segunda-feira, 13 de janeiro de 2014




Estanislaw Castelo (*)
Divulgação

Quando é que 5 é maior que 6? É quando se assiste à Rede Globo e quando o assunto é inflação. O gráfico acima foi estampado em um grande telão do programa Conta Corrente, da Globonews, na sexta-feira (10). A inflação de 2013 foi colocada como a maior de todas, pois, na Globo, 5,91% é mais do que 5,92%. É até maior do que 6,5%.

Não se sabe se pelo erro em si ou pela imensa repercussão negativa que a manipulação gráfica grosseira alcançou na internet, o fato é que existe a promessa de que a próxima edição do programa retificará a falha e pedirá desculpas aos telespectadores.

O referido gráfico não vem da economia; não vem matemática; não vem sequer da Física Quântica. Só pode ser explicado pela insistente torcida da Rede em pintar um quadro da economia que só existe na cabeça de seus... "analistas".

Além de ruins em números, o Português dos econometralhas que servem à Globo parece que também vai de mal a pior. Todos eles maltratam o vocábulo "limite", ao dizer que os números de 2013 ultrapassaram a meta de inflação. O limite da meta de inflação para 2013 era 6,5%. Para os doutos comentaristas, uma inflação de 5,91% está fora da meta. Ôps?! Terão sido eles que fizeram o gráfico? Só assim para entender como 5,91% ficou acima de 6,5%.

Até então, todos achávamos que limite era algo que demarcava justamente o ponto de separação entre algo que está dentro e outra coisa que está fora do tal limite. Queimem os dicionários! No raciocínio feito a marretadas, o limite da meta é o meio da meta (o centro). Fica a dúvida atroz: se o limite da meta está fora da meta, para que serve então um limite?

Quando alguém disser que está "no limite", cuidado. Essa pessoa já perdeu as estribeiras. A auto-escola global recomenda que, se o limite de velocidade é de 80km/h, o ideal então é andar a 40 km/h. Quem se arrisca a correr a 60km/h deveria ser parado e multado por irresponsabilidade fiscal ao abusar do limite de velocidade.

A inflação brasileira vive uma tendência de queda. Tanto que a taxa média de inflação dos últimos três anos (governo Dilma) é a menor dos últimos 20 anos. Diante disso, a conclusão dos econometralhas é a de que os números da inflação pioraram. É injusto dizer que são tucanos. Seu bicho preferido é o jabuti, o bicho mais macroprudencial do mundo.

É uma pena o destino do gráfico feito com tanto amor e carinho pela equipe de efeitos especiais do Projac. Os mais cultos perceberam que ele foi inspirado na série "Jornada nas Estrelas". Será tudo desmontado com um frio pedido de desculpas. Pelo menos, seria bom que o tradicional "desculpe a nossa falha" cedesse lugar para o "desculpe a nossa torcida".

E isso é só o começo. Depois piora. É uma pequena demonstração do que vem por aí. Imagina na Copa!

(*) Estanislaw Castelo é especialista em semiótica, semiética, cibernética e professor de Javanês. Cronista da miséria da condição humana e de tantas outras coisas que não cabem em um rodapé.

O MUNDO ENCANTADO DE GENOINO




Assista o vídeo clicando no link a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=viFiXtIpjlo


Longe de ser um conto de fadas, a história do ex-deputado preso por envolvimento no mensalão tem capítulos escritos na pequena Vila de Quixeramobim. Lugar que guarda, além da memória do menino que lá iniciou os estudos e lavrou a terra, a dor da mãe, a saudade dos amigos e revolta dos críticos

Tentaram esconder dela a recente prisão do filho mais velho. Teimosa que só vendo, escavacou dali, espiou acolá, até dar de cara com a verdade. Estamos falando de Maria Laiz Nobre Guimarães, mãe de José Genoino (PT), condenado a seis anos e 11 meses de cadeia por envolvimento no mensalão. A professora aposentada, de 87 anos, faz questão de deixar clara sua dor. “Já fiz um bocado de coisa. Mas de tanto sofrer, eu não sou mais ninguém”.

