sexta-feira, 16 de agosto de 2013

As ramificações federais


Esquema montado por empresas de transporte sobre trilhos alcançou diversos estados do País e envolveu grandes obras tocadas pelo governo federal. Ministério Público diz que cartel é generalizado 

 

Izabelle Torres
 

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O esquema clandestino montado por empresas da área de transporte sobre trilhos está longe de ser uma exclusividade paulista. Investigações e denúncias pelo país inteiro mostram que o cartel possui tentáculos em diferentes Estados e comanda algumas das maiores e mais onerosas obras públicas. O governo federal  pagou entre 2004 e 2013 mais de R$ 460 milhões para as empresas Siemens, Alstom e CAF, três das 19 empresas suspeitas de envolvimento no propinoduto paulista. Na semana passada, a procuradora da República em São Paulo, Karen Louise Jeanette Kahn, pediu acesso às investigações em andamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), alegando que há suspeitas de que o esquema chegou a grande parte do País por meio de licitações federais, especialmente na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). “Pode haver um cartel generalizado e espalhado em Estados e municípios. É preciso investigar”, disse ela.

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As suspeitas de irregularidades envolvendo empresas do escândalo do Metrô paulista em obras federais realizadas nos Estados sempre chamaram a atenção dos órgãos de fiscalização, mas os processos nunca foram concluídos. Levantamento realizado por ISTOÉ mostra que há uma relação direta entre obras tocadas por essas empresas e a abertura de investigações, como se elas fossem personagens inevitáveis desse tipo de investimento. Na Bahia, o carro-chefe da campanha do petista Jaques Wagner ao governo foi a conclusão das obras do metrô da capital, comandadas por um consórcio encabeçado pela Siemens. No ano passado, o mesmo discurso foi repetido pelo atual prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM). O metrô de Salvador é uma obra necessária à população e tem grande apelo eleitoral, mas segue levantando suspeitas de superfaturamento. Há dois anos, o Ministério Público Estadual apura o destino de mais de R$ 400 milhões que teriam sido desviados desde 1999. Em 13 anos de investimento, o metrô soteropolitano é um pequeno fantasma do que deveria ser e, no total, já consumiu mais de R$ 1 bilhão. Nas mãos de um consórcio igualmente formado pela Siemens está também a construção da Linha Sul do metrô de Fortaleza, outro projeto gigante na mira do Cade. A obra da Linha Sul, com 18 estações, custou R$ 1,5 bilhão. Desse total, o TCU estima que pelo menos R$ 150 milhões foram superfaturados e parte desse dinheiro teria sido usada para pagar facilitadores do contrato. As investigações ainda não foram concluídas.

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Os empreendimentos encabeçados por empresas investigadas por formação de cartel em obras tão milionárias quanto suspeitas incluem também o metrô de Porto Alegre. Na capital gaúcha, a  Alstom detém 93% do consórcio vencedor, em parceria com a espanhola CAF. Apesar de ainda estar em fase inicial, a obra é alvo de pelo menos três denúncias apresentadas ao Ministério Público. Uma delas, de fonte anônima, muito comum em casos dessa natureza, diz que a prefeitura suspendeu uma licitação para dar tempo ao consórcio encabeçado pela Alstom de combinar os preços para que ela fosse a única a se apresentar na licitação. As outras duas suspeitas recaem novamente sobre o superfaturamento. É que a obra está inicialmente orçada em R$ 243,7 milhões. Isso quer dizer que cada trem licitado custará quase R$ 17 milhões: preço muito superior à média de R$ 13 milhões encontrada pelos órgãos de fiscalização.

A Alstom também está presente na polêmica  transposição do rio São Francisco. A mais cara obra do governo federal foi calculada inicialmente em cerca de R$ 4,5 bilhões. A previsão de gastos já passa de R$ 8,2 bilhões, mas não há nem sequer previsão para a conclusão das obras. Pelo contrário, parte do que foi feito terá de ser reformado. A empresa francesa forneceu quatro bombas para a transposição por meio de um contrato assinado em 2007. Os custos dessas bombas são analisados pelo Tribunal de Contas da União desde 2008, mas o processo nunca foi concluído. O Ministério da Integração abriu cinco processos de investigação para apurar sobrepreços nas obras da transposição. Por enquanto, os técnicos já encontraram cobranças indevidas por parte das empresas e superfaturamento em alguns dos trechos. Irritada com o rumo das investigações, a Alstom pressionou o governo. Atribui-se a seus movimentos a demissão de sete técnicos terceirizados, responsáveis por fiscalizar os contratos.

