sábado, 31 de março de 2012

"Quantos já foram, rapaz. E tudo via Policarpo"



Foto: Edição 247

QUEM DIZ É CARLINHOS CACHOEIRA AO ARAPONGA JAIRO MARTINS. O GRAMPO ESTÁ NAS PÁGINAS DA PRÓPRIA REVISTA VEJA, QUE, ACUADA, TENTA DEFENDER SEU REDATOR-CHEFE NA EDIÇÃO DESTA SEMANA; ONTEM, 247 MOSTROU REPORTAGEM DA REVISTA, DE 2004, NA QUAL CACHOEIRA, TRATADO COMO "EMPRESÁRIO DO SETOR DE JOGOS", TEM SUA VERSÃO DEFENDIDA CONTRA UM PEDIDO UNÂNIME DE 58 DEPUTADOS FLUMINENSES PELA SUA PRISÃO; ASSINADO, POLICARPO

31 de Março de 2012 às 08:59
247 - A revista Veja está acuada. Mas não conseguiu manter o silêncio sobre suas relações incestuosas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, com quem o redator-chefe da publicação, Policarpo Júnior, trocou 200 ligações recentes, segundo aponta o inquérito da Operação Monte Carlo.
Na edição desta semana, Veja se viu forçada a defender seu redator-chefe, que acaba de substituir Mario Sabino, outro que também caiu em desgraça desde a chegada de Fábio Barbosa ao comando da Abril. A defesa é tímida. E atrapalha mais do que ajuda. Veja publica um grampo entre Cachoeira e o araponga Jairo Martins, fonte contumaz de vários escândalos de Veja, em que ambos chegariam a um consenso sobre a independência do jornalista. Na conversa, Cachoeira diz que o "Policarpo nunca vai ser nosso".
Ok, isso talvez revele que Policarpo não se vendeu à quadrilha de Cachoeira.
Mas, no mínimo, se deixou usar. Em outro trecho do mesmo grampo publicado por Veja, Cachoeira diz que ele e Jairo "fazem um bem do c... para o Brasil", filmando corruptos. Sim, o bicheiro e o araponga acreditam que limpavam o Brasil da corrupção. "Quantos já foram, rapaz. E tudo via Policarpo".
Essa parceria produziu furos de reportagem, como o filme de Maurício Marinho, que deflagrou a CPI dos Correios, mas também reportagens que atendiam unicamente ao interesse da quadrilha. Como o caso revelado ontem pelo 247, que, através de Veja, impediu a prisão de Cachoeira em 2004 (leia mais aqui). Além disso, o ex-prefeito de Anápolis, Ernani de Paula, revelou que a denúncia inicial do mensalão foi tramada por Cachoeira e o senador Demóstenes Torres, com a utilização do araponga Jairo Martins e do jornalista Policarpo Júnior (leia mais aqui).

Quem tem medo de cachoeira



Bicheiro preso pela PF ameaça empresários e políticos com

material explosivo. Gravações estariam escondidas numa chácara

em Anápolis

Claudio Dantas Sequeira
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DEVASTADOR
Pivô do escândalo que levou à queda de Waldomiro Diniz da Casa Civil em 2004,
Carlinhos Cachoeira diz ter em seu poder novos grampos contra políticos
Nas últimas semanas, a revelação das conexões do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos, empresários e policiais estremeceu a capital federal. O arsenal de informações contidas no inquérito da Operação Monte Carlo foi tão devastador que conseguiu silenciar uma das principais vozes da oposição, o senador Demóstenes Torres (DEM/GO). O parlamentar, porém, pode não ser o único a cair em desgraça sob a acusação de manter ligações perigosas com o contraventor. Para tentar entender por que Cachoeira atemoriza tanta gente, mesmo isolado numa pequena cela do presídio federal de Mossoró, Rio Grande do Norte, ISTOÉ ouviu pessoas ligadas a ele. Os relatos dão conta de um esquema milionário que abasteceu o caixa 2 de diferentes partidos. Os pagamentos eram acertados pelo próprio Cachoeira com os arrecadadores de campanha. E o que mais provoca temor em seus interlocutores e comparsas: a maioria dessas negociatas foi devidamente registrada pelo empresário da jogatina. 

Em pouco mais de uma década, o bicheiro acumulou um vasto e explosivo acervo de áudio e vídeo capaz de comprometer muita gente graúda. Na operação de busca e apreensão na casa de Cachoeira no início do mês, a PF encontrou dentro de um cofre cinco CDs avulsos. 

