terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A glorificação da futilidade e o desprezo pelos homens da ciência.

Autor: Antônio Arapiraca



Publicado originalmente em: http://www.fotonblog.com/2011/01/jayme-tiomno-e-o-silencio-da-midia...







Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 o Brasil perdeu um dos mais importantes cientistas do mundo. O físico teórico Jayme Tiomno morreu aos 90 anos no Rio de Janeiro e mais uma vez não vimos sequer uma linha escrita sobre o fato nos grandes veículos de comunicação do país. Concordo que a contratação de um grande craque do futebol para um dos maiores times brasileiros possa ser a primeira página, afinal o futebol é uma paixão nacional. Uma tragédia como a da região serrana fluminense deve ocupar também as chamadas principais.



Porém, nem uma nota de rodapé noticiando a perda de um cientista da envergadura de Jayme Tiomno. Isso chega a ser uma indelicadeza, uma falta de respeito com a memória nacional.



O professor Tiomno foi um dos precursores no desenvolvimento da física no país e, juntamente com César Lattes, José Leite Lopes, Marcelo Damy, Mário Schemberg entre outros, ajudou na formação de uma sólida estrutura de pesquisa. Ele também participou da fundação de instituições como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro. Pouco é divulgado, mas o Brasil conta com uma das mais sólidas escolas em física de partículas do mundo e grandes avanços na área foram protagonizados por pesquisadores brasileiros como Jayme Tiomno. O prestigiado físico norte-americano John Archibald Wheeler declarou certa vez, em 1998, sobre Tiomno: “Eu sempre penso que Tiomno foi um físico pouco reconhecido. Seu trabalho de 1947-1949 sobre captura e decaimento de muons foi pioneiro e mereceria o devido reconhecimento via premiação adequada”[1] .



Estaria Wheeler se referindo à Real Academia de Ciências da Suécia? Sim, em carta escrita ao físico sueco Stig Gunnar Lundqvist, em 6 de fevereiro de 1987, Wheeler recomenda a inclusão de Tiomno na concessão da honraria daquele ano (o Prêmio Nobel de Física). O episódio está relatado em mais detalhes em artigo da Revista Brasileira de Ensino de Física publicado em 2003 pelos físicos José Maria Filardo Bassalo e Olival Freire Júnior, professores das Universidade Federal do Pará e da Universidade Federal da Bahia respectivamente. Neste artigo entitulado “Wheeler, Tiomno e a Física brasileira” os autores passam em revista as relações entre o físico brasileiro e o físico norte-americano, seus trabalhos em parceria e como o regime militar afetou o desenvolvimento desta ciência no país.



O reconhecimento de Wheeler não foi suficiente para o comitê do Nobel, mas o impacto dos trabalhos de Tiomno é amplamente reconhecido na literatura especializada da área. Todos os dias no mundo inteiro suas formulações são utilizadas, mesmo que no nosso país pouco se saiba sobre este e tantos outros cientistas.



Para mim foi tão espantoso a ausência de qualquer comentário acerca do assunto na grande mídia, que me debrucei teimosamente sobre algumas editorias de ciência. Nenhuma citação sobre a morte do cientista. Em lugar de uma pauta como essa, estampava na chamada principal da editoria de ciência de um “grande” jornal do país: “Cientistas criam frangos que não desenvolvem gripe aviária”. Chega a ser patético tamanho amadorismo, contra-senso e sensacionalismo. Acredito eu que o leitor, de qualquer que seja o nível, entenderia que cientistas modificam e não “criam” frangos. Com esse exemplo, talvez até Aldous Huxley, no universo ficcional do seu brilhante Admirável Mundo Novo, com seus ovos bokanovskizados, acharia mise-en-scène, factóide e deselegante a atual cobertura de ciência e tecnologia da mídia nacional.







*Antônio Arapiraca é físico, professor do CEFET/MG e editor do fóton Blog