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Os tentáculos das empresas acusadas de comandar um cartel para ganhar obras públicas chegaram também ao setor elétrico. Em Itaipu, um processo da Justiça Federal apura se funcionários da usina participaram de uma negociação com representantes da Siemens e da Alstom para liberar quase R$ 200 milhões que as empresas cobravam na Justiça desde 2002. Em Santa Catarina, as suspeitas giram em torno da Usina Hidrelétrica de Itá. O contrato da obra foi fechado em 1999 e orçado em R$ 700 milhões. A suspeita, alimentada por um processo das autoridades suíças,  é de que, para ganhar a licitação, a Alstom pagou quase R$ 5 milhões de propina. Como se vê, a abrangência dos contratos das empresas do cartel é uma preocupação para o Planalto e também para políticos dos mais variados partidos.

Os processos que a Siemens e a Alstom enfrentam no mundo inteiro demonstram que os problemas brasileiros não são um caso isolado. Investimentos em infraestrutura envolvem despesas de vulto e  tecnologias de ponta que poucos  têm competência para oferecer. São empresas de caráter monopolista, que precisam de escalas gigantescas para se sustentar. Nenhum País, isoladamente, consegue ter mercado para estimular a concorrência interna e por isso o  mercado global funciona como uma arena onde os campeões nacionais disputam a clientela de outras nações. Nessa guerra cada vez mais difícil, a maioria das empresas pratica, fora de casa, um jogo sujo que não admite em seu próprio País.

Foto: WILSON PEDROSA/AE
Fotos: Arquivo/Ag. O Globo

http://www.istoe.com.br/reportagens/319550_AS+RAMIFICACOES+FEDERAIS

Campanhas investigadas


Ministério Público e PF fazem rastreamento e encontram indícios de que parte do dinheiro desviado no escândalo do metrô pode ter alimentado campanhas do PSDB, inclusive a de FHC em 1998

 
Mário Simas Filho


O Ministério Público Federal e a PF começaram na última semana uma sigilosa investigação que, entre os procuradores, vem sendo chamada de “siga o dinheiro”. Trata-se de um nome que traduz literalmente o objetivo da missão, que consiste em fazer um minucioso cruzamento de dados já coletados em investigações feitas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, seja pela PF, pelo Ministério Público Federal e pelo MP de São Paulo, envolvendo os contratos feitos pelas empresas Alstom e Siemens com o governo de São Paulo. “Temos fortes indícios de que parte do superfaturamento de muitos contratos serviu para abastecer campanhas do PSDB desde 1998, especialmente as de Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas”, disse à ISTOÉ, na manhã da quinta-feira 15, um dos procuradores que acompanham o caso. “Mas acreditamos que com os novos dados que receberemos da Suíça e da Alemanha chegaremos também às campanhas mais recentes.” Sobre a campanha de 1998, os procuradores asseguram já ter identificado cerca de R$ 4,1 milhões que teriam saído de contas mantidas em paraísos fiscais por laranjas e consultores contratados pela Alstom para trafegar o superfaturamento de obras do Metrô, da CPTM e da Eletropaulo. “Agora que sabemos os nomes de algumas dessas empresas de fachada será possível fazer o rastreamento e chegarmos aos nomes de quem participou das operações”, diz o procurador.

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REGISTROS
Em depoimento, lobista admite que recebeu no Brasil recursos
de empresas ligadas a Alstom instaladas em paraísos fiscais

Dos cerca de R$ 4,1 milhões, os procuradores avaliam que R$ 3 milhões chegaram aos cofres do PSDB através de um tucano bicudo, já indiciado pela Polícia Federal. Trata-se do atual vereador Andréa Matarazzo, ex-ministro de FHC, secretário de Covas e Serra. Em 2008, quando explodiu o esquema de propinas da Alstom na Europa, documentos apreendidos por promotores da França mostravam que a empresa pagou “comissões” para obter negócios no governo de São Paulo. De acordo com memorandos apreendidos pela justiça francesa, a Alstom pagava propinas equivalentes a 7,5% do valor dos contratos que eram divididos entre as finanças do PSDB, o Tribunal de Contas do Estado e a Secretaria de Energia. Em 1998, época em que teriam sido assinados os contratos superfaturados, Matarazzo acumulava o comando da Secretaria de Energia e a presidência da Cesp, as principais clientes do grupo Alstom no Estado. Antes disso, em novembro de 2000, tornou-se pública uma planilha que teria listado a arrecadação de campanha não declarada pelo Diretório Nacional do PSDB. Segundo essa lista, Matarazzo seria o responsável por um repasse de R$ 3 milhões provenientes da Alstom. Ele nega. Diz que não fez arrecadação irregular de recursos e que apenas reuniu alguns empresários para obter ajuda financeira à campanha, de forma regular e declarada. Sobre o indiciamento, afirma que já recorreu judicialmente.