No entanto, outra parte do material – ainda mais explosivo – estava escondida em outro lugar, uma chácara em Anápolis (GO). O local sempre serviu como espécie de quartel-general para reuniões do clã Cachoeira, além de esconderijo perfeito para seu acervo de gravações. Conforme apurou ISTOÉ, nos vídeos que ainda estão em poder de Cachoeira não constam apenas reuniões políticas ou pagamentos de propina. Lá há registros de festinhas patrocinadas por ele com a presença de empresários e políticos. Uma artilharia capaz de constranger o mais desinibido dos parlamentares.
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FIM DE LINHA
Flagrado em conversas nada republicanas com o contraventor, o senador Demóstenes
Torres deixou a liderança do DEM no Senado. Constrangido, avalia renunciar ao mandato
O modus operandi de Cachoeira não é novidade. Em 2004, uma dessas gravações deflagrou o escândalo que levou à queda de Waldomiro Diniz, ex-assessor do então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Depois do escândalo, ele foi para a Argentina, de onde passou a operar. No Brasil, quem gerenciava o jogo para o bicheiro, num esquema que movimentou R$ 170 milhões em seis anos, era seu braço direito Lenine Araújo de Souza. Cachoeira também contratou arapongas bastante conhecidos em Brasília, como Jairo Martins, o sargento Dadá e o ex-delegado Onésimo de Souza. Consta do inquérito da PF que pelo menos 43 agentes públicos serviam a Cachoeira.“Quem detém informação tem o poder”, dizia o bicheiro. Antes de ser preso, ele recebia mensalmente gravações e um relatório dos monitoramentos dos alvos e dava novas diretrizes de ação, inclusive a elaboração de perfis de autoridades de interesse. Boa parte disso está guardada em seu QG, a chácara em Anápolis. Este mês, dois novos vídeos circularam na imprensa. Neles, o bicheiro conversa com o deputado federal Rubens Otoni (PT- GO) sobre pagamentos para a campanha do petista. Até agora, Otoni não se explicou. A divulgação da conversa com Otoni, porém, foi uma pequena amostra do poder do bicheiro. Apenas um dos vários recados que ele enviou a Brasília desde que foi preso em fevereiro. Pessoas próximas a Cachoeira dizem que ele ainda tem muita munição. As mensagens foram captadas pela cúpula petista, que acionou o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Ele reuniu-se com a mulher de Cachoeira, Andressa, no último dia 21, e pediu que convencesse o marido a se controlar, com a promessa de que conseguiria retirá-lo da cadeia em breve. Andressa voou para Mossoró e deu o recado de Thomaz Bastos ao bicheiro. Desde então, ele silenciou à espera do habeas corpus. 

Ao mesmo tempo, porém, Carlinhos Cachoeira mandou espalhar que possui gravações contra políticos de um amplo espectro partidário. É o caso, por exemplo, dos integrantes da chamada bancada do jogo que defendia a regularização dos bingos no País. Além do deputado goiano Jovair Arantes (PTB), arrolado no inquérito da Operação Monte Carlo, mantinham contatos frequentes com Cachoeira os deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Lincoln Portela (PR-MG), Sandro Mabel (PR-GO), João Campos (PSDB-GO) e Darcísio Perondi (PMDB-RS). Todos têm mantido silêncio absoluto sobre a prisão de Cachoeira.
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ALVOS 
Segundo a PF, Cachoeira teria alimentado campanhas do governador
de Goiás, Marconi Perillo (acima), e do deputado petista Rubens Otoni (abaixo)
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A lei do silêncio foi seguida também pelo senador Demóstenes, que, além de presentes, teria recebido pelo menos R$ 1 milhão do esquema do bicheiro. Para investigar essas e outras, Demóstenes teve seu sigilo bancário quebrado pelo STF na quinta-feira 29. Outro que em breve terá de se explicar é o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo. Segundo o inquérito da PF, Cachoeira indicava pessoas para cargos de confiança no governo Perillo. A PF suspeita ainda que o dinheiro repassado por Cachoeira às campanhas de vários políticos viria não só da contravenção, mas de contratos entregues a empreiteiras para quem o bicheiro serviu de intermediário.
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Desemperra Gurgel



