sexta-feira, 1 de julho de 2011

No rastro de Battisti



Condenado por tráfico de drogas em seu país, o italiano Alfredo Ugo Filocamo recorre a argumentos semelhantes aos usados pelo ex-terrorista para se livrar da extradição

Flávio Costa
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SENTENÇA
Documentos italianos e brasileiros comprovam que Filocamo (na foto à esq.) foi
condenado a mais de 16 anos por tráfico de drogas. Itália nega vínculo político
Pai de duas filhas brasileiras, de 21 e 18 anos, o boliviano Manuel Morales Rocha vivia há mais de 20 anos em cidades da Grande Salvador trabalhando como empreiteiro e corretor de imóveis de pequeno porte até ser preso por agentes da Polícia Federal. Revelou-se então uma história desconhecida até por sua família: ele, na verdade, se chama Alfredo Ugo Filocamo, é italiano e está condenado em seu país natal a 16 anos de prisão por tráfico de haxixe da Espanha para Itália. Filocamo diz que mora no Brasil desde 1989, vindo da Bolívia, onde obteve a identidade com a qual foi preso no ano passado. Antes, esteve na Espanha, país no qual teria formado uma quadrilha de traficantes, segundo a polícia italiana. Ele nega a acusação e diz que está sendo perseguido porque manteve relações próximas com o ex-premiê Bettino Craxi (1983-87) e teve acesso ao conteúdo de documentos sigilosos, que o governo italiano não quer que venha à tona. Apesar de imprimir uma conotação política ao seu caso, nenhuma organização ou partido italianos saíram em sua defesa.

Detido há mais de um ano no Complexo Penitenciário de Salvador, onde recebe medicação decorrente de problemas renais e hipertensão, Filocamo, hoje com 61 anos, acrescentou ingredientes dignos de um thriller político a sua já intrincada história. Ele revelou ter sido segurança particular do outrora poderoso Bettino Craxi. Por conta dessa proximidade, garante ser “conhecedor de segredos obscuros da política italiana”, como afirma em uma carta anexada por sua defesa no processo de extradição para a Itália que tramita contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo conteúdo ISTOÉ teve acesso. Há paralelos com o caso do também italiano Cesare Battisti. Ambos negam a autoria dos crimes que lhe são imputados – no caso de Battisti, quatro assassinatos – e atribuem as condenações, à revelia, às suas antigas atividades políticas nos conturbados anos 1970 e 80 da República Italiana. A diferença essencial está no desfecho de cada processo de extradição – Battistti recebeu autorização do Ministério da Justiça para morar no País, após um longo imbróglio judiciário. Já Filocamo está cada vez mais perto de cumprir pena. Em maio, o STF autorizou sua extradição. A defesa recorreu na semana passada. Além disso, Battisti é reconhecidamente um ex-militante político, pelo qual várias entidades nacionais e internacionais saíram em defesa. Isso não ocorre com Filicamo.

O italiano que viveu na Bahia afirma que se tornou segurança particular de Craxi em 1978. Também era emissário de documentos secretos e de dinheiro para o exterior, notadamente Tunísia, país onde Craxi iria se exilar tempos depois. “Fui eu que separei os dossiês sem importância dos verdadeiramente quentes. Os fatos e nomes que li envolviam muitas coisas sigilosas”, afirma Filocamo. O italiano diz que fugiu da Itália para preservar sua vida e escondeu a identidade de todos, a ponto de sua filha mais velha ostentar em um dos braços uma tatuagem em sua homenagem, onde se lê Manuel Morales Rocha, o nome falso adotado pelo pai.

Filocamo ofereceu revelar o “tudo o que sabe” ao STF. Mas a relatora do caso, a ministra Carmen Lúcia, votou pela extradição, seguindo parecer da Procuradoria-Geral da República. O voto foi acompanhado por unanimidade. “A associação eventual do extraditando com o antigo premiê italiano não basta por si só para atribuir coloração política aos fatos”, definiu o ministro Celso de Mello, na sessão de julgamento.“Gato escaldado” por conta do caso Battisti, o governo italiano rechaça qualquer componente político na questão que envolve Filocamo. “Desconhecemos qualquer ligação política dele”, afirma Pasquale Matafora, responsável pela cooperação jurídica da Embaixada Italiana no Brasil. “Não há sentença definitiva contra ele, como reconheceu a Corte de Apelação de Turim, e pela nossa legislação o crime já teria sido prescrito”, rebate o advogado de defesa George Vieira Dantas. Não há prazo para o julgamento dos recursos. Caso o STF mantenha a decisão, o governo italiano tem 20 dias para efetuar a extradição. Enquanto isso, a família brasileira de Filocamo recolhe assinaturas em Salvador para convencer a Justiça a mantê-lo no País. Em nome de Manuel e de Alfredo. 
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Um hacker que abala a república



