sábado, 8 de outubro de 2011

Os 7 pecados da Igreja Católica



Quais são os motivos que explicam a galopante queda de fiéis, principalmente jovens e mulheres, no maior país católico

Rodrigo Cardoso
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Faz cerca de 140 anos que o número de católicos no Brasil segue ladeira abaixo. No século XIX, precisamente em 1872, o conglomerado de brasileiros que se assumia fiel à Igreja Católica beirava a totalidade da população, 99,7%. Durante os 100 anos seguintes, a cada década que se encerrava, aproximadamente 1% abandonava a religião. O índice dessa queda, atualmente, continua o mesmo. Mudou, porém, o fato de ele ocorrer a cada ano. Essa aceleração do declínio foi constatada pela pesquisa “Novo Mapa das Religiões”, realizada pelo Centro de Políticas Sociais da Faculdade Getulio Vargas. Ao processar microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003 e 2009, os estudiosos, capitaneados pelo economista Marcelo Neri, constataram que nesse intervalo de seis anos cerca de 6% da população deixou a religião romana – decresceu de 73,7% para 68,4%. O montante de fiéis que segue atualmente a doutrina preconizada pelo Vaticano é o mais baixo verificado no País. E, pela primeira vez na história, em alguns Estados e capitais da maior nação católica do planeta, o número de adeptos da religião não chega nem à metade dos habitantes (leia quadro). Quais seriam, então, os deslizes patrocinadores da queda do status do catolicismo entre os brasileiros, como as estatísticas não se cansam de mostrar? ISTOÉ recorreu a um colegiado de profissionais da religião, gente que pensa a Igreja, para discorrer sobre os possíveis pecados da Santa Madre. Eis os sete principais confessados.
1 Romanização da Igreja
É cantada em prosa e verso, já há algum tempo, a rejeição dos fiéis contemporâneos a autoridades religiosas que impõem doutrinas e ritos. Imposição, obrigação e restrição são palavras proscritas em um cenário no qual cada vez mais as pessoas se habilitam a estar no comando do próprio destino. A Igreja Católica, no entanto, caminha na direção oposta. Vive um momento de reinstitucionalização de seus fiéis, de os disciplinar para que aprofundem a sua fé. Os bispos defendem um contato maior com os bens religiosos, como missas e novenas. Esse processo preconizado pelo Vaticano é conhecido como romanização do catolicismo. “Bento XVI prefere uma Igreja menor e mais atuante em vez de uma maior sem atuação coerente e consistente”, afirma o cientista da religião Jung Mo Sung, da Universidade Metodista do Estado de São Paulo (Umesp). “A estratégia fortalece o fervor de uma minoria praticante, mas traz uma consequência não intencional da perda de adesão de católicos difusos.” 

Esse efeito-rebote, somado à procura cada vez maior da população por curas e milagres que resolvam rapidamente seus problemas, tem levado esses católicos a migrar para outras denominações ou encorpar o grupo dos que fazem contato com o divino sem o intermédio de uma instituição. “A Igreja prefere que as pessoas que buscam soluções imediatas por meio de milagres não permaneçam nela”, diz o teólogo jesuíta João Batista Libanio. Diminui-se o número de católicos, mas, por outro lado, aumenta-se o dos praticantes conscientes. 
2 Supermercado católico
Párocos têm relatado que seus templos estão existindo à imagem e semelhança de supermercados. Percebem que é cada vez maior o número de fiéis que procuram a igreja ocasionalmente, em busca de serviços religiosos como casamentos, missas de sétimo dia, batizados e bênçãos de lugares e objetos. Tratado como produto, o casamento, só para citar um dos “bens” católicos, se torna um evento alheio à doutrina. “Há casais que trazem o CD da novela que faz sucesso para tocar na cerimônia. Se você se nega, alguns inconformados batem boca com você, viram as costas e procuram quem o faça”, conta o padre José João da Silva, da paróquia São José Operário, em Itaquera, na zona leste da cidade de São Paulo. “Vivemos uma igreja fast-food.”