Mais de quatro mil processos estão paralisados no gabinete do 

procurador-geral, o que atrapalha as investigações contra 

políticos acusados de corrupção

Izabelle Torres
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SEMELHANÇA 
Atuação de Roberto Gurgel lembra a do ex-procurador Geraldo Brindeiro.
Nos tempos de FHC, Brindeiro era conhecido como engavetador
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido como o engavetador de processos e denúncias contra políticos e gente graúda. Nas suas mãos, tudo parava e a sensação era a de que quem tinha poder jamais se tornaria réu. Nove anos se passaram desde que Brindeiro deixou o cargo, mas o enredo de lentidão – e consequente impunidade – nos processos se repete. Agora sob o comando de Roberto Gurgel, o Ministério Público Federal volta a ser visto como um obstáculo ao desfecho das ações penais. A diferença entre o procurador escolhido por FHC e o indicado pela presidenta Dilma Rousseff está na forma de agir. Enquanto o primeiro arquivava os inquéritos sem constrangimentos com uma simples canetada, Roberto Gurgel fica inerte diante das acusações encaminhadas pela Polícia Federal. No caso relacionado ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Gurgel só agiu depois de pressionado pela opinião pública.

Na mesa do procurador-geral da República estão parados 4.346 processos. Entre eles, ações movidas pela PF contra pelo menos dois governadores e uma dezena de parlamentares. Um dos processos envolve o governador Pedro Dias (PP), do Amapá. Em setembro de 2010, a Operação Mãos Limpas levou-o para a cadeia sob a acusação de chefiar um esquema de desvio de recursos públicos. A operação vai completar dois anos sem que Gurgel sequer tenha oferecido denúncia contra a suposta quadrilha comandada por Dias. No Distrito Federal, o ex-governador José Roberto Arruda também segue a vida com tranquilidade graças à inação da procuradoria. Em novembro de 2009, um vídeo no qual Arruda aparecia recebendo R$ 50 mil resultou na prisão do político do DEM, que tinha índices de apoio popular que beiravam os 80%. Arruda perdeu o cargo, o partido e a liberdade por dois meses. Hoje, mais de dois anos depois, o símbolo do esquema que abalou o GDF ainda não sofreu nenhuma acusação formal pelo Ministério Público.
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IMPUNE 
Passados dois anos do escândalo do mensalão
do DEM, Arruda ainda não foi denunciado pelo MP
A lista de políticos que se beneficiam com o engavetamento dos processos não se restringe a quem Gurgel deixa de denunciar. Parlamentares réus em ações ou que respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) ganham tempo quando os casos chegam ao Ministério Público para análise do procurador-geral. A senadora Marta Suplicy (PT-SP) é um dos exemplos. Desde agosto do ano passado, um processo que investiga a participação da ex-prefeita de São Paulo em fraudes em licitações está parado no MP. O procurador também não analisou a ação que acusa o senador Romero Jucá (PMDB-RR) de crime de responsabilidade e a que denuncia o senador Lobão Filho (PMDB-MA) por formação de quadrilha e uso de documentos falsos. 

A importância do procurador-geral para o andamento de processos contra autoridades foi sintetizada pelo ministro Ayres Britto em 2011 ao julgar um pedido feito por Gurgel para arquivar uma ação envolvendo o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). “Nos casos de crime ensejador de ação penal pública, quando o chefe do Ministério Público Federal se pronuncia pelo arquivamento do inquérito ou de quaisquer peças de informação,  a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que tal pronunciamento é de ser acolhido sem possibilidade de questionamento”, escreveu Ayres Britto. Exatamente pelo motivo apontado por Ayres Britto, a conduta do atual procurador tem causado celeuma nos bastidores do STF. Ministros reclamam que os mais de quatro mil processos paralisados no gabinete de Gurgel atravancam as investigações.

As provas sumiram



Gravações que sustentavam ação no STF contra o deputado

Edson Giroto e o filho do governador de Mato Grosso do Sul 

desaparecem e comprometem a atuação da Justiça

Izabelle Torres
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O BENEFICIÁRIO 
O governador André Puccinelli teria comandado esquema
para neutralizar o candidato do PT, Semy Ferraz
No dia 19 de outubro de 2011, uma decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, pôs sob suspeita a segurança do Judiciário na proteção de provas que sustentam processos. O despacho da ministra refere-se à ação penal 605, que investiga o esquema comandado pelo governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), para neutralizar o adversário Semy Ferraz (PT), que disputava uma vaga de deputado estadual e fazia críticas abertas a ele na campanha de 2006. O processo tramitava havia cinco anos no STF, quando a ministra percebeu que as gravações que subsidiavam a denúncia feita pelo Ministério Público Federal haviam sido retiradas da ação e substituídas por dois DVDs vazios. Ao notar o sumiço dos áudios, Cármen Lúcia pediu as cópias das gravações desaparecidas e mandou apurar quem são os culpados pelo extravio de provas em benefício dos acusados. O fato inviabiliza a continuidade das investigações, pois o STF tem de atestar a autenticidade de grampos telefônicos antes de julgar o caso. “Oficie-se à 5ª Vara Federal de Campo Grande, requisitando o envio de cópias das mídias não localizadas e cuja responsabilidade deverá ser apurada”, diz a ministra.

