais substância depois que veio a público uma entrevista do secretário de Meio Ambiente do Estado, deputado estadual licenciado Bruno Covas. No áudio, ele diz que um prefeito o procurou para repassar a comissão de uma emenda de sua autoria, o que ele não aceitou. O tucano, que esta semana disse ter sido mal interpretado, não foi, no entanto, o único a sofrer esse tipo de assédio. O deputado Major Olímpio (PDT) confirmou à ISTOÉ o escândalo. “Coloquei uns cinco (lobistas) para fora da minha sala. Eles falam em contribuições ou contrapartidas políticas, um jeito mais suave de chamar propina”, diz Olímpio. “São muito graves essas denúncias”, diz o parlamentar Geraldo Cruz (PT). Autor do pedido de uma CPI para investigar o caso, até a quinta-feira 28 o petista já colecionava 29 das 32 assinaturas necessárias para a abertura das investigações. 

Os estilhaços atingiram também o Palácio dos Bandeirantes, sede do Executivo estadual. Afinal, parte do governador a autorização para liberação dos recursos. Num primeiro momento, o governador Geraldo Alckmin desqualificou as denúncias. Agora, já admite a falta de transparência e anuncia medidas para minimizar os problemas. Oito meses antes de o escândalo vir a público, Barbiere questionou formalmente a Casa Civil do governo de São Paulo sobre quais deputados destinaram emendas a entidades e obras públicas. Até hoje, não recebeu resposta. O secretário da Casa Civil do Estado, Sidney Beraldo (PSDB), afirmou, na quinta-feira 28, que Alckmin determinou o levantamento dos convênios oriundos de emendas parlamentares assinados em 2011 para encaminhamento à Assembleia como forma de contribuir com as investigações e ordenou “transparência total” em relação às emendas, publicando-as em sites oficiais com a indicação dos deputados que as solicitaram. O secretário admitiu, porém, que o levantamento que está sendo feito contempla apenas os anos de 2009, 2010 e 2011. Disse não saber se teria como pesquisar os anos anteriores. A resposta é simples: abram-se os arquivos. 
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Copa sem terror



Como um ex-delegado da Interpol organiza o aparato de segurança que pretende proteger de ataques terroristas a Copa do Mundo no Brasil

Vasconcelo Quadros
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PROJETO PILOTO 
Peritos da Polícia Federal fiscalizaram o novo estádio Mané Garrincha, em Brasília
As autoridades de segurança e de inteligência que atuarão na Copa do Mundo de 2014 estão inquietas. Avaliam que a neutralidade brasileira numa era marcada por conflitos internacionais não é suficiente para livrar o País de atentados terroristas. O Brasil, entendem, pode, sim, se tornar alvo de extremistas, caso não se salvaguarde adequadamente. A preocupação faz sentido diante da magnitude de uma festa que terá a presença de dezenas de chefes de Estado – alguns deles inimigos jurados das organizações terroristas –, cerca de 600 mil turistas estrangeiros, além dos 3,2 milhões de brasileiros que transitarão entre as cidades-sede da Copa durante os jogos. A organização do evento passou a dar absoluta prioridade à segurança. “Estamos nos prevenindo contra eventuais ataques e criando as condições para uma Copa em que o Brasil saia engrandecido”, afirma o delegado federal José Ricardo Botelho, titular da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, recém-criada pelo Ministério da Justiça.

A escolha de Botelho para o cargo faz parte da ofensiva ao chamado inimigo invisível. Nos últimos dois anos, o delegado dirigiu o escritório brasileiro da Interpol, órgão que faz parte da estrutura da Polícia Federal e mantém contato direto com os órgãos de segurança e de inteligência de 188 países. Botelho está organizando o maior aparato de segurança preventiva de que se tem notícia. Uma de suas tarefas é tirar do papel uma meta que até aqui desafiou as autoridades: a integração dos órgãos de segurança espalhados pelo País, vinculando-os a uma central internacional de operações que estará em rede online com as mais importantes corporações policiais do mundo. As maiores parceiras serão as agências dos países que têm mais experiência no monitoramento e combate ao terrorismo. “As instituições vão se falar”, garante Botelho. Ao todo, haverá cerca de 70 mil policiais atentos à segurança da Copa de 2014, com a missão de prevenir ameaças terroristas. 