Nessa lógica de mercado, missa de sétimo dia tem se transformado em uma grande assembleia de gente que só foi ao templo por conta da ocasião e não está preocupada com o significado do ritual. Quanto aos batizados, explica o cônego Celso Pedro da Silva, da paróquia Santa Rita de Cássia, do Pari, zona norte de São Paulo, a Igreja supõe que quem quer que o filho se insira nela antes do uso da razão o faz porque dela faz parte e aceita suas regras. “O mesmo vale para a primeira comunhão, mas muitos pais não têm vínculos efetivos, nem foram casados na Igreja”, diz ele. “Acredito que uma dificuldade do catolicismo seja saber que o povo católico não é evangelizado e, mesmo assim, se comportar na prática como se ele fosse”, diz o cônego. O padre João Carlos Almeida, teólogo e diretor da Faculdade Dehoniana (SP), foi vigário paroquial no Santuário São Judas Tadeu, na capital paulista, por três anos. E conta que passava quase o dia todo atendendo a confissões e abençoando automóveis. “Muita gente trazia seu carro recém-comprado para ser benzido e ia embora. Poucos rezavam ou participavam de uma missa”, lembra. Com a oferta religiosa na vitrine, católicos assistem a seus fiéis se afastando dos vínculos espirituais.
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LINHA DURA
Bento XVI recrudesceu a disciplina, para manter a coerência da doutrina
3 Fuga de mulheres
Está lá no “Novo Mapa das Religiões”. Entre as 25 denominações pesquisadas, apenas no catolicismo a mulher não constitui a maioria dos adeptos (leia quadro à pág. 70). Entre evangélicos, espíritas, religiões de matriz africana, oriental e asiática, elas superam os fiéis do sexo masculino. As católicas, porém, são cerca de 67,9%, enquanto os homens são 68,9%. Neri, o organizador do estudo da FGV, atribui o resultado, entre outras interpretações, ao fato de as alterações no estilo de vida feminino ocorridas nos últimos 30 anos não terem encontrado eco na doutrina católica, menos afeita a mudanças. De fato, seguem engessadas na Igreja, só para citar três tabus, as questões sobre os métodos contraceptivos, o divórcio e o aborto. 

De acordo com o teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o catolicismo não gosta da mulher. “Ao que parece, elas, mal-amadas que são pela Igreja, estão se autorizando a não gostar da religião, a reagir”, diz ele. Seu colega de PUC, o padre e psicólogo João Edénio dos Reis Valle, afirma não ter dúvida de que a questão de gênero pesa na constante diminuição do número de católicos no País. “Ela pesa em especial nas mulheres de classes mais instruídas e em melhor posição socioeconômica”, afirma. “Essas não só percebem como discutem e não aceitam as posições da Igreja em relação a uma série de questões que as afetam.” E conclui discorrendo sobre a não participação clerical feminina. “Elas reivindicam um papel novo e ativo na vida da instituição.”
4 Escândalo de pedofilia
Em 2002, um grupo de mais de 500 pessoas levou à Justiça americana denúncias de abusos sexuais cometidos por sacerdotes e membros da arquidiocese de Boston, nos Estados Unidos. Esse escândalo foi a chama que fez arder uma fogueira de denúncias mundo afora, inclusive no Brasil. Na Irlanda, só para dar a dimensão do problema, a pedofilia acobertada por seis décadas pela hierarquia católica local foi tachada pela Anistia Internacional como o maior crime contra os direitos humanos já registrado na história daquele país. Para uma instituição que tem como bandeira a verdade sobre o mundo, ser atingida por problemas éticos que constituem crime representou um duro golpe. E a mazela dos escândalos de abuso sexual envolvendo crianças afastou muitos simpatizantes do catolicismo. É o que defende o cientista da religião Sung. “O militante não terá sua fé abalada. Mas os que se sentiam católicos por uma afinidade de infância ou inspirados em alguma figura pública podem ter deixado de ser por causa desses fatos.” 