De acordo com denúncia do MP Federal, o governador de Mato Grosso do Sul, seu filho, André Puccinelli Júnior, e seus assessores “idealizaram um plano para imputar falsamente” ao adversário do PT a acusação de crime eleitoral. Nas gravações feitas pela Polícia Federal, Puccinelli Júnior conversava com assessores e com o deputado federal Edson Giroto (PMDB-MS) sobre uma falsa lista de eleitores que seria usada para acusar o candidato do PT de compra de votos. Com base nesses diálogos, em setembro do ano passado o MP pediu a condenação de cinco pessoas por denunciação caluniosa, entre elas o próprio Giroto e o filho de André Pucinelli.
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INVESTIGAÇÃO
Em despacho, a ministra Cármem Lúcia manda apurar
quem são os culpados pelo extravio das provas
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O sumiço das fitas revelou falha na condução do caso pelo próprio STF, que não tinha feito cópias de segurança das gravações e não sabia sequer informar se as originais haviam de fato chegado ao Supremo. O problema agitou os órgãos administrativos e o clima de dúvida persiste, já que até agora ninguém conseguiu descobrir em que momento as provas foram retiradas do processo. “Pode ter sumido em qualquer lugar. Mas alguém recebeu a mídia vazia e fez de conta que não viu”, resume um alto funcionário do Supremo. Há 22 anos no STF, o ministro Marco Aurélio Mello ressalta a gravidade do fato e diz que são raros os registros de falhas como essa. Segundo ele, a responsabilidade de quem retirou a prova deve ser apurada, porque atrapalhar o trabalho da Justiça configura crime grave. “Uma vez, um sujeito engoliu uma promissória que constava no processo. Ele foi responsabilizado. Acho que o STF tem de investigar, pois essa prática impede o desfecho das ações”, diz ele.

As conversas entre o grupo de sustentação da campanha de André Puccinelli ao governo renderam cinco DVDs. Dois sumiram. Mas é justamente o que foi gravado nos dias 29 e 30 de setembro de 2006 com as conversas do filho do governador que não integra mais o processo. Segundo Semy Ferraz, o áudio desaparecido é o que mais compromete o clã de Puccinelli. “Todo mundo ficou perplexo com isso. Como parte na ação, eu tive acesso a tudo no início das investigações e não entendo como uma prova tão importante não chegou ao STF”, diz ele. Os advogados de Semy entraram com uma petição sugerindo ao STF que peça à PF as gravações originais, que estariam em poder do delegado que iniciou as investigações e teria cópias guardadas. A ministra Cármen Lúcia ainda não se posicionou sobre esse pedido. Se o fizer e receber as cópias, o processo vai ganhar novo fôlego e poderá, enfim, ser concluído. Para o bem da imagem do Judiciário.
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TRAMA 
Segundo o MP, o deputado Edson Giroto criou uma
lista de eleitores para prejudicar adversário

Calote collorido



Justiça manda Fernando Collor pagar pensões atrasadas à ex-

mulher Rosane Malta - uma pequena vitória dela na luta de

quatro anos para conseguir R$ 1,2 milhão

Izabelle Torres
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INACREDITÁVEL 
Oficiais de Justiça demoraram quase quatro anos
para notificar o ex-presidente Fernando Collor
Aos 47 anos, Rosane Malta é uma mulher decidida a reconstruir a própria vida. Desde que se separou do ex-presidente Fernando Collor, a primeira-dama do impeachment vive uma verdadeira saga. Em busca de uma pensão alimentícia determinada pela Justiça e do direito de dividir com Collor parte do patrimônio milionário acumulado durante o casamento, Rosane moveu, em 2008, duas ações contra o ex-marido. Mas a partir daí começou a provar o gosto amargo de ser adversária do poderoso senador por Alagoas. Advogados abandonaram seu processo sem maiores explicações, magistrados protelaram o desfecho do caso e depois se declararam impedidos de prosseguir com o trabalho e agora o Tribunal de Justiça demora a indicar um substituto para a juíza Nirvana Coelho, a última a desistir da ação. O drama vivido pela ex-primeira-dama é um retrato da influência política na terra dos marechais. “Aqui acontecem coisas muito estranhas, difíceis de acreditar. O Fernando controla tudo de uma forma assustadora. E ninguém tem coragem de enfrentá-lo”, diz Rosane.