Polícia Federal tenta enquadrar jovem da periferia de Brasília que invadiu os computadores da presidente, copiou 25 mil e-mails do ex-ministro José Dirceu e tentou vender as informações sigilosas para a oposição

Lúcio Vaz
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O HACKER E O POLÍTICO
Douglas (acima) teria mostrado emails de figurões da República para o
presidente do DEM do DF, Alberto Fraga (abaixo), que manteve o crime sob sigilo
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Na sexta-feira 1º, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, determinou uma missão a ser cumprida rapidamente pela Polícia Federal: apurar detalhes de como agiu e enquadrar criminalmente um hacker que tem deixado figurões da República em estado de alerta e também punir seus eventuais cúmplices. A última vítima das bisbilhotices eletrônicas do rapaz que se identifica como Douglas, diz morar em Taguatinga – cidade satélite de Brasília –, e que nos últimos dias vinha se gabando por ter invadido o computador da presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral do ano passado, é o ex-ministro José Dirceu. Segundo o colunista Guilherme Barros, do portal IG, 25 mil e-mails de Dirceu foram acessados e copiados pelo hacker. O ex-ministro descobriu que fora alvo da invasão na segunda-feira 27. “Eram 9 horas quando liguei o computador e o acesso ao correio eletrônico estava bloqueado”, disse o ex-ministro. “Liguei para o UOL (provedor) e soube que alguém havia usado meu CPF, meu RG e meu endereço e com isso alterou a senha e passou a ter acesso a todas as minhas mensagens”. Segundo Dirceu, os técnicos do provedor lhe informaram que a invasão ocorreu às 2h09 da segunda-feira 27 e durou cerca de sete horas. “Quando solicitei o número do telefone e o IP do computador de quem invadiu o sistema, me disseram que essa informação só pode ser fornecida com autorização judicial”, reclama o ex-ministro, que já escalou um grupo de advogados para tratar do caso. Na sexta-feira 1º, a direção do UOL informou que está fazendo investigações internas e que não iria se manifestar. “Ainda bem que em meus e-mails não há nada que não possa ser público”, afirmou o ex-ministro, ainda sem saber que essa não fora a primeira invasão feita em seus computadores.
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VÍTIMAS
A presidente Dilma e o ex-ministro Dirceu:
computadores invadidos e correspondência violada
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Já se sabe que o hacker procurou o ex-deputado Alberto Fraga, presidente do DEM do Distrito Federal, para vender sua muamba por R$ 300 mil. Antes, ele teria procurado líderes do PSDB e oferecido o material por um valor superior. O relato que Fraga faz do episódio é uma verdadeira aula de como figuras públicas são capazes de acobertar crimes, quando acreditam que podem se beneficiar deles. Fraga admitiu a ISTOÉ que recebeu e gravou telefonema do hacker no dia 9 de junho. O rapaz dizia ter cópias de e-mails comprometedores de figuras públicas. Qual a reação do líder partidário? Ao contrário do que se poderia esperar de um cidadão de bem, Fraga admite que gostou da história. “Venha até aqui”, respondeu ao rapaz. De fato, no dia 13, se encontrou com o vigarista na sede do Democratas, no Setor Comercial Sul, de Brasília. “Tenho e-mail da presidente Dilma. São uns 600”, disse Douglas, conforme o relato de Fraga. Então, o ex-deputado se empertiga e relata a razão de ter recusado a muamba: faltava-lhe imunidade para o crime. “Se eu tivesse mandato, faria a República tremer”, gaba-se Fraga, que diz ter lido algumas cópias dos e-mails de Dilma. “Mas, sem mandato, não vou entrar nessa canoa”. Mesmo assim, sem proteção assegurada, Fraga torna-se parceiro do crime. Ele contou para ISTOÉ, sem pedir sigilo, que “o mais grave” material do botim do hacker era um email enviado por Dilma para o presidente de um banco privado, que estava prestes a divulgar o resultado de uma pesquisa de opinião às vésperas da eleição. A então candidata, segundo Fraga, teria “evidenciado” que seria interessante se ela aparecesse na frente das pesquisas. “Se isso viesse à tona na época das eleições, seria desastroso para eles”, suspira do líder do DEM.