O trabalho já começou. Há dois meses, peritos da PF iniciaram por Brasília, no novo estádio Mané Garrincha, o projeto piloto da fiscalização que será aplicado nas obras das 12 cidades-sede. Robôs simuladores, cães farejadores e equipamentos modernos de detecção de artefatos foram testados com sucesso. A partir de agora, serão usados rotineiramente. Cada estádio a ser entregue à Fifa terá uma espécie de selo de segurança, atestando que nenhum artefato ou equipamento programável por controle remoto foi infiltrado nas estruturas da obra. Nos canteiros de obras, os operários receberão treinamento padrão de segurança. Cerca de 30 mil trabalhadores, empregados na construção dos estádios, serão os primeiros brasileiros a receber o novo e moderno documento de identidade conhecido por Registro de Identificação Civil (RIC), que reunirá, num único chip, todas as informações sobre a vida do cidadão. Engenheiros ou mestres de obras serão orientados a comunicar às autoridades policiais qualquer ocorrência estranha.
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"Estamos nos prevenindo contra eventuais ataques.
As instituições de segurança vão se falar"

José Ricardo Botelho, da Secretaria Extraordinária 
de Segurança para Grandes Eventos
Trata-se de uma mudança de postura e de conceito em termos de segurança. A ingênua percepção de que o Brasil é um paraíso inatacável deu lugar à vigilância quase obsessiva. Quem tem a responsabilidade de refletir sobre segurança jamais esquece que os ataques que derrubaram as torres gêmeas em Nova York, não nasceram no 11 de setembro de 2001, mas anos antes, quando jovens estrangeiros chegaram aos EUA em busca de cursos de aviação. O serviço de imigração da PF está sendo reforçado e já acompanha a movimentação de estrangeiros em trânsito. Embora nada de grave tenha sido constatado, já foram requisitadas informações sobre turistas vindos dos Estados Unidos e da Polônia, Alemanha e Holanda.

No mês da Copa, o controle será ainda mais rigoroso. “Os indesejáveis vão voltar do aeroporto”, avisa o diretor-geral da PF, Leandro Coimbra. Entre as mais importantes ferramentas de prevenção, destaca-se um banco de dados que, a um custo estimado de R$ 15,5 milhões, ligará a um comando central sediado em Brasília todas as polícias estaduais, guardas-civis metropolitanas, defesa civil, bombeiros e demais organismos do sistema de segurança. Na central de operações, PF, Abin, Forças Armadas e Interpol estarão integradas e em contato permanente com as agências internacionais.  
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Bancada atômica



De olho nos R$ 15 milhões que o governo estuda investir em energia nuclear, um grupo de oito parlamentares reforça articulação para levar usinas para seus Estados

Izabelle Torres
Na contramão do resto do mundo, que, depois do acidente de Fukushima, no Japão, repensa os programas nucleares, um grupo de pelo menos oito parlamentares brasileiros faz lobby para tentar levar usinas atômicas para seus Estados. São eles os deputados Alfredo Kaefer (PSDB-PR), Fernando Jorgão (PMDB-RJ), Laércio Oliveira (PR-SE), Silvio Costa (PTB-PE), Fernando Coe-lho (PSB-PE), Rui Costa (PT-BA), Nelson Pellegrino (PT-BA) e Gonzaga Patriota (PSB-PE). Os movimentos vinham sendo discretos nos últimos meses, mas ganharam novo fôlego depois que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse a integrantes dessa bancada atômica que o governo vai retomar as discussões sobre a implantação de quatro novas usinas no País e anunciar em 2012 os investimentos que podem passar de R$ 15 bilhões em cada unidade. As cifras enchem os olhos desses políticos. Em jogo estão os dividendos eleitorais gerados pelo desenvolvimento de regiões pobres, além da oportunidade de se aproximar de obras bilionárias. Apesar do afã em obter lucros políticos e econômicos, a atuação do grupo suprapartidário que defende a geração de energia nuclear é discreta. E normalmente é feita em nome de governadores interessados em atrair os investimentos. “Quando o governo federal der o sinal verde para as usinas vai ser uma verdadeira guerra política e muita gente entrará nessa briga”, diz Silvio Costa (PTB-PE). 