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REGISTROS
Em depoimento, lobista admite que recebeu no Brasil recursos de
empresas ligadas a Alstom instaladas em paraísos fiscais

Outro R$ 1,1 milhão que os procuradores já têm rastreado teria vindo de contas mantidas por empresas instaladas em paraísos fiscais. Uma dessas contas se chama Orange e o detalhamento do esquema de recebimento do dinheiro vindo da Alstom foi revelado ao Ministério Público paulista por um ex-lobista da empresa, hoje aposentado, Romeu Pinto Júnior. No depoimento a que ISTOÉ teve acesso, ele admite que recebeu no Brasil US$ 207,6 mil do Union Bancaire Privée de Zurique, em outubro de 1998, e outros US$ 298,8 mil em dezembro do mesmo. Agora, os procuradores estão seguindo outras duas remessas feitas a Pinto Júnior pelo Bank Audi de Luxemburgo, entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2002. A primeira soma US$ 245 mil e a segunda, US$ 255 mil. Todo esse dinheiro, segundo o procurador, passou por uma empresa no Uruguai chamada MCA. Além dela, a equipe está investigando contas em nome da Gateway e da Larey, ambas operadas por Arthur Teixeira, um dos lobistas delatados pela Siemens ao Cade, e identificadas como pontes para o pagamento de propinas.

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Entre os documentos que o Ministério Público Federal recebeu da Suíça e da Alemanha estão dados que podem comprometer David Zilberstein. Segundo o procurador ouvido por ISTOÉ, ele teria sido um dos pioneiros a estimular a formação de cartéis, principalmente na área de energia. Só depois de rastrear todos os dados bancários obtidos nas investigações feitas fora do País é que os procuradores pretendem começar a tomar depoimentos. Os responsáveis pelas investigações avaliam que a parte mais difícil do rastreamento será feita a partir do próximo mês, quando pretendem fazer um paralelo dos dados já levantados com o que poderá vir a ser fornecido por empresas que trabalharam nas campanhas eleitorais. 

http://www.istoe.com.br/reportagens/319545_CAMPANHAS+INVESTIGADAS

A conta do cartel em Brasília


Auditorias dos tribunais de contas do df e da união e investigações da polícia federal e do ministério público apontam Desvios de meio bilhão de reais no metrô da capital federal

 
Claudio Dantas Sequeira


Diferentes auditorias realizadas por órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas do Distrito Federal, da União e Controladoria-Geral da União (CGU), obtidas por ISTOÉ, revelam pela primeira vez a conta do rombo na capital federal com o esquema do metrô. Segundo os documentos, reforçados por relatos de fontes da Polícia Federal e do Ministério Público, os desvios podem chegar a meio bilhão de reais. O valor é superior ao das fraudes de São Paulo, onde o sistema de trens subterrâneos – com 65,3 km de rede, 58 estações e 150 trens – tem mais que o dobro do tamanho do metrô de Brasília, que, apesar da extensão de 42,4 km, opera apenas com 24 estações e 32 trens. Para chegar ao valor da soma desviada pelo esquema do metrô do DF, os investigadores levaram em conta que o preço praticado pelo consórcio Brasmetrô, liderado pela francesa Alstom, embutia as maiores margens de lucro da empresa no País, superiores a 50%, e pagamento de propina de até 10%, margem superior à recebida por agentes públicos em São Paulo.