De bengala na mão e olhar muito vivo, dona Laiz aparece como uma das personagens principais dessa jornada pela Vila Encantado, em Quixeramobim. Foi lá que o ex-deputado nasceu, iniciou os estudos, trabalhou na lavoura até largar a enxada e ir em busca de voos mais altos. Um pedacinho do sertão que guarda muito da memória do ex-presidente nacional do PT. Lugar ainda perplexo diante dos últimos acontecimentos envolvendo um dos filhos ilustres.

Um dos poucos que ainda não sabe do acontecido é Sebastião Genoino Guimarães, pai do ex-deputado. Aos 91 anos e bastante debilitado- há pouco se submeteu a uma delicada cirurgia -, ele é preservado de qualquer notícia que possa agravar seu quadro. Atualmente, alimenta-se via sonda, e pouco fala. Na sala ao fundo, sob uma penumbra, recebia os cuidados de uma enfermeira. E lançava olhares perdidos para além da porta.



Na varanda, antes mesmo de ser provocada a tocar no assunto, Laiz partiu em defesa dos filhos que, para sua decepção, enveredaram pelo rumo da política. Além de Genoino, que fez carreira em São Paulo, viu José Guimarães se tornar deputado federal pelo Ceará e líder do PT na Câmara.

“A gente tinha um açude muito grande, tinha 10 vacas leiteiras, um posto de gasolina, tinha uma cisterna, tudo ao redor de casa, mas os jornalistas vieram do nada e acabou-se. Mas a única coisa que eu tenho a dizer pra vocês é que são dois deputados pobres (Guimarães e Genoino). Eu tô contando que eu já passei por muita coisa difícil. De ficar sem dormir. Esse aqui (aponta para o marido) mandava eu ir dormir, naquela arrumação que fizeram com o Guimarães. E não era perseguição, não? Não dava pra eu ter nervoso, não? Mãe é mãe! Ficar noites sem dormir, sem saber como é que estão os filhos, pelo mundo de meu Deus”.


Vergonha e decepção

Não muito longe dali, no entanto, as opiniões já são divergentes. Para alguns, houve injustiça contra Genoino e a admiração permanece a mesma. Para outros, impossível esconder a vergonha e a decepção. Houve também quem preferisse o silêncio. Melhor não falar sobre assunto tão espinhoso. “Rapaz, aqui é um comentário medonho! Como é que pode, né? Sujar o lugar, um lugar tão bom como esse. A gente se admira, porque não era pra acontecer uma coisa dessa. O cara já ganha tão bem. Mas tem gente que não se contenta”, critica o agricultor Antônio Luiz Ribeiro da Silva, 66 anos, sentado à beira da CE-166. Construída, segundo moradores, graças à influência de Guimarães. Antônio relembra o momento em que Genoino apareceu na TV com o punho erguido, quando se entregava à Polícia Federal. “Eu não tinha essa coragem, não. Atitude de gente descarada. E vai morrer negando”, completa. Logo em seguida é interrompido pelo amigo Francisco Valdir Maia, agricultor de 63 anos. “Rapaz, tem gente que é ladrão de primeira. Não vê aí o (Paulo) Maluf. Mais ladrão que a peste e não tá preso. Não pode ser assim”, comenta.


VÍDEO
Confira acima os depoimentos gravados no Encantado com pessoas que conviveram com Genoino e falam sobre as memórias de infância e a prisão do filho mais ilustre do lugar e um dos personagens mais importantes da história do PT.