Além das mensagens da presidente, Fraga admite ter lido 12 e-mails de um total de 2.986 copiados do correio eletrônico de José Dirceu até aquele dia. Hoje ele até se encoraja a dar vazão à chantagem, tornando-se, de certo modo, um cúmplice dela: “Alguns dos e-mails do Zé Dirceu eram dirigidos ao ex-ministro Antônio Palocci e tratavam sobre tráfico de influência, valor de ações da Telebrás e palestras”, diz ele. Depois, sem qualquer resquício de lógica, o ex-deputado procura se diferenciar: “Nós e o PSDB não aceitamos os e-mails porque não fazemos política como os aloprados”. Ao final, porém, Fraga admite que acabou incentivando o crime: “Perguntei se ele tinha documentos recentes e ele respondeu que, se eu quisesse, poderia entrar a qualquer momento no computador da presidente”. A resposta de Fraga ao hacker foi mais um exemplo acabado de dissimulação, segundo seu próprio relato: “No meu gabinete, não!”, exclamou.

A gravação em poder do presidente do DEM do DF é uma prova concreta para que a PF cumpra sua missão. “Va­mos abrir inquérito, requisitar essa gravação que já poderia ter sido entregue à PF e enquadrar criminalmente todos os envolvidos”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na sexta-feira 1º.

Um brasileiro na elite da ONU



Criador do Fome Zero, José Graziano foi eleito para a FAO com o apoio dos países em desenvolvimento

Adriana Nicacio
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No primeiro mandato de Lula, o agrônomo José Graziano da Silva foi o responsável pelo programa Fome Zero, inspirado no sonho de combate à fome do sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho. Mas o Fome Zero, apesar de suas boas intenções, teve um erro de origem. Logo se percebeu que o problema do Brasil não era a escassez de alimentos, mas sim a falta de renda. E o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome foi extinto em 2004, um ano depois da posse de Graziano. Embora malsucedido, o projeto foi o embrião da principal vitrine do governo Lula, o Bolsa Família, e Graziano, de alguma forma, também assumiu a paternidade do projeto. Agora, sete anos depois, o ex-ministro acaba de ser eleito diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), com a missão de reduzir a fome no mundo. Graziano foi o escolhido para comandar a FAO por dois anos e meio numa disputa acirrada entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. O brasileiro recebeu 92 votos contra 88 dados ao ex-ministro de Relações Exteriores espanhol Miguel Ángel Moratinos.

A eleição de Graziano foi uma grande vitória diplomática da presidente Dilma Rousseff. A conquista da FAO reforça o papel do País como representante do Hemisfério Sul nas instituições da ONU e aumenta a liderança e a influência brasileira em regiões mais pobres, principalmente na África. Mas a tarefa de Graziano não é fácil. Ele substituirá, a partir de 1º de janeiro de 2012, o senegalês Jacques Diouf, que permaneceu por 17 anos à frente da agência e deixa o órgão num momento em que a alta dos preços de alimentos se tornou uma preocupação global e passou a ser discutida nos principais foros internacionais. A FAO é criticada por seu excesso de burocracia e baixa eficiência. 

José Graziano promete uma “nova era” para “acabar com a fome no mundo”. Diz que a entidade precisa estar preparada para enfrentar desafios como a instabilidade nos preços dos alimentos. Os países árabes, por exemplo, importam mais de 80% dos alimentos que consomem, contribuindo para a alta dos preços. “A especulação vai seguir afetando o mercado, até que os mercados financeiros se normalizem”, afirma.  
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Por que Dilma ama FHC



Depois dos afagos mútuos, a presidente e o ex estreitam relações, enquanto tucanos e petistas torcem o nariz. Agora ela se prepara para escalá-lo em missões de Estado, assim como fez com Lula

Sérgio Pardellas
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Havia mais de oito anos que o telefone do Palácio do Planalto não registrava uma conversa informal entre um presidente da República e seu antecessor. Mas no dia 13 de junho, uma segunda-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a presidente Dilma Rousseff mantiveram um animado diálogo. FHC ligou de São Paulo para agradecer a carta recheada de elogios por meio da qual a presidente o cumprimentara pelo aniversário de 80 anos. “Queria dizer que fiquei extremamente feliz e aproveito para lhe dizer que também admiro sua trajetória.” Ao que Dilma devolveu, segundo pessoas que testemunharam o fato: “Meu querido, não disse nada que você não merecesse.” O telefonema, em tom mais do que amistoso, representou a afirmação de uma relação de respeito mútuo construída desde o início do ano, quando Dilma assumiu a cadeira já ocupada pelo líder tucano. 