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De acordo com técnicos do Núcleo de Fiscalização de Obras e Serviços de Engenharia do TCDF, entre 1994 e 2009, o valor contratado corrigido pela inflação seria de R$ 5,089 bilhões, dos quais R$ 4,77 bilhões haviam sido executados até então. Só as obras do trecho Taguatinga-Ceilândia “apresentaram indícios de superfaturamento da ordem de R$ 11,7 milhões”, revelou o tribunal. As obras das estações 102 Sul, 112 Sul e Guará, segundo os técnicos, “apresentaram evidências de superfaturamento da ordem de R$ 14,2 milhões”. A mesma auditoria encontrou indícios de superfaturamento também nos contratos de manutenção e apoio à operação do Metrô, de R$ 60,4 milhões, valor que atualizado totaliza R$ 85,4 milhões.

O histórico de irregularidades inclui aditamentos contratuais superiores a 25%, compras sem licitação, subcontratações e terceirização de mão de obra. O Ministério Público apura ainda por que a Alstom usou ao menos cinco CNPJs diferentes para receber mais de R$ 455 milhões em recursos do contrato do Metrô, entre 2001 e 2010, período que compreende os governos Joaquim Roriz e José Roberto Arruda. Os procuradores também avaliam as semelhanças entre o esquema tucano em SP e no DF. Lembram que Arruda, antes de chegar ao antigo PFL, rebatizado DEM, integrou as fileiras tucanas. O consórcio Brasmetrô, além da Alstom, era integrado pelas construtoras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Serveng e Odebrecht – as duas primeiras também estão no Metrô paulista, assim como a Inepar/Iesa.

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AUDITORIA
Segundo o Tribunal de Contas do DF, apenas no trecho Taguatinga-Ceilândia
e nas estações da 102 Sul, 112 Sul e Guará, as obras no metrô
de Brasília foram superfaturadas em R$ 25,9 milhões

Entre as empresas parceiras, chama a atenção dos procuradores a consultoria TCBR/Altran, autora do projeto executivo do metrô. Entre 2000 e 2010, a empresa embolsou R$ 80 milhões em contratos com o governo do Distrito Federal – boa parte relativa ao metrô. A mesma empresa foi denunciada pelo Ministério Público por fraude na licitação do projeto básico do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), de R$ 1,56 bilhão, que integrava o pacote de obras para a Copa de 2014. O MP descobriu que as únicas concorrentes Dalcon e Altran/TCBR apresentaram propostas técnicas e comerciais com “trechos idênticos”, indicando terem “todas partido de uma mesma fonte”.

A “fonte”, a que os procuradores se referiam, chama-se José Gaspar de Souza, engenheiro que assessorou, em 1991, a dupla Arruda-Roriz na elaboração do projeto do Metrô-DF e na obtenção de financiamento internacional para a obra. Durante os dois governos, Gaspar nunca se desligou do Metrô. Foi coordenador-geral das atividades de implantação do sistema, acumulando a diretoria de operação e manutenção, inclusive no governo de Cristovam Buarque (então no PT), até 1997. Em seguida, foi trabalhar como coordenador-geral de programas estratégicos do Denatran, justamente na gestão de Jurandir Fernandes, atual secretário de Transportes do governo Alckmin. Entre 2002 e 2006, ele atuou como consultor da TCBR na elaboração do Metrô Leve de Curitiba, na gestão de Beto Richa (PSDB), e na montagem do programa de transporte urbano de Palmas, então governada por Nilmar Ruiz (do velho PFL).

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Arruda chamou Gaspar para a coordenação de sua campanha e, após sua posse, em 2007, nomeou-o presidente do Metrô. O engenheiro acabou exonerado quando veio a público a fraude na licitação para beneficiar a TCBR. Criada em 1988 pelo também engenheiro Renato Grillo Ely, ligado a Arruda e Gaspar, a TCBR foi adquirida pelo grupo francês Altran em 2000, mas Ely continuou dirigindo a empresa com a ajuda de seus sócios, entre eles Antonio Augusto Huebel Rebello, que foi secretário de Cristovam Buarque. O Metrô também abrigou em seu conselho outro preposto de Arruda, o assessor Antônio Bento, preso pela Polícia Federal ao tentar subornar uma testemunha do inquérito 650, fruto da Operação Caixa de Pandora, que investigou o mensalão do DEM no DF. Pelo visto, o buraco do Metrô na capital é muito mais fundo do que se imaginava.

http://www.istoe.com.br/reportagens/319479_A+CONTA+DO+CARTEL+EM+BRASILIA

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Boa de voto, ruim de política

Em segundo lugar nas pesquisas para a Presidência da República, Marina Silva tem dificuldades para legalizar seu partido para 2014. Saiba por que e quais são suas alternativas eleitorais