BASTIDORES


PAI DOENTE

Foi por meio da entrevista com seu Zé Amaro que ficamos sabendo que o pai de Genoino estava muito doente. Diante da fragilidade, os filhos optaram por esconder dele a prisão do primogênito. Os canais de TV agora são selecionados. A residência dos Nobre Guimarães ficava dali a poucos metros. Mas, diante da informação, resolvemos ser mais cautelosos e procurar uma das filhas que ainda mora na região: Laí Guimarães. A esperança era que ela poderia nos levar até lá, evitando causar qualquer transtorno.

O NÃO DE LAÍ

Antes de deixarmos a escola, Laí veio ao encontro da reportagem com um pedido: não ir à casa dos pais nem procurar o irmão, que mora próximo deles. Devido à idade avançada e à saúde debilitada de ambos, ela ficou com receio de que eles pudessem se alterar. A solicitação foi cumprida em parte. Decidimos ir à residência de Geovani. Deixamos o carro do O POVO a alguns metros de distância e seguimos a pé até a morada cuja entrada chama atenção pela grama bem verde.


QUEDA

O clima pesado na conversa com Geovani só foi dissipado depois que a repórter fotográfica Iana Soares tropeçou em um batente e caiu sentada no chão. “A menina caiu aqui, Valdete. Traga um copo d’água pra menina, Valdete”, aperreou-se, pedindo ajuda à esposa. Entre risos e ironias, o homem sisudo foi abrindo o coração.


SIM DE GEOVANI

Na despedida, cientes do estado em que se encontravam Laiz e Sebastião, perguntamos se poderíamos ao menos fazer uma visita a eles. Surpreendentemente, o filho Geovani atendeu ao nosso pedido, com a condição de que não mencionássemos a prisão de Genoino. Antes, outro aviso: “Se eu me meter em boca quente vou lamber uma rapadura até achar vocês”, disse, em tom de brincadeira.


TENSÃO E RISOS

Para tentar quebrar a tensão que marcou o início da visita à casa de Laiz, tentou-se até mudar de assunto. Falar da chuva, ou da seca. Não adiantou. “O que eu já passei todo mundo sabe, né? Com tanta mentira, com tanta coisa. Acho que todo mundo me admira”, diz. É então que o filho intervém na conversa e fala que a repórter Iana tinha acabado de levar uma queda. “Eu também caí um dia desses no quintal. Fui inventar de deitar uma galinha”, conta Laiz, mostrando o braço machucado. “Mas já fiz uma jura a ele (Geovani) que não pisava mais lá”. “Estão querendo mandar na senhora?”, questiona a reportagem. “Podem querer, que eu não fico parada. Passo o dia todinho andando”, brinca, arrancando gargalhadas da pequena plateia.


DESCULPAS

No fim da conversa, dona Laiz chegou a pedir desculpas pelo tratamento inicial um tanto ríspido. “Vocês vão me desculpar se eu tratei vocês mal, é que eu já fico nervosa de tanta coisa. Nesse tempo que ele (marido) teve doente em Fortaleza e nós ficamos foi tempo lá, depois veio uma recomendação aqui que não deixasse mais ninguém entrar nessa casa, a não ser pessoa conhecida. É por isso que eu tenho medo, pessoas que eu não conheço eu não gosto, não. Mas vocês desculpem aí, porque mãe é bicho pra sofrer”. Na saída da residência dos Nobre Guimarães, quem aparece é Laí, que havia pedido para não irmos lá. “Mas vocês são teimosos”, brinca.

Globo aprontou mais uma. Imagina na Copa




Quando é que 5 é maior que 6? É quando se assiste à Rede Globo e quando o assunto é inflação. É uma pequena demonstração do que vem por aí. Imagina na Copa 

Estanislaw Castelo (*)
Divulgação

Quando é que 5 é maior que 6? É quando se assiste à Rede Globo e quando o assunto é inflação. O gráfico acima foi estampado em um grande telão do programa Conta Corrente, da Globonews, na sexta-feira (10). A inflação de 2013 foi colocada como a maior de todas, pois, na Globo, 5,91% é mais do que 5,92%. É até maior do que 6,5%.