A relação entre os dois anda tão boa que Dilma começará, agora, a prestigiar FHC não só com elogios públicos. O próximo passo da presidente será no­mear Fernando Henrique para chefiar uma missão especial do governo brasileiro fora do País. A deferência será semelhante à que foi feita a Lula, que, na condição de ex-presidente, comandou a delegação nacional na Assembleia-Geral da União Africana, na Guiné Equatorial. O convite se inspira na tradição dos EUA, onde a experiência de ex-presidentes é utilizada em missões honorárias, independentemente da coloração partidária. Dilma, ao contrário do que ocorria com Lula, tem uma afinidade intelectual com FHC e não vê necessidade de esconder isso. Ambos estiveram juntos no combate à ditadura militar nos anos 60 e pagaram caro pelas suas ações – Dilma com a prisão, FHC com o exílio. Com formação de economista, Dilma reconhece ainda a importância que teve o Plano Real dos tucanos para acabar com a inflação no País e não sofreu o desgaste de um confronto direto com FHC nas urnas, como aconteceu com Lula.
Carinhos e afagos:
FHC: “Fiquei extremamente feliz e aproveito para dizer que também admiro sua trajetória”
Dilma: “Meu querido, não disse nada que você não merecesse”
Diálogo entre a presidente e o ex em telefonema no último dia 13

Os recentes afagos públicos entre a presidente e o papa dos tucanos podem levar a crer que a renhida relação entre PT e PSDB esteja se apaziguando. Puro engano. Os dois principais partidos do país continuam com a mesma postura belicosa das úl­timas duas décadas. E pior: nos dois lados da trincheira já há quem se incomode com tratamento tão cordial dado ao adversário. No círculo da presidente, todos são categóricos em afirmar que a atitude dela não encontra eco no PT. “Dilma é ela e suas circunstâncias. Foi um gesto pessoal. FHC é uma pessoa que ela admira e com a qual quer manter uma boa relação”, explicou à ISTOÉ uma fonte do Palácio do Planalto.
Uma prova de que também pelo lado tucano o clima permanece beligerante foi dada no evento em comemoração aos 80 anos de FHC na quinta-feira 30, em Brasília. Em seu pronunciamento, Serra elevou o tom, afirmando que Fernando Henrique “jamais passou a mão na cabeça de aloprados” e “foi sempre um servidor público em vez de se servir do público”. Na sessão em sua homenagem, Fernando Henrique evitou fazer críticas ao seu antecessor e, mais uma vez, elogiou Dilma. “O gesto dela deixou claro que nós somos brasileiros, temos que nos entender. Não vale a pena um destruir o outro.”

Nos bastidores, no entando, FHC tem sido um crítico contumaz de Lula. Nos últimos anos, FHC sempre reclamou do seu sucessor pelos cantos, dizendo que, nesse tempo todo, Lula nunca o havia convidado sequer para tomar um cafezinho no Palácio do Planalto. “Eu cedi a ele a Granja do Torto, mesmo antes de ele ser presidente. Mas o Lula só me chamou para ir ao enterro do papa”, esbravejou recentemente FHC. Lula e FHC nunca se encontraram desde que Dilma assumiu a Presidência. Ela até tentou. Na visita de Barack Obama ao Brasil a presidente convidou todos os ex-presidentes vivos para a recepção oferecida ao mandatário americano. Os senadores José Sarney e Fernando Collor, assim como FHC, compareceram, ao contrário de Lula, que preferiu ignorar a ocasião

Prefeitos na cadeia



Aperto na fiscalização das licitações, cruzamento de dados dos contratos e maior transparência no repasse de verbas levam pelo menos 17 prefeitos para trás das grades

Alan Rodrigues, Lúcio Vaz e Luiza Villaméa
Com a prisão prestes a ser decretada, o prefeito Antônio Teixeira de Oliveira (PT), da cidade de Senador Pompeu, no sertão cearense, embarcou em um ônibus fretado junto com outros 35 acusados de participar de um esquema de corrupção no município. Depois de passar dez dias foragido e ter o pedido de habeas-corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça, o prefeito acabou se entregando à polícia na quinta-feira 30. Embora a tentativa de escapar da cadeia escolhida por Oliveira tenha sido inusitada, cenas de prefeitos algemados sendo conduzidos por policiais estão se tornando cada vez mais comuns no País. Apenas este ano, pelo menos 17 prefeitos foram presos, acusados de fraudar licitações e desviar recursos públicos. “Eu ainda acho pouco”, afirma Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão encarregado de fiscalizar a aplicação de recursos federais nos municípios. Com o aprimoramento do controle, o cruzamento de dados entre diferentes instituições do governo e a maior transparência do repasse de recursos públicos, os desvios ficaram mais evidentes.