Para piorar, a Igreja não foi hábil na cicatrização da ferida. “Ela trabalhou a questão na base do segredo e do corporativismo. A lógica interna de uma instituição que se protege e não ventila o problema levou a ampliar o fenômeno, tornando-o uma sensação nos meios de comunicação”, afirma a socióloga da religião Brenda Carranza, da PUC de Campinas. Só há pouco tempo Bento XVI decidiu ordenar que os bispos abrissem normativas internas contra padres suspeitos de ser pedófilos e informassem as autoridades civis. Em setembro, ao visitar sua terra natal, a Alemanha, que perdeu 180 mil adeptos no ano passado por conta dos abusos sexuais praticados por sacerdotes, disse: “Posso compreender que, em vista de tais informações, alguém diga: ‘Esta já não é a minha Igreja.’”
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ÓRFÃOS 
Os católicos sentem falta de líderes inspiradores, como dom Paulo Evaristo Arns
5 Ausência de lideranças
Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, falecido em 1999 aos 90 anos, foi quatro vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar brasileira, homem de vida simples que morava no quartinho de uma sacristia no Recife, ele foi um expoente internacional da Igreja Católica. Multidões se mobilizaram ao seu redor, no Brasil e na Europa, para ouvi-lo. Atualmente, porém, não há entre o colegiado católico nacional símbolos como dom Hélder, capaz de cooptar fiéis por meio do exemplo. “Numa sociedade moderna, em que a adesão à religião acontece por opção pessoal, é preciso que haja nomes admirados publicamente”, diz Sung, da Umesp. As grandes figuras católicas da atualidade são os padres cantores. Eles, porém, fazem eco entre os católicos militantes, explica Sung, mas não são referência para setores não atuantes do catolicismo. A Igreja deixou de ser representativa entre os brasileiros como algo a ser admirado há quase duas décadas. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal emérito de São Paulo que lutou contra a tortura e os maus-tratos a presos políticos durante a ditadura, e uma dessas figuras que inspiraram muitos católicos, se aposentou em 1998. “Dom Paulo é uma personalidade que enfrentou um regime militar, criava afinidade entre o povo e a instituição”, afirma o padre Libanio. Aos 90 anos, Arns vive recluso em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, enquanto sacerdotes empunham microfones para cantar e fazer coreografias de suas músicas no altar.
6 Comunicação centralizada
Há comunidades dentro do catolicismo que lançam mão de tecnologias para se relacionar com os jovens. Elas têm escancarado à Igreja, segundo a socióloga da religião Brenda, que não é mais possível seguir com a ideia de que o fiel se encontra na paróquia. Estabelecida em sua maioria em grandes centros urbanos, essa turma mais nova sofre com o impacto da mobilidade, do crescimento acelerado, do consumo exacerbado, enfim, elementos que a fazem estabelecer relação com a crença muitas vezes a distância. Para a professora da PUC, a noção de participação das novas gerações urbanas é pautada pela afinidade. O jovem busca uma instituição quando se identifica com ela, independentemente da proximidade física. “Mas a noção da Igreja de paróquia é territorial”, diz Brenda. Para o padre Libanio, enxergar as demandas da população e repensar até onde a religião pode ir na direção delas é o caminho para o futuro do catolicismo. “Os fiéis querem aquilo que os satisfaz e têm buscado muito o mundo virtual”, diz ele. “A Igreja Católica tem de repensar a sua estrutura paroquial.”
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MANCHA
Protesto contra os casos de pedofilia: a Igreja não soube assumir a crise
7 Perda de identidade social
Houve um tempo, em muitas cidades do interior do País principalmente, que frequentar uma igreja era condição obrigatória para quem quisesse engatar um relacionamento amoroso sério. Quantos garotos não foram riscados por potenciais sogras da lista de pretendentes pelo fato de não irem à missa? Assumir-se membro de uma entidade religiosa – católica, de preferência – conferia pertençer a um grupo social. Diante da pressão para uma definição religiosa, muita gente tendia a assumir a crença na qual havia sido batizado, mesmo que exercitasse também a sua fé em terreiros de umbanda ou centros espíritas. “Católico era o imenso guarda-chuva cultural e religioso que permitia o trânsito espiritual”, diz Brenda Carranza, da PUC. Com a disseminação do processo de secularização no campo religioso nacional, essa prática foi ficando obsoleta. A possibilidade de expressar a fé livre de preconceitos tem feito com que cada vez mais os brasileiros, quando submetidos a censos, assumam que não seguem os dogmas defendidos pela Santa Sé ou mesmo nenhum credo – daí o grupo dos sem-religião também estar em crescimento. O catolicismo, então, perdeu a status de produtor de identidade social.
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Cacciola quer voltar para a Itália



Flagrado por ISTOÉ vivendo uma vida discreta no Rio, o ex-banqueiro pleiteia o indulto para deixar o País, mas enfrenta o MP, que quer vê-lo preso