Josie Jeronimo


Com o legado de 20 milhões de votos e um folgado segundo lugar nas recentes pesquisas de intenção de voto, a ex-senadora Marina Silva patina no mesmo ponto que a tirou do Ministério do Meio Ambiente há cinco anos: a política. Votos ela tem, mas não demonstra capacidade de articulação para transformar um eleitorado que provoca inveja tanto no tucano Aécio Neves como no socialista Eduardo Campos em força organizada para disputar a Presidência em 2014. Em atividade desde fevereiro, quando reuniu militantes e seguidores em Brasília para lançar a Rede de Sustentabilidade, Marina até conseguiu coletar um bom número de assinaturas – mais de 800 mil – pelo País inteiro. A dificuldade é que, até agora, menos da metade das fichas de filiação foi certificada pela Justiça Eleitoral. Pelos números obtidos durante seis meses, só um milagre pode transformar o projeto da Rede numa legenda de verdade até o dia 30 de setembro, prazo máximo para a filiação.

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O advogado do partido, Rogério Paz Lima, reclama de problemas burocráticos no processamento das fichas em São Paulo, Estado que abriga o maior número de eleitores,  e no Distrito Federal – onde Marina venceu as eleições presidenciais. O advogado afirma que até mesmo fichas de fundadores da Rede, eleitores com endereço e histórico conhecidos, foram rejeitadas. “Uma pessoa que tem tantas intenções de voto não pode ficar alijada do processo. Se Marina não disputar, não tem segundo turno.”

A hipótese de Marina ficar fora da eleição de 2014 parece pouco provável. Se a Rede não conseguir se legalizar a tempo, não faltarão legendas abertas a abrigar a candidata e seus seguidores. O presidente do  PEN (Partido Ecológico Nacional), Adilson Barroso, afirma que no dia 10 de setembro fará, pessoalmente, convite para ela se filiar à sigla verde. “Ela tem que esgotar todas as forças para criar a Rede, mas vamos fazer o convite pessoalmente. O PEN é um partido novo e foi um partido novo que elegeu Fernando Collor, em 1989”, diz. Para Barroso, a única diferença entre a Rede e o PEN é o nome. As semelhanças, de fato, incluem as próprias contradições. Como a Rede, o PEN diz que sua principal causa é a sustentabilidade, bandeira que costuma atrair boa parte do eleitorado jovem. Ao mesmo tempo, é uma sigla conservadora no campo dos costumes – condena o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo – o que pode contribuir para afastá-los. A cúpula do PEN é também ligada à igreja evangélica, como Marina.

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No momento em que a Rede parecia um partido fácil de ser construído, passou a receber  migração de tucanos, convencidos de que uma candidata com  uma tradição ambientalista teria disposição de terceirizar a administração da economia em caso de vitória em 2014. Esse processo se reforçou   depois que a educadora Maria Alice Setubal, uma das herdeiras do grupo Itaú, anunciou que se tornaria uma das principais financiadoras de uma eventual candidatura presidencial de Marina Silva. Sérgio Werlang, Ilan Goldfajn e outros economistas que ocupam ou ocuparam posição de destaque no Itaú, onde fizeram parte de sua carreira, assumiram cargos importantes na equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Um dos mais antigos aliados de José Serra, o deputado Walter Feldman, também deixou o PSDB para engajar-se na Rede, para onde transferiu uma máquina de afiliados. Outro deputado paulista, o tucano Ricardo Trípoli, com antigas preocupações ambientais, já anunciou a intenção de trocar de camisa. No entanto, o que poderia ser uma virtude, a filiação de políticos ligados aos tucanos, pode se tornar um problema futuro. A aproximação excessiva com estrelas de um partido que ocupou a Presidência da República por duas vezes e que no momento se encontra no centro das denúncias do propinoduto do Metrô de São Paulo parece pouco conveniente para Marina, pelo risco de contaminar sua imagem de não política, que tanto sucesso faz entre os jovens, com o estigma de um partido “velho”  e “tradicional” .