Não se sabe se pelo erro em si ou pela imensa repercussão negativa que a manipulação gráfica grosseira alcançou na internet, o fato é que existe a promessa de que a próxima edição do programa retificará a falha e pedirá desculpas aos telespectadores.

O referido gráfico não vem da economia; não vem matemática; não vem sequer da Física Quântica. Só pode ser explicado pela insistente torcida da Rede em pintar um quadro da economia que só existe na cabeça de seus... "analistas".
 
Além de ruins em números, o Português dos econometralhas que servem à Globo parece que também vai de mal a pior. Todos eles maltratam o vocábulo "limite", ao dizer que os números de 2013 ultrapassaram a meta de inflação. O limite da meta de inflação para 2013 era 6,5%. Para os doutos comentaristas, uma inflação de 5,91% está fora da meta. Ôps?! Terão sido eles que fizeram o gráfico? Só assim para entender como 5,91% ficou acima de 6,5%.
 
Até então, todos achávamos que limite era algo que demarcava justamente o ponto de separação entre algo que está dentro e outra coisa que está fora do tal limite. Queimem os dicionários! No raciocínio feito a marretadas, o limite da meta é o meio da meta (o centro). Fica a dúvida atroz: se o limite da meta está fora da meta, para que serve então um limite?
 
Quando alguém disser que está "no limite", cuidado. Essa pessoa já perdeu as estribeiras. A auto-escola global recomenda que, se o limite de velocidade é de 80km/h, o ideal então é andar a 40 km/h. Quem se arrisca a correr a 60km/h deveria ser parado e multado por irresponsabilidade fiscal ao abusar do limite de velocidade.
 
A inflação brasileira vive uma tendência de queda. Tanto que a taxa média de inflação dos últimos três anos (governo Dilma) é a menor dos últimos 20 anos. Diante disso, a conclusão dos econometralhas é a de que os números da inflação pioraram. É injusto dizer que são tucanos. Seu bicho preferido é o jabuti, o bicho mais macroprudencial do mundo.
 
É uma pena o destino do gráfico feito com tanto amor e carinho pela equipe de efeitos especiais do Projac. Os mais cultos perceberam que ele foi inspirado na série "Jornada nas Estrelas". Será tudo desmontado com um frio pedido de desculpas. Pelo menos, seria bom que o tradicional "desculpe a nossa falha" cedesse lugar para o "desculpe a nossa torcida".
 
E isso é só o começo. Depois piora. É uma pequena demonstração do que vem por aí. Imagina na Copa!
 
(*) Estanislaw Castelo é especialista em semiótica, semiética, cibernética e professor de Javanês. Cronista da miséria da condição humana e de tantas outras coisas que não cabem em um rodapé.

Com quantos oportunistas se faz um Opportunity?


Daniel Dantas não foi um acidente de percurso dos anos 90. As elites do país compraram a ideia de que o futuro tinha um preço: eliminar a presença do Estado.

por: Saul Leblon 



Arquivo

A trajetória do banqueiro Daniel Dantas, esquadrejada em minucioso trabalho jornalístico pelo repórter Rubens Valente (leia a resenha do seu livro ‘Operação Banqueiro’;  nesta pág)  reúne um repertório tão abrangente de personagens, crimes econômicos, ademais de manobras político-partidárias, policiais e jurídicas que involuntariamente pode anestesiar a percepção do leitor para um aspecto não negligenciado na narrativa.

Daniel Dantas não foi um acidente de percurso no Brasil dos anos 90.

A sociedade despedia-se então de um ciclo esgotado do seu desenvolvimento.

Tateava outro, embalada  na firme adesão de suas elites à ideia de que o atalho para o futuro tinha um preço: eliminar  qualquer coordenação democrática do Estado sobre a economia e o crescimento.

O PSDB do sociólogo e presidente Fernando Henrique Cardoso considerou que o custo era justo.

Isso não é o necrológio de uma época.

