Na fotografia – mal comparando com “Anos Dourados”, a famosa composição de Chico Buarque de Holanda e Tom Jobim feita de encomenda para a série romântica da TV Globo –, dois personagens da Bahia parecem particularmente felizes na solenidade de posse do ministro Carlos Ayres Brito na presidência do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, esta semana: a cantora Daniela Mercury, contente por cantar o Hino Nacional na festa, e Jaques Wagner (PT), governador do estado, cuja alegria surpreende em face do inferno astral que enfrenta estes dias no pedaço do País que ele governa.
Diga-se, a bem de sua excelência o fato: nas fotografias da festa, no Supremo, quase todos demonstram estar felizes, a começar pela presidente Dilma Rousseff. Ressalve-se, evidentemente, a figura macambúzia do ex-presidente do Poder Judiciário, ministro Cezar Peluso. Manteve-se o tempo todo com cara e jeito “de quem comeu e não gostou”, como dizem os soteropolitanos, mestres na arte de sorrir no sofrimento.
Peluso tem motivos de sobra para sair do comando da Corte sem se livrar do ar de enfado, azedume e mágoa, que elegeu como sua marca registrada (pelo menos desde a sova jurídica, ética e profissional que tomou da baiana desassombrada Eliana Calmon, ministra corregedora do CNJ, no episódio do Zorro e o Sargento Garcia). Mau humor piorado ainda mais, seguramente, depois das pauladas que recebeu do vice-presidente empossado do STF, ministro carioca Joaquim Barbosa – aquele que não costuma levar desaforos para casa – em resposta ao jurista paulista que, na despedida inglória, resolveu jogar seu copo cheio de rancor nas vestes de Barbosa, Eliana e Dilma.
O ministro Peluso não poderia ter escolhido adversários mais indigestos. A começar pelo colega do STF, futuro presidente da Corte Suprema, daqui a breves sete meses – ainda mais diante das tempestades que se anunciam com o julgamento dos indiciados no processo do Mensalão, que ele (bom anotar, hein!) prometeu, na entrevista à Veja, levar adiante como questão de honra durante seu curto período de mando). Depois desse curtíssimo prazo, em se tratando de justiça e política no Brasil, o afável, conciliador e romântico jurista e poeta nordestino de Sergipe deixa o posto de comando nas mãos de Joaquim Barbosa.
Cede lugar, portanto, ao aparentemente seguidor dos modelos prescritos pelo escritor Edgar Alan Poe, em narrativas magistralmente terríveis – “O Barril de Almontilado”, por exemplo. Principalmente se a questão for vingança, ou aplicação de lição exemplar e completa – sem possibilidade de troco – quando se é pública e injustamente ofendido. Diante do quadro, não é difícil prever: Cezar Peluso ainda terá muito que beber do fel que produziu em sua passagem melancólica pela presidência do STF, da entrada à despedida. A conferir.
Mas comecei estas linhas com o registro da presença da Bahia na posse de Ayres Brito e Joaquim Barbosa. Principalmente o ar de felicidade, nas fotografias congeladas ou imagens em movimento, da Rainha do Axé, Daniela Mercury, e do governador petista Jaques Wagner, na festa do meio da semana em Brasília. A singular e complexa cidade “do Arquiteto”, que aniversaria neste sábado, 21, de convulsionado mês de abril.
Daniela, uma estrela, celebridade do canto brasileiro e famosa, também, além fronteiras, quase sempre tem seus motivos próprios para sorrir e estar contente, mesmo quando a fase artística não é das melhores. Ou, pelo menos, não tão reluzente quanto já foi há bem pouco tempo. Quanto ao governador da Bahia, a história é bastante diferente. Ele próprio reconheceu, esta semana, em Salvador, o demorado período de inferno astral que tem atravessado, desde a greve da Policia Militar. Fato de péssima memória para seu governo e ele próprio, apanhado de surpresa pelo movimento e pela invasão da Assembléia baiana em seguida, quando acompanhava a presidente Dilma em visita a Cuba. O fim do movimento, com a invasão da Assembleia por tropas da Segurança Nacional, Exército e PF à frente, com prisão dos líderes, foi ainda mais desgastante e segue cercado de dúvidas e ressentimentos políticos.
Depois disso, praticamente nada deu certo para Wagner. Somado ao drama da seca, que já dura quase três anos, em algumas regiões do Estado, mas se agravou drasticamente nos últimos meses, Wagner cita o pé de guerra dos fazendeiros do sul baiano com índios Pataxó e, mais recentemente, a paralisação em andamento dos professores que deixa mais de um milhão e meio de estudantes de escolas públicas sem aulas no Estado - e o desgasta mais com a esquerda sindical - entre as principais dificuldades atuais de sua segunda gestão, em ano eleitoral.
Um dia antes de embarcar para “passar o chapéu”, em busca de recursos nos ministérios do governo federal e participar da festa no Supremo, Wagner desabafou em uma solenidade administrativa na Bahia: “Parece que, este ano, o cara lá de cima está querendo me testar”, disse o governador em lamento dirigido a São Pedro, provavelmente!
Como se vê, Wagner não tem motivos para estar feliz (embora assim pareça nas fotografias em Brasília) na posse de Ayres Brito. Salvo talvez pela alegria de estar presente na posse do antigo companheiro nas origens do PT no Nordeste. Mas a melhor explicação deve estar mesmo na genial canção de Chico e Tom: “Insanos dezembros, mas na fotografia estamos felizes”.
Vitor Hugo Soares, jornalista. E-mail: Vitor_soares1@terra.com.br