Caso a criação da Rede se mostre inviável, Marina ainda terá de enfrentar um desafio que faz parte de sua carreira política – a dificuldade para adaptar-se a ambientes estranhos. Sua passagem-relâmpago pelo Partido Verde deixou várias sequelas. No apogeu da crise, o ex-deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), conhecido pelo espírito conciliador, tentou afinar as relações entre Marina e o presidente do PV, deputado José Luiz Penna (PV-SP). Mas, depois que Marina deixou o partido sem avisar ninguém, a relação entre ambos tornou-se irreconciliável. Em vez de ajudar a Rede ou levar a candidatura de Marina para dentro de suas fileiras, os verdes comandados por Penna articulam candidatura própria à Presidência. A ideia é lançar Fernando Gabeira candidato. Justamente para tirar alguns votos de Marina.


http://www.istoe.com.br/reportagens/319477_BOA+DE+VOTO+RUIM+DE+POLITICA

Todos os homens do propinoduto tucano

Quem são e como operam as autoridades ligadas aos tucanos investigadas pela participação no esquema que trafegou por governos do PSDB em São Paulo


Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas 
 

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Na última semana, as investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Ministério Público mostraram a abrangência nacional do cartel na área de transporte sobre trilhos. A tramoia, concluíram as apurações, reproduziu em diversas regiões do País a sistemática observada em São Paulo, de conluio nas licitações, combinação de preços superfaturados e subcontratação de empresas derrotadas. As fraudes que atravessaram incólumes 20 anos de governos do PSDB em São Paulo carregam, no entanto, peculiaridades que as diferem substancialmente das demais que estão sendo investigadas pelas autoridades. O esquema paulista distingue-se pelo pioneirismo (começou a funcionar em 1998, em meio ao governo do tucano Mário Covas), duração, tamanho e valores envolvidos – quase meio bilhão de reais drenados durante as administrações tucanas. Porém, ainda mais importante, o escândalo do Metrô em São Paulo já tem identificada a participação de agentes públicos ligados ao partido instalado no poder. Em troca do aval para deixar as falcatruas correrem soltas e multiplicarem os lucros do cartel, quadros importantes do PSDB levaram propina e azeitaram um propinoduto que desviou recursos públicos para alimentar campanhas eleitorais.

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Ao contrário do que afirmaram o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José Serra na quinta-feira 15, servidores de primeiro e segundo escalões da administração paulista envolvidos no escândalo são ligados aos principais líderes tucanos no Estado. Isso já está claro nas investigações. Usando a velha e surrada tática política de despiste, Serra e FHC afirmaram que o esquema não contou com a participação de servidores do Estado nem beneficiou governos comandados pelo PSDB. Não é o que mostram as apurações do Ministério Público e do Cade. Pelo menos cinco autoridades envolvidas na engrenagem criminosa, hoje sob investigação por terem firmado contratos irregulares ou intermediado o recebimento de suborno, atuaram sob o comando de dois homens de confiança de José Serra e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin: seus secretários de Transportes Metropolitanos. José Luiz Portella, secretário de Serra, e Jurandir Fernandes, secretário de Alckmin, chefiaram de perto e coordenaram as atividades dos altos executivos enrolados na investigação. O grupo é composto pelos técnicos Décio Tambelli, ex-diretor de operação do Metrô e atualmente coordenador da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões da Secretaria de Transportes Metropolitanos, José Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da CPTM, Ademir Venâncio, ex- diretor de engenharia da estatal de trens, e os ex-presidentes do metrô e da CPTM, José Jorge Fagali e Sérgio Avelleda.
Segundo documentos em poder do CADE e Ministério Público, estes cinco personagens, afamados como bons quadros tucanos, se valeram de seus cargos nas estatais paulistas para atender, ao mesmo tempo, aos interesses das empresas do cartel na área de transporte sobre trilhos e às conveniências políticas de seus chefes. Em troca de benefícios para si ou para os governos tucanos, forneciam informações privilegiadas, direcionavam licitações ou faziam vista grossa para prejuízos milionários ao erário paulista em contratos superfaturados firmados pelo metrô. As investigações mostram que estes técnicos do Metrô e da CPTM transitaram pelos governos de Serra e Alckmin operando em maior ou menor grau, mas sempre a favor do esquema.