Tucanos e variações da mesma espécie, eventualmente com sotaque pernambucano, assim como progressistas arrependidos continuam  a crer  que a contrapartida  é uma bagatela.

A galinha morta, congelada durante cinco anos pela crise dos seus fundamentos, volta assim ao balcão das ofertas eleitorais como frango fresco.

Quiçá orgânico, graças às contribuições  de Marina Silva.

Não se pode subestimar a lição política extraída do relato minucioso de Valente.
Uma reforma política que dificulte ao máximo a captura das campanhas eleitorais pelos agentes do dinheiro grosso é um imperativo do regime democrático.

Mas ela não basta.

É preciso que os interesses graúdos sejam igualmente regulados pelas urnas na exata medida do que a sociedade requer das instituições e recursos por eles  dominados. 

Quem o fará?

Esse capítulo não consta, nem poderia constar do livro.

Antes que seja coligido por um autor, a disputa política terá que dizer o que o país pretende dos bancos e do sistema financeiro em geral.

Banqueiros, ao contrário do feérico Daniel Dantas, em geral são discretos.

O  papel que desempenham na engrenagem sistêmica recomenda uma rotina à  salvo dos refletores políticos e judiciais.

É  questão de segurança e de história.

O dinheiro grosso passa por eles  –às vezes literalmente, a caminho de paraísos fiscais como o das ilhas Cayman –mostra o livro;  ou embarcados em esféricas contabilidades que preservam a identidade, o patrimônio e a sonegação  de seus anônimos detentores.

Bancos e banqueiros formam uma espécie de estuário dos sucessos e  pecados expressos na forma mais desejada, arisca e versátil da riqueza -- a forma dinheiro, na qual todas as outras estão representadas. 

Não se confunda o sistema financeiro com mera tinturaria ou levedura dos endinheirados.

Ainda que seja isso também,  sua estrita regulação é crucial para que se aplique no que lhe cabe como provedor do crédito, sem o qual não há crescimento no capitalismo.

O multiplicador que permite ao banco emprestar várias vezes aquilo que de fato possui em depósitos, fia-se na certeza de que nem todos os correntistas e investidores vão sacar o seu pecúlio ao mesmo tempo.

É esse lastro de vento que permite ao crédito ser uma antecipação do futuro.

Ao irrigar a produção e o consumo permite à economia erguer-se pelos próprios cabelos, encorpando a musculatura da mais-valia na acumulação subjacente.

Boa parte da engrenagem se apoia numa cabeça de alfinete chamada confiança nos bancos.

O oposto é a corrida aos saques - capaz  de destruir um banco em questão de horas,  por conta justamente do descasamento intrínseco ao seu alicerce entre ativos e passivos, prazos e expectativas díspares.

Quando todas as variáveis  convergem para um mesmo ponto –a esquina do pânico -  o sistema financeiro quebra.

Influenciar sem se expor, sem gerar ruídos  é, portanto, o segredo desse negócio.
Daniel Dantas destoa no quesito recato.

Mas se encaixa no ditado, segundo o qual, não se deve cometer o equívoco de jogar o bebê com a água suja do banho.

A dimensão político- judicial da atabalhoada ascensão financeira não o torna um personagem menos elucidativo  da agenda cuja presença ainda pulsa tão forte na política brasileira quanto os interesses que ele expressou e muitos ainda expressam.

Esqueça a imagem do bandoleiro adestrado na rapinagem tosca.

Fundado em 1994 e tendo iniciado as operações em 1995, não por acaso seu banco levava o nome de Opportunity, conforme observa Rubens Valente com a mesma sagacidade do personagem.

Não era um banco convencional voltado ao financiamento da produção e do consumo.

Era uma ferramenta  dos novos tempos.

Esses que persistem insepultos apesar da crise brutal em que mergulharam o planeta desde 2007/2008.