O deputado petebista atua a serviço das pretensões do governo de Pernambuco. O grupo político de Eduardo Campos (PSB) trabalha para sediar uma das usinas com construção prevista para os próximos anos. A ideia do governador é erguer o empreendimento no município de Itacuruba, região isolada, pobre e com baixa densidade demográfica. Características que podem ser decisivas na queda de braço pelos investimentos nucleares. “Será a chance de desenvolver a região”, ressalta o deputado Fernando Coelho (PSB-PE), outro parlamentar que exerce o lobby nuclear. 

O lobby pelas usinas nucleares não parte apenas de Pernambuco. Na Bahia, um projeto do Executivo está sendo elaborado para modificar a Constituição estadual e autorizar o Estado a receber esse tipo de instalação. Com ampla maioria na Assembleia Legislativa, o governador Jaques Wagner (PT) deve conseguir aprovar a proposta com tranquilidade e ficar um passo à frente na briga para levar a usina para uma das cidades baianas às margens do rio São Francisco. Na Câmara dos Deputados, o governador conta com a articulação dos petistas Nelson Pellegrino e Rui Costa, porta-vozes do governo baiano. Os deputados argumentam que a localização dos municípios de Chorrochó ou Rodelas seriam ideais para receber os investimentos estratégicos. Ainda no Nordeste, o Estado de Sergipe também tem seu representante na disputa por uma planta nuclear. O deputado Laércio Oliveira (PR-SE) acredita que os investimentos levariam desenvolvimento ao município de Canindé do São Francisco, que já abriga a hidrelétrica de Xingó. “Os ganhos compensam os riscos. Muita gente ficou com medo de entrar na discussão, mas ela tem de ser feita”, argumenta.

Os movimentos do governo federal de retomada dos investimentos na energia nuclear também deram impulso a projetos em tramitação na Câmara. Um dos mais citados pela bancada que defende a energia nuclear é de autoria do deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ). A proposta prevê a instituição de royalties da exploração para Estados e municípios que abrigarem usinas. Prefeitos e governadores estão de olho e os parlamentares já sentem a pressão que vem de seus redutos eleitorais. Um projeto do paranaense Alfredo Kaefer (PSDB) também desperta interesse dos defensores de usinas atômicas, especialmente de empresários. A proposta retira da União o monopólio sobre essas usinas. “Não há motivos para que somente o poder público possa administrar essas usinas”, diz. Como se vê, o lobby nuclear está a pleno vapor no Congresso.  
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Togas, volver!


Reação da opinião pública e do Congresso faz com que o STF adie votação para limitar poderes do Conselho Nacional de Justiça, cuja atuação desagrada à magistratura

Adriana Nicacio
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Instalado em junho de 2005 como um dos pontos essenciais da reforma do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça assumiu a tarefa de aplicar sanções administrativas aos magistrados envolvidos em tráfico de influência e corrupção. Desde então, tem cumprido à risca seu papel e exatamente por isso passou a ser alvo da ira de alguns juízes. Na quarta-feira 28, o Supremo Tribunal Federal reuniu-se para votar ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que pretendia limitar os poderes do CNJ. Mas foi obrigado a recuar. Nos últimos dias, houve uma forte pressão da opinião pública e do Congresso em favor das decisões saneadoras do Conselho. Sem saída, o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, capitulou. Disse que não havia clima para tomar a decisão e adiou a votação. “O presidente decidiu aguardar um esclarecimento maior da sociedade”, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello. A responsável pelo sinal de alerta sobre a investida do STF contra o CNJ foi a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. Ao comentar a iniciativa da AMB na tentativa de limitar os poderes do Conselho de investigar magistrados, Eliana disse que esse era “o primeiro caminho para a impunidade da magistratura” e alertou para “gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”. A declaração deixou indignados a direção da AMB e o ministro Cezar Peluso, que também preside o CNJ. 