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Um dos destaques do quinteto é José Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Em um documento analisado pelo CADE, datado de 2008, Lavorente é descrito como o encarregado de receber em mãos a propina das empresas do cartel e distribuí-las aos políticos do PSDB e partidos aliados. O diretor da CPTM é pessoa da estrita confiança de Alckmin. Foi o governador de São Paulo que o promoveu ao cargo de direção na estatal de trens, em 2003. Durante o governo Serra (2007-2008), Lavorente deixou a CPTM, mas permaneceu em cargos de comando da estrutura administrativa do governo como cota de Alckmin. Com o regresso de Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes, em 2011, Lavorente reassume o posto de direção na CPTM. Além de ser apontado como o distribuidor da propina aos políticos, Lavorente responde uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que aponta superfaturamento e desrespeito à lei de licitações. O processo refere-se a um acordo fechado por meio de um aditivo, em 2005, que possibilitou a compra de 12 trens a mais do que os 30 licitados, em 1995 e só seria valido até 2000.

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O ex-diretor de Operação do Metrô e atualmente coordenador da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões da secretaria de Transportes Metropolitanos, Décio Tambelli, é outro personagem bastante ativo no esquema paulista. Segundo depoimentos feitos por ex-funcionários da Siemens ao Ministério Público de São Paulo, Tambelli está na lista dos servidores que receberam propina das companhias que firmaram contratos superfaturados com o metrô e a CPTM. Tambelli é muito próximo do secretário de Transportes, Jurandir Fernandes. Foi Fernandes que o alçou ao cargo que ocupa atualmente na administração tucana. Cabe a Tambelli, apesar de estar na mira das investigações, acompanhar e fiscalizar o andamento da linha quatro do metrô paulista, a primeira obra do setor realizada em formato de parceria público-privada. Emails obtidos por ISTOÉ mostram que, desde 2006, Tambelli já agia para defender e intermediar os interesses das empresas integrantes do cartel. Na correspondência eletrônica, em que Tambelli é mencionado, executivos da Siemens narram os acertos entre as companhias do cartel no Distrito Federal e sugerem que o acordo lá na capital seria atrelado “à subcontratação da Siemens nos lotes 1+2 da linha 4” em São Paulo. “O Ramos (funcionário do conglomerado francês Alstom) andou dizendo ao Décio Tambelli do metrô SP, que não pode mais subcontratar a Siemens depois do caso Taulois/Ben-hur (episódio em que a Siemens tirou técnicos da Alstom para se beneficiar na pontuação técnica e vencer a licitação de manutenção do metrô de Brasília)”, dizia o e-mail trocado entre os funcionários da Siemens.

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Outro homem do propinoduto tucano que goza da confiança de Jurandir Fernandes e de Alckmin é Sérgio Avelleda. Ele foi nomeado presidente do Metrô em 2011, mas seu mandato durou menos de um ano e meio. Avelleda foi afastado após a Justiça atender acusação do Ministério Público de improbidade administrativa. Ele era suspeito de colaborar em uma fraude na concorrência da Linha 5 do Metrô, ao não suspender os contratos e aditamentos da concorrência suspeita de formação de cartel. “Sua permanência no cargo, neste atual momento, apenas iria demonstrar a conivência do Poder Judiciário com as ilegalidades praticadas por administradores que não respeitam as leis, a moral e os demais princípios que devem nortear a atuação de todo agente público”, decretou a juíza Simone Gomes Casorretti, ao determinar sua demissão. Após a saída, Avelleda obteve uma liminar para ser reconduzido ao cargo e pediu demissão. Hoje é consultor na área de transporte sobre trilhos e presta serviços para empresas interessadas em fazer negócios com o governo estadual.

De acordo com as investigações, quem também ocupou papel estratégico no esquema foi Ademir Venâncio, ex-diretor da CPTM. Enquanto trabalhou na estatal, Venâncio cultivou o hábito de se reunir em casas noturnas de São Paulo com os executivos das companhias do cartel para fornecer informações internas e acertar como elas iriam participar de contratos com as empresas públicas. Ao deixar a CPTM, em meados dos anos 2000, ele resolveu investir na carreira de empresário no setor de engenharia. Mas nunca se afastou muito dos governos do PSDB de São Paulo. A Focco Engenharia, uma das empresas em que Venâncio mantém participação, amealhou, em consórcios, pelo menos 17 consultorias orçadas em R$ 131 milhões com as estatais paulistas para fiscalizar parcerias público-privadas e andamento de contratos do governo de Geraldo Alckmin. Outra companhia em nome de Venâncio que também mantém contratos com o governo de São Paulo, o Consórcio Supervisor EPBF, causa estranheza aos investigadores por possuir capital social de apenas R$ 0,01. O Ministério Público suspeita que a contratação das empresas de Venâncio pela administração tucana seja apenas uma cortina de fumaça para garantir vista grossa na execução dos serviços prestados por empresas do cartel. As mesmas que Venâncio mantinha relação quando era servidor público.