A ‘oportunidade’ dos novos ares saltara aos olhos de Dantas, e outros, com a vitória do PSDB  nas eleições de 1994.

Fernando Henrique Cardoso assumiu com a mesma disposição de Collor.

Defenestrado no meio do caminho, o ‘caçador de marajás’ construído pela Globo e assemelhados, prometera privatizar 68 estatais.

Caiu quando tinha liquidado 18.

Dantas participou da formulação desse programa de governo.

Protegido de Mario Henrique Simonsen, de quem fora aluno brilhante, chegou a ser cogitado como ministro da Fazenda de Collor; do mesmo modo, e pelas mesmas mãos, participaria do plano de FHC, como conselheiro econômico do principal aliado tucano em 94 e 98, o  PFL (depois Demos).

‘O liberalismo econômico é a única solução para sairmos do impasse (...) é a saída mais rápida e eficaz, especialmente porque não exige coordenação. O governo deveria se engajar num amplo programa de privatizações . Deveríamos começar pela privatização do próprio  setor privado: fim das cotas, monopólios, subsídios.’

O trecho é de um artigo de 1988 (na Folha) do futuro banqueiro que estudou no MIT, era tido como garoto prodígio e começou no mercado administrando fortunas de endinheirados, como a do ex-presidente do Bradesco, Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha.

Compare-se com o que diz hoje a cavalaria dos colunistas que diariamente acusa o necrológio do modelo ‘intervencionista’ do PT e o anacronismo da ação desenvolvimentista do BNDES, que adicionou R$ 190 bi ao investimento da economia em 2013.

O texto de 1988 poderia ser assinado hoje  por um formulador do tucano Aécio Neves, como Edmar Bacha. Ou um guru das microreformas, como Marcos Lisboa, que há dias despejava megatons contra o que classifica de ‘o velho desenvolvimentismo do governo’, no não menos comparável jornal Valor Econômico.

O que dizem todos os assessores de Campos se não a mesma coisa  que já dizia  FHC na famosa entrevista concedida a Folha, em 13 de outubro de 1996 quando via a humanidade a caminho de um novo Renascimento – nos braços da globalização.

É forçoso reconhecer: o  sociólogo intuía a ameaça subjacente ao pacto mefistofélico feito com os ditos ‘livres mercados’.

Na ausência de contrapesos institucionais, o que aconteceria em caso de colapso financeiro global, perguntava-se?

O tucano conservador,  porém, preferiu não dar corda às especulações do sociólogo optando por  terceirizar a governança  à hegemonia dos mercados financeiros desregulados: ‘ninguém foi capaz, nem eu sou, de dizer como se resolve essa questão das "regras de governança" em nível mundial. Não tem problema se não houver tropeço grande do sistema financeiro. Aí está: você tem um conflito aqui, outro ali, mas não dá uma crise maior’.

‘Mas, e se der?’, perguntava a si mesmo.

Estamos falando, portanto,  de um metabolismo coletivo do qual Dantas foi a artéria exposta de uma época que ainda não acabou.

Seu instinto e intelecto souberam transformar o  vento de popa da desregulação ensaiada por Collor, e consumada pelo PSDB, no combustível da engrenagem faminta que o levou onde chegou. 

Longe.

De gerente de fortunas alheias, com um caixa de US$ 50 milhões, nos anos 80, no Icatu, banco pessoal da família Braga, em 1997 ele já movimentava investimentos da ordem de US$ 3,7 bilhões a bordo do Opportunity.

O ponto de mutação envolve o mergulho de cabeça  em um enredo meticulosamente decifrado no livro.

Ele reúne a determinação do governo do PSDB de privatizar portos, jazidas, telefônicas, elétricas,  petroquímicas, siderúrgicas, ferrovias – e mesmo a Petrobrás, recomendada por  Dantas, diga-se, mas salva no escândalo da Petrobrax.

À determinação tucana aliou-se a do banqueiro de não perder a exuberante oportunidade.