O repasse de recursos da União para os municípios segue o modelo de transferências obrigatórias, previstas na Constituição – principalmente para a saúde e a educação –, e voluntárias, definidas livremente pelo governo federal. Num país com as dimensões territoriais do Brasil, o sistema tem o objetivo de democratizar as verbas públicas, mas enfrenta dificuldades. Mesmo assim, só neste ano a Polícia Federal deflagrou sete operações envolvendo prefeitos. A estimativa de valores desviados ficou em R$ 279 milhões. Em boa parte dos casos, os policiais federais trabalharam a partir de irregularidades levantadas pela CGU, cujo Programa de Fiscalização por Sorteios, criado em 2003, já fiscalizou quase 33% dos 5.564 municípios brasileiros. “Quanto mais se afasta da origem dos recursos e mais se aproxima dos municípios, mais difícil é o controle”, avalia o delegado da Polícia Federal Josélio de Souza, que coordena as operações que investigam desvios de recursos públicos em todo o País.

A forma de atuação das quadrilhas é conhecida pela Polícia Federal. Tudo passa por fraudes nas licitações e por superfaturamento nos contratos. Num dos modos de saquear os cofres públicos, a iniciativa parte do fornecedor de produtos e serviços, que faz a cooptação com o prefeito e depois divide o dinheiro desviado. No outro modelo criminoso, o próprio prefeito exige que o prestador de serviço fixe um sobrepreço. Na fraude à concorrência pública, o mais comum é o conluio entre empresas, para obrigar a prefeitura a comprar o produto por um preço acima do mercado. Há também situações de acordo entre todas as partes envolvidas.

Com a descentralização das verbas, os órgãos de controle público esperavam que houvesse um maior controle dos recursos por parte da própria sociedade. A ideia era que, reunidos em conselhos, pais de alunos, por exemplo, denunciassem a falta de merenda escolar e a baixa qualidade de carteiras e de material didático. “A expectativa otimista, e até romântica, de que os conselhos locais dessem conta de evitar os desvios se mostrou um equívoco”, afirma o ministro-chefe da CGU. Na prática, a maior transparência na distribuição dos recursos dificulta a vida dos prefeitos corruptos, mas não impede os desvios. 

Para aprimorar as ferramentas de controle e investigação, a própria Polícia Federal precisaria criar uma unidade especializada apenas nesse tipo de crime. Atualmente, as fraudes contra a administração pública são investigadas pela Coordenação-Geral de Polícia Fazendária, que apura muitos outros crimes, como contrabando e sonegação fiscal. Outro entrave no combate aos desvios é o fato de os processos não culminarem na devolução do dinheiro desviado. “Como prevalece a presunção da inocência, os réus têm tantas possibilidades de recursos que os processos não caminham para a condenação final”, reclama o ministro-chefe da CGU. O delegado Souza concorda: “Se não há punição, outras pessoas se sentem encorajadas a praticar o mesmo crime. Há a percepção de que o Estado não está presente.”

A boa notícia é que, na terça-feira 28, a presidente Dilma Rousseff assinou um decreto essencial para a fiscalização. Agora, todas as transferências obrigatórias por lei – caso do SUS e da merenda escolar – só poderão ser movimentadas em contas específicas, por meio eletrônico, mediante crédito na conta do fornecer ou prestador de serviço. “Acabou o saque na boca do caixa”, comemora o ministro-chefe da CGU. Ao mesmo tempo, a presidente prorrogou por 90 dias o decreto de liberação dos restos a pagar de 2009. São recursos de obras que já estavam contratadas, mas havia faltado dinheiro para a execução. Com a medida, os prefeitos ganham mais R$ 3 bilhões para fazer pequenas obras nos municípios. E os auditores e policiais, mais objetos de investigação.  
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http://www.istoe.com.br/reportagens/144773_PREFEITOS+NA+CADEIA