Michel Alecrim e Wilson Aquino
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PELAS RUAS DO RIO
Em liberdade condicional, Cacciola costuma frequentar o
Centro Empresarial Barra Shopping. Na segunda-feira 3, o ex-banqueiro  fez
compras na Osklen, em Ipanema, loja frequentada por descolados de meia-idade
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Logo que deixou o complexo penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, o ex-banqueiro Salvatore Alberto Cacciola, 67 anos, protagonista de um dos maiores escândalos financeiros do Brasil, o caso Marka, comemorou a liberdade condicional com um churrasco em uma casa no luxuoso condomínio Vale Verde do Cuiabá, em Itaipava, região serrana do Rio. A casa, que pertence a sua ex-mulher, é, no entanto, um refúgio eventual para ele. O cotidiano de Cacciola tem sido bem menos suntuoso e bucólico, como constatou a reportagem de ISTOÉ, que acompanhou os passos do ex-banqueiro milionário durante duas semanas. Cacciola mora com a namorada, a advogada gaúcha Mirela Hermes, num apart-hotel localizado na Barra da Tijuca. Costuma sair pouco desse imóvel de dois quartos, registrado em seu nome, e até adquiriu o hábito de cozinhar para passar o tempo. Na sexta-feira 30, Cacciola estava pre­parando uma refeição quando um oficial de Justiça bateu à porta para certificar que ele realmente residia no endereço que fornecera à Justiça. Segundo vizinhos, o ex-banqueiro procura horários alternativos, quando há menos movimento de moradores, para usufruir da área de lazer do prédio que tem piscina, churrasqueira, jardim, salão de beleza, sala de ginástica, sauna, quadra poliesportiva e salão de jogos. “Moro na mesma coluna e usamos o mesmo elevador, mas mesmo assim sei pouco dele”, disse uma mulher que pediu anonimato. “Já o vi malhando”, contou outra. Quando sai, Cacciola não é mais o frequentador de ambientes esfuziantes como acontecia em outros tempos. Para almoçar, em geral prefere o restaurante Blu, uma casa de carnes localizada num condomínio da Barra. Na segunda-feira 3, ele foi flagrado numa loja de bicicletas – costuma caminhar ou pedalar pelo menos duas vezes por semana – e fazendo compras na loja de roupas Osklen, em Ipanema. Agora discreto, Cacciola evita aglomerações e pontos muito badalados. 

A opção pela reclusão é perfeitamente explicável. Antes de ser preso e fugir para a Itália, no início dos anos 2000, Cacciola era uma espécie de amigo do rei. Aqui era sua Pasárgada, o lugar imaginário que “tudo tem” e onde o privilegiado tudo pode, celebrizado nos versos de Manuel Bandeira. Riquíssimo, casado com uma ex-miss Brasil, Cacciola era homem do luxo e do poder. Podia ligar de seu telefone pessoal para autoridades de Brasília fazendo ameaças, como aconteceu no célebre episódio do Marka, quando tentou evitar a bancarrota de seu banco de investimentos numa conversa desaforada em que tratava o economista Chico Lopes, então presidente do Banco Central, como um subalterno. Cacciola circulava livre, leve e solto pelos corredores das altas finanças e conversava dia e noite com pesos-pesados do PIB nacional. Menos de 11 anos depois, o cenário é diametralmente oposto. Hoje, além de ser monitorado por autoridades policiais, dificilmente Cacciola transita pelas ruas do Rio de Janeiro sem ser observado. Seja por jornalistas, seja por curiosos. Ele sabe que, aqui, sempre correrá o risco de ser reconhecido e ofendido nas ruas como um símbolo de cabeludos escândalos financeiros que envergonharam o País. De seus tempos de ex-banqueiro restam poucas regalias, como o motorista particular para dirigir o Hyundai Veracruz. De acordo com as regras do sistema presidiário, Cacciola não pode ficar na rua após as 23 horas e por isso quase nem faz programas noturnos. Também, nesta nova vida brasileira, lhe faltam companhias para as atividades festivas – antigos companheiros, hoje, evitam qualquer proximidade com ele. Por exemplo: na época de fausto, nos anos 1990, Cacciola era um reconhecido amigo da família Medina, no Rio de Janeiro. Agora pouca gente daquela turma gosta de lembrar desse fato: “Meu irmão, Roberto, era vizinho dele, mas não tínhamos muito contato”, afirmou à ISTOÉ o ex-deputado Rubem Medina.
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ESPORTISTA
A loja de bicicletas é um dos points de Cacciola, que pedala duas vezes por semana
Não é por acaso, portanto, que esse italiano naturalizado brasileiro quer voltar a seu país de nascimento. Cacciola pretende conseguir o indulto natalino para retornar à dolce vita italiana que levava antes de ser preso. Condenado a 13 anos de prisão, em 2005, por um rombo de cerca de R$ 1,5 bilhão nos cofres públicos, ele poderá sair do Brasil sem nunca ter ressarcido um centavo ao erário. Foi em Roma que ele se escondeu da polícia durante sete anos até ser capturado pela Interpol, em 2007, durante um passeio em Mônaco. Ao contrário do ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que lutou incansavelmente para não ser mandado de volta para a Itália, Cacciola conta os dias para retornar. Em primeira análise, depende de uma canetada da presidente Dilma Rousseff, a quem caberia subscrever o decreto para indultar sentenciados. Na prática, porém, a palavra final é do juiz da Vara de Execuções Penais (VEP), que analisa a situação do presidiário e decide se ele merece ou não o perdão. 