A reclamação de Rosane Malta tem razão de ser. Há um ano a Justiça determinou que, na divisão de bens, ela teria direito a dois apartamentos e dois carros de luxo ou a uma indenização estimada em R$ 900 mil. Collor recorreu e o processo parou. Em outra frente, a ex-primeira-dama luta por quase dois anos de pensão alimentícia atrasada e calcula que deveria receber perto de R$ 290 mil. Como se sabe, pensão atrasada é problema sério para um cidadão comum. Mas com Collor tudo é diferente. Os oficiais de Justiça em Alagoas passaram três anos e dez meses sem notificar o atual senador, alegando que ele não estava sendo encontrado. Deram essa justificativa, embora Collor tenha endereço certo, casa de praia e cumpra expediente no Senado da República, onde preside uma comissão permanente. 

A situação só mudou na quinta-feira 22 de março, quando uma oficial de Justiça de Brasília conseguiu a assinatura de Collor no processo. A ação finalmente pôde ser retomada. Depois de despistar a oficial por seis vezes, Collor decidiu receber a citação porque, segundo pessoas ligadas ao senador, integrantes do Judiciário alagoano pediram a ele que o fizesse. O argumento era de que a protelação estava se tornando pública e deixava toda a magistratura daquele Estado sob suspeita de favorecimento. 

Collor assinou, mas não parece disposto a cumprir a decisão. Já mudou de advogados e se prepara para recorrer e protelar o fim da ação. “Mas agora sabemos como as coisas funcionam. Por isso, vamos pegar o processo que está em Brasília e levá-lo pessoalmente para Maceió”, conta o advogado de Rosane, Weider Rodrigues.
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POMO DA DISCÓRDIA 
Briga judicial envolve apartamento de Collor na praia de Jatiúca, em Maceió
Enquanto aguarda o desfecho das ações contra Fernando Collor, Rosane Malta segue fazendo planos. Quer virar empresária e começar a trabalhar. “Há um talento dentro de mim que não foi usado porque passei a vida somente acompanhando o Fernando”, diz. Rosane também pretende retomar a vida amorosa depois que deixar a mansão onde vive sozinha cercada por seguranças pagos pelo ex-presidente. “Ainda estou nessa casa porque se eu sair ele pode tomá-la de mim e me deixar até sem um lugar para morar. Mas quero me mudar para um apartamento sem lembranças do passado, que tenha a minha cara. Aqui fica difícil até encontrar um namorado”, planeja. Rosane diz que tem medo de viver na mansão e que não se sente confortável com o fato de os seguranças e o motorista que a servem serem escolhidos pelo ex-marido, com quem ela não fala há sete anos. “Não me sinto segura com essa situação. Por isso, sempre digo que se algo acontecer comigo a responsabilidade é dele”, diz.

A ex-primeira-dama do Brasil tornou-se evangélica e hoje passa os dias entre a academia, os cultos e as obras de caridade ligadas à igreja que frequenta. Segundo ela, a proximidade com a religião salvou sua vida. “Todo mundo sabe que quem se meteu no caminho do Fernando morreu. Vivas só restamos eu e a Cecília, que era macumbeira dele. Para mim, está claro que fui salva por Deus graças à minha proximidade com os evangélicos”, analisa ela. Uma vez por semana, ela organiza encontros com pastores e amigos na mansão onde mora.

Com uma vida que nem de longe lembra os luxos do tempo em que se dividia entre Miami, a Casa da Dinda e o Palácio da Alvorada, Rosane teve que aprender a fazer as contas na ponta do lápis e a viver com recursos que vão encurtando no fim do mês. Ela diz que já superou o pior e que agora dedica suas orações a pedir que o ex-marido cumpra as decisões judiciais que a favorecem. “Será minha chance de começar uma vida nova. Só quero o que a Justiça considerou meu direito. Nada mais.” O problema é que para reconstruir a vida ela terá de contar com a honestidade, a coragem e o empenho do Judiciário de Alagoas. Sua saga não parece estar perto do fim. 
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