A reação corporativa do Judiciário não chega a surpreender. A magistratura nunca viu com bons olhos a atuação do Conselho Nacional de Justiça. Nos últimos seis anos, 49 magistrados foram punidos, entre eles 20 desembargadores, sendo que outros 15 acusados ainda respondem a processos na corregedoria do Conselho. Em novembro de 2010, a AMB ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra os processos disciplinares do CNJ. Antes de 2005, essa responsabilidade era das corregedorias dos tribunais. Mas elas adiavam ao máximo a apuração das denúncias, jogando com a prescrição, e não tornavam públicas as irregularidades cometidas por juízes, sempre a pretexto de manter imaculada a imagem da Justiça. 

Até a quarta-feira 28, só três ministros do STF mostravam-se favoráveis à manutenção dos poderes do CNJ: Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Mas, diante das reações, o STF busca uma alternativa. O ministro Luiz Fux deve apresentar voto dando prazo limite para que as corregedorias locais tomem providências. Vencido o prazo, a corregedoria nacional teria carta branca para atuar. Depois da celeuma que provocou, Eliana Calmon diz que só vai se manifestar quando o tema voltar ao STF. A corregedora, que também é ministra do STJ, não costuma se intimidar. Em 2006, assinou as ordens de prisão de todos os investigados da Operação Dominó, entre eles o presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, desembargador Sebastião Teixeira Chaves, envolvido em esquema de desvio de verbas. “Ela é uma mulher decidida, valente”, elogia o procurador Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. A opinião pública também já fez sua escolha: está ao lado de Eliana Calmon.  
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O governador grileiro



Por intermédio do Instituto de Terras do Tocantins, o governador Siqueira Campos desapropriou terras públicas e transferiu-as para familiares, empresários e até secretários de Estado. Amplo esquema de grilagem é investigado pelo Ministério Público

Claudio Dantas Sequeira
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Criado em 1988, o Tocantins teve como primeiro governador o cearense José Wilson Siqueira Campos. Um de seus primeiros atos como chefe do Executivo foi distribuir terras públicas a quem quisesse se estabelecer no novo Estado e fazê-lo prosperar. Até aí não há nada de errado. O problema é que, em vez de socializar a ocupação da terra, Siqueira usou da prerrogativa do cargo para favorecer familiares e amigos. O que agora o Ministério Público constata é que a prática não se restringiu à época da fundação do Tocantins. Perdurou nas duas décadas seguintes e serviu também para a compra de apoio político e sua blindagem na Justiça. Um caso exemplar envolve uma fazenda numa região nobre de Palmas, a capital do Estado. Por meio de decreto, Siqueira desapropriou a área equivalente a cerca de 350 campos de futebol para fins de “utilidade pública”. Enquanto passavam os tratores sobre as casas de famílias que moravam no local, agentes do governo alegavam que ali seria construído um hospital. Mas o que aconteceu depois foi bem diferente. Em novembro de 1998, o Instituto de Terras do Tocantins (Intertins) loteou a fazenda e distribuiu os lotes por meio de licenças de ocupação e exploração. O lote 15, equivalente a 13 campos de futebol, passou às mãos da atual primeira-dama, Marilúcia Leandro Uchoa Siqueira Campos. A licença, assinada de próprio punho por ela, destinava o imóvel à produção agropecuária – uma espécie de assentamento de luxo. Passados 12 anos, a chácara não produziu um grão sequer, e a antiga fazenda passou a abrigar casas luxuosas. 