Cacciola não tem muito do que reclamar da Justiça brasileira. Apesar de ter cumprido somente quatro anos da pena por peculato e gestão fraudulenta, o ex-banqueiro, que conta com os serviços de sete advogados, ganhou a liberdade condicional no fim de agosto graças a uma sucessão de benefícios legais. No ano passado, pediu e conseguiu redução da pena através do indulto natalino. Este ano, vai tentar se beneficiar de novo, desta vez com o perdão total. “Em função da redução da pena é que ele conseguiu o livramento condicional, pois não tinha ainda cumprido o tempo em prisão necessário para isso” reclama o promotor de Justiça do Rio Fabiano Rangel. Antes de sair do presídio de Bangu, no Rio, o ex-banqueiro foi entrevistado pela psicóloga Creuza Barros da Silva durante o exame criminológico. Ao ser questionado sobre suas perspectivas futuras, respondeu, segundo as palavras da psicóloga no processo a que ISTOÉ teve acesso, “que pretende cumprir as exigências para a condicional, que vai manter-se com a renda da companheira e com a ajuda do irmão e empresário – Renato Cacciola, dono da fábrica e rede de lojas de móveis Lacca - até o final de 2011” . Também deixou claro que, “caso ganhe o indulto, voltará para a Itália”. Isto não é difícil de acontecer. “Um defensor, advogado ou o próprio apenado pode requerer ao juiz a concessão do benefício e somente após ouvir o Conselho Penitenciário e o Ministério Público é que o juiz decide”, explica a presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio, Maíra Costa Fernandes. Cacciola, segundo ela, se enquadra no critério definido pelo artigo 1º do decreto de 2010, que no inciso 3º prevê a concessão do perdão às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade superior a oito anos e que tenham completado 60 anos de idade e cumprido um terço da pena.
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Apart-hotel de dois quartos, localizado na Barra, é o novo abrigo
do ex-banqueiro. Cacciola mora no imóvel com a namorada
O eventual perdão na esfera criminal, no entanto, não se estende aos processos que Cacciola enfrenta na esfera civil. Seu patrimônio identificado foi bloqueado (leia quadro) pelo Senado, que tenta reverter os bens para a União. A participação dele em outras 14 empresas no Brasil e Exterior, bem como um imóvel de três andares em Roma, na Itália, está na categoria “em verificação”. Se depender do Ministério Público do Rio, em vez de voltar para a Itália, onde é proprietário de um próspero negócio, o Hotel Fourtyseven, um dos melhores de Roma, o ex-banqueiro retorna para a cadeia. De acordo com o promotor de Justiça Fabiano Rangel, há duas ações contestando a redução da pena antes do término do processo. “Ainda acreditamos na possibilidade da reformulação. Nesse caso, o livramento condicional acaba caindo”, diz ele. 

A debacle de Cacciola começou em 1999, quando ele percebeu que seu banco ia falir em função de apostas equivocadas no mercado de câmbio. Arrogante, ele foi a Brasília exigir socorro do Banco Central exibindo um trunfo a tiracolo: o consultor Luís Augusto Bragança, amigo de infância e compadre do então presidente do BC, Francisco Lopes. Bragança, que também é irmão de um dos sócios da consultoria Macrométrica, fundada por Lopes, teve êxito completo em seus contatos. Conseguiu que o BC, como uma mãe generosa, usasse uma gigantesca quantia de recursos públicos para salvar o Marka. Foi permitido que Cacciola remetesse US$ 13 milhões para contas no Exterior sob o pretexto de liquidar passivos do banco (que mais tarde foram avaliados em apenas US$ 180 mil). Em função do encerramento de atividades do Marka, o ex-banqueiro ainda obteve a devolução de R$ 2 milhões que compunham sua conta “reserva bancária”. A divulgação dessas vantagens procovou um escândalo que terminou com a queda de Chico Lopes do BC. 

Os ex-clientes, vítimas das falcatruas do Marka, não aceitam que Cacciola saia do País sem pagar suas contas. Eles estão indignados, segundo o médico Luiz Eduardo Fernandes, que representa a associação de investidores prejudicados no caso: “Perdi minhas economias de dez anos”, relembra Fernandes. “Junto com o fundo do banco foi-se até o dinheiro da faculdade do meu filho.” Para Fernandes e outros ex-investidores, quem realmente merece um presente de Natal são as vítimas e não o algoz. 
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