Para isso juntou interesses aflorados com a grande lambança rumo a um modelo de desenvolvimento menos ‘burocratizado’, dizia-se,  literalmente franqueado aos instintos capazes de explorar todas as possibilidades do cardápio.

 O City Bank foi um dos que aderiram ao menu oferecido pelo Opportunity , que se especializou em compor pools de capitais para avançar sobre as estatais de faca na boca.

No caso do City havia  um adicional de apetite: interessava ao banco desfazer-se de papéis da moratória brasileira dos anos 80.

Em vez de direitos de saque teóricos sobre uma riqueza futura, o saque em espécie do patrimônio tangível.

As regras da privatização tucana facultavam a modalidade de gula.

O banco norte-americano colocaria  entre US$ 700 milhões e US$ 1 bi nas mãos de Dantas, com quem iria se indispor no imbróglio das teles anos depois, em conflito que se repetiria entre o banqueiro e os fundos de pensão, já aqui sob a gestão do PT, em disputa de poder pelo comando das privatizadas.

A resenha de Renato Pompeu nesta página é um precioso guia para o leitor de Rubens Valente não perder o fio da meada.

São rounds e rounds de um duelo de perder o fôlego, do qual participariam direta e indiretamente não apenas o PSDB, mas também integrantes de um pedaço do PT, da PF e do judiciário.

A endogamia entre Daniel Dantas e Gilmar Mendes é um caso à parte.

Debulhada em triangulações que envolvem escritórios de advocacia interligados por pontes de interesse familiar  e favores pessoais, reúnem material suficiente para convocar a palavra escárnio.

Ela precifica os rompantes do magistrado que evocava o risco republicano de um Estado capturado pelo PT, no julgamento da AP 470.

O livro de Rubens Valente não esgota o assunto.

Não por falha do autor.

Trata-se,  como se disse acima, de uma história inconclusa.

Interesses, visões de mundos, forças políticas e personagens centrais iluminados por ele continuam a exercer e a enxergar no Brasil uma enorme oportunidade.

Tome-se o caso pedagógico do economista  Pérsio Arida, por exemplo.

Arida participou ativamente, ao lado de André Lara Rezende e outros, da formulação do Plano Real; presidiu o BNDES  –agente financeiro das privatizações—até  a posse de FHC, em janeiro de 1995, quando assumiu a presidência do Banco do Brasil.

A esposa, Elena Landau, exerceu o cargo mais específico impossível de coordenadora do programa de desestatização do BNDES.

Arida e Landau saíram do governo FHC antes de soar a campainha convocando os mercados para o rebabofe das estatais que eles ajudaram a deixar ao ponto.

Foram direto de mala e cuia trabalhar para o Opportunity  de Daniel Dantas (Landau fez um aquecimento prévio na gerencia de investimento do banco Bearn Sterns)

Arida passou a ser apresentado aos clientes como parceiro sênior do banco, atuando diretamente na frente de investimentos, leia-se, arremate de estatais.

Que nome dar a isso?

Arida, Bacha, Landau, Lisboa, Mendonças, Lara Rezende (hoje um guru do econeoliberalismo de Marina) continuam a pontificar e a pautar a agenda econômica do país, na assessoria de forças conservadoras e como referência do colunismo embarcado.

Aquilo que especulava FHC na entrevista citada de 1996  deixou de ser especulação --‘Não tem problema se não houver tropeço grande do sistema financeiro; você tem um conflito aqui, outro ali, mas não dá uma crise maior. Mas, e se der?’

Deu.

A inexistência de alternativa à altura, porém, encoraja a mesma  turma a apostar em uma nova chance em 2014.

Uma nova oportunidade - diria aquele que de todos talvez tenha sido o mais transparente em seus propósitos
.