Ela não foi a única assentada. No mesmo dia, o Intertins concedeu licenças de ocupação ao secretário de Comunicação do governo, Sebastião Vieira de Melo, e à empresária Fátima Regina de Souza Campos, diretora-geral das Organizações Jaime Câmara, a maior rede de comunicação do Estado, além da promotora Beatriz Regina Lima de Melo e do então procurador-geral de Justiça, José Omar de Almeida Júnior. “Numa tacada só, o governador garantiu o quinhão da família, favoreceu a imprensa local e o Ministério Público”, avalia o advogado Antonio Edimar Serpa Benício, autor de uma ação popular que pede a anulação daquele decreto. Ele conta que havia comprado um lote na área conhecida como Fazenda das Palmas, perto do córrego Jaú – um dos principais da capital. “Como tantas outras famílias, nós tínhamos um documento de posse e esperávamos a regularização, já que se tratava de uma propriedade privada. Mas o governo veio e tomou tudo na marra”, lembra Benício.
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A Fazenda Palmas estava em nome da agropecuária do Grupo Umuarama, que tinha entre seus sócios o secretário de Infraestrutura do Estado, Rubens Vieira Guerra. Na ação de desapropriação, o governo prometeu pagar à agropecuária pouco mais de R$ 17 mil. Mas a ação popular movida por Benício travou o processo que aguarda julgamento de um recurso no STJ. Guerra, no entanto, não ficou no prejuízo. Em 2001, já no terceiro mandato, Siqueira Campos entregou todas as terras do Estado para serem comercializadas pela Orla Participações e Investimentos S/A, criada por ele em parceria com 25 empresas, entre imobiliárias e empreiteiras, e um sindicato. Entre os sócios da Orla está a Umuarama. Outra integrante da holding é a Araguaia Construtora, do tucano Ataídes Oliveira, que assumiu a cadeira deixada pelo senador João Ribeiro (PR). Pelo contrato celebrado entre Siqueira e os empresários – e que durou até fevereiro passado –, a Orla passou a embolsar 40% de todos os negócios com terras públicas, uma margem de corretagem só vista no Tocantins. 

Para o promotor de Justiça Adriano Neves os negócios de Siqueira Campos tem todos os elementos de crime. “Há indícios de direcionamento, pois nada justifica o repasse de terras públicas à primeira-dama ou a secretários e outras autoridades”, afirma. O promotor lembra que na data das licenças já estava em vigor a Lei 8.666, que determina oferta pública da área por meio de leilão e outras modalidades de licitação. Há dois anos, Neves assumiu a área de Patrimônio Público do MPE e passou a denunciar os esquemas de grilagem. Até agora, o promotor levantou 700 casos só na área urbana da capital. Há poucos dias, no entanto, ele recebeu um levantamento do advogado Eder Barbosa de Souza, especializado em causas fundiárias: uma lista com 20 mil lotes frutos de grilagem de terras públicas. “É tanta grilagem que eu tive que me concentrar nos casos mais recentes. Até porque o crime de improbidade pública prescreve em cinco anos”, explica.
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Por enquanto, o promotor tem se dedicado a levantar os negócios da antiga Companhia de Desenvolvimento do Tocantins (Codetins). Em breve, vai dar andamento aos casos do Intertins. A tarefa é hercúlea. Basta saber que Siqueira Campos entregou o Cartório de Registro de Imóveis do Estado ao sobrinho Israel Siqueira de Abreu Campos. Com plenos poderes, o governador conseguiu transferir a titularidade e anular títulos concedidos pelo Incra. Em 1991, por exemplo, o Estado repassou a preço simbólico uma chácara de 144 hectares a José Ribeiro da Silva, conhecido vaqueiro de Siqueira Campos. Dois anos mais tarde, a propriedade foi transferida para a aposentada Aureny Siqueira Campos, a primeira mulher do governador. Em 2002, o casal cedeu a área em comodato à Investco S/A, cessionária da hidrelétrica de Lageado. Com o divórcio quatro meses depois, Siqueira ficou com a chácara e, em 2004, a revendeu para a própria Orla Participações, por R$ 2,4 milhões. Mesmo com tantos negócios, o governador declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de pouco mais de R$ 400 mil. Muito pouco para quem parece ser dono de todo o Tocantins.
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