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A importância da secretaria Transportes Metropolitanos e suas estatais subordinadas, Metrô e CPTM, para o esquema fica evidente quando se observa a lógica das mudanças de suas diretorias nas transições entre as gestões de Serra e Alckmin. Ao assumir o governo em 2007, José Serra fez questão de remover os aliados de Alckmin e colocar pessoas ligadas ao seu grupo político. Um movimento que seria revertido com a volta de Alckmin em 2011. Apesar dessa dança de cadeiras, todos os integrantes do esquema permaneceram em postos importantes das duas administrações tucanas. Quem sempre operou essas movimentações e trocas de cargos, de modo a assegurar a continuidade do funcionamento do cartel, foram os secretários de Transportes Metropolitanos de Serra e Alckmin, José Luiz Portella e Jurandir Fernandes.
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Homem forte do governador Geraldo Alckmin, Fernandes começou sua trajetória política no PT de Campinas, interior de São Paulo. Chegou a ocupar o cargo de secretário municipal dos Transportes na gestão petista, mas acabou expulso do partido em 1993 e ingressou no PSDB. Por transitar com desenvoltura pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jurandir foi guindado a diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) em 2000. No ano seguinte, aproximou-se do então governador Alckmin, quando assumiu pela primeira vez o cargo de secretário estadual de Transportes Metropolitanos. Neste primeiro período à frente da pasta, tanto a CPTM quanto o Metrô firmaram contratos superfaturados com empresas do cartel. Quando Serra assume o governo paulista em 2007, Jurandir é transferido para a presidência da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano), responsável pela formulação de políticas públicas para a região metropolitana de São Paulo. Com o retorno de Alckmin ao governo estadual em 2011, Jurandir Fernandes também volta ao comando da disputada pasta. Nos últimos dias, o secretário de Transportes tem se esforçado para se desvincular dos personagens investigados no esquema do propinoduto. Fotos obtidas por ISTOÉ, no entanto, mostram Jurandir Fernandes em companhia de Lavorente e de lobistas do cartel durante encontro nas instalações da MGE Transporte em Hortolândia, interior de São Paulo. Um dos fotografados com Fernandes é Arthur Teixeira que, segundo a investigação, integra o esquema de lavagem do dinheiro da propina. Teixeira, que acompanhou a solenidade do lado do secretário Fernandes, nunca produziu um parafuso de trem, mas é o responsável pela abertura de offshores no Uruguai usadas pelo esquema. Outro companheiro de solenidades flagrado com Fernandes é Ronaldo Moriyama ex-diretor da MGE, empresa que servia de intermediária para o pagamento das comissões às autoridades e políticos. Moriyama é conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade ao subornar diretores do Metrô e CPTM, segundo depoimentos obtidos pelo Ministério Público.

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No governo Serra, quem exercia papel político idêntico ao de Jurandir Fernandes no governo Alckmin era o então secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella. Serrista de primeira hora, ele ingressou na vida pública como secretário na gestão Mário Covas. Portelinha, como é conhecido dentro do partido, é citado em uma série de e-mails trocados por executivos da Siemens. Num deles, Portella, assim como Serra, sugeriram ao conglomerado alemão Siemens que se associasse com a espanhola CAF em uma licitação para compra de 40 novos trens. O encontro teria ocorrido em um congresso internacional sobre ferrovias realizado, em 2008, na cidade de Amsterdã, capital da Holanda. Os dois temiam que eventuais disputas judiciais entre as companhias atrasassem o cronograma do projeto. Apesar de o negócio não ter se concretizado nestas condições, chama atenção que o secretário sugerisse uma prática que resulta, na maioria das vezes, em prejuízos aos cofres públicos e que já ocorria em outros contratos vencidos pelas empresas do cartel. Quem assinava os contratos do Metrô durante a gestão de Portella era José Jorge Fagali, então presidente do órgão. Ex-gerente de controle da estatal, ele teve de conviver com questionamentos sobre o fato de o seu irmão ser acusado de ter recebido cerca de US$ 10 milhões da empresa francesa Alstom. A companhia, hoje envolvida nas investigações do cartel, é uma das principais vencedoras de contratos e licitações da empresa pública.