O ensaio de golpe branco do STF



RICARDO MELO

A democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do Judiciário, em especial do Supremo
Sem ser nova na política, a expressão golpe branco tem sido atualizada constantemente. Designa artifícios que, com aura de legalidade, usurpam o poder de quem de fato deveria exercê-lo. Para ficar apenas em acontecimentos recentes: a deposição do presidente Zelaya, em Honduras (2009), e o impeachment do presidente Lugo, no Paraguai (2011). Nos dois casos, invocaram-se "preceitos constitucionais" para fulminar adversários.

O Brasil já teve momentos de golpe branco --a adoção do parlamentarismo em 1961, por exemplo. A intenção era esvaziar "constitucionalmente" João Goulart, enfiando um primeiro-ministro goela abaixo do povo. O plano ruiu temporariamente com o plebiscito de 1962, pró-presidencialismo. A partir de 1964, os escrúpulos foram mandados às favas muito antes do AI-5. Os militares trocaram a caneta pelos fuzis e o resto da história é (quase) sabido.

Hoje a situação não é igual, ainda bem. Mas é inegável que a democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do papel do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Há quem chame isto de judicialização da política. Ou quem sabe ensaio de golpe branco em vários níveis da administração.

Tome-se o ocorrido em São Paulo. A Câmara Municipal, que mal ou bem foi eleita, decidiu aumentar o IPTU. Sem entrar no mérito, o fato é que a proposta contou com os votos inclusive do PMDB --partido ao qual pertence o presidente da Fiesp, garoto propaganda da campanha contra o reajuste. O que fizeram os derrotados? Mobilizaram os eleitores?

Nem pensar. Recorreram a um punhado de desembargadores para derrubar a medida. Até o Tribunal de Contas do Município, que de Judiciário não tem nada, surfou na onda para barrar... corredores de ônibus! Tivesse o TCM a mesma agilidade para eliminar seus próprios descalabros e sinecuras, quando não a si mesmo, a população ganharia muito mais.

A decantada independência de poderes virou, de fato, sinônimo de interferência do Poder Judiciário. Tudo soa mais grave quando a expressão máxima deste, o Supremo Tribunal Federal, comporta-se como biruta de aeroporto. Muda de ideia ao sabor de ventos (mais de alguns do que de outros), e não do Direito. Ao mesmo tempo, deixa em plano secundário assuntos eminentemente da competência judiciária --como o quadro de calamidade nos presídios brasileiros.

Os casos do mensalão e assemelhados retratam os desequilíbrios. O mais recente: enquanto o processo dos petistas foi direto ao Supremo, o do cartel tucano, ao que tudo indica, será dividido entre instâncias diferentes. Outro exemplo, entre outros tantos, é a descarada assimetria de tratamento em relação a José Genoino e Roberto Jefferson.

A coisa chegou ao ponto de pura esculhambação. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, vetou recursos do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha. Com a empáfia habitual, decretou a prisão imediata do réu, mas não assinou a papelada. E daí? Lá se foi Barbosa de férias, exibindo desprezo absoluto por trâmites pelos quais ele deveria ser o primeiro a zelar. Resultado: o condenado, com prisão decretada, está solto. Mas se era para ficar solto, por que decretar a prisão do modo que foi feito? Já ações como a AP 477, que pede cadeia para o deputado Paulo Maluf, dormitam desde 2011 nos escaninhos do tribunal.

A destemperança seria apenas folclore não implicasse riscos institucionais presentes e futuros. Reconheça-se que muitas vezes vale tampar o nariz diante deste Congresso, mas entre ele e nenhum parlamento a segunda alternativa é infinitamente pior. Na vida cotidiana, as pessoas costumam se referir a chefes e autoridades como aqueles que "mandam prender e mandam soltar". No Brasil, se quiser prender alguém, o presidente da República precisa antes providenciar um mandado judicial --sorte nossa! Barbosa dispensa esta etapa: como ele "se acha" a Justiça, manda prender, soltar, demitir, chafurdar, cassar, legislar --sabe-se lá onde isto vai parar, se é que vai parar.