sexta-feira, 23 de março de 2012

A execução de um brasileiro



Um crime sem motivo, praticado por policiais, com uma arma que 

não deveria ser letal. As autoridades australianas precisam 

explicar o que está por trás da morte do jovem Roberto Laudísio 

Curti nas ruas de Sydney

João Loes
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NO CHÃO
O rapaz de 21 anos morava legalmente em Sydney desde o ano passado.
Ele foi morto em uma das principais vias da cidade australiana
Muitas dúvidas ainda pairam sobre o que de fato aconteceu na madrugada do domingo 17 de março com o brasileiro Roberto Laudísio Curti, 21 anos, em uma movimentada rua de Sydney, na Austrália. Mas, entre as incertezas veiculadas pela mídia australiana e repercutidas pela imprensa brasileira e mundial, uma coisa é certa: Roberto foi executado. As autoridades australianas devem uma explicação sobre a conduta dos policiais naquela noite e têm de garantir uma investigação isenta. Não importa o que o rapaz tenha feito antes da abordagem dos agentes ou depois que tentaram imobilizá-lo. Ainda que ele tenha bebido um pouco mais, ainda que ele tenha usado algum tipo de droga, ainda que ele tenha roubado um pacote de biscoitos, ainda que ele tenha tentado fugir – e nenhuma dessas possibilidades foi confirmada –, nada justifica a rajada de dardos eletrificados disparados contra ele em plena Pitt Street, via central mais importante de Sydney, a cidade mais populosa da Austrália. “Eram seis policiais armados contra um menino de 21 anos de 1,72 m e 65 kg”, indigna-se Patrícia Laudísio, tia de Roberto. “Eles precisavam dar todos aqueles tiros para imobilizá-lo?”

Patrícia fala como mãe porque foi ela, junto com outras tias e tios do jovem, que assumiu a criação de Roberto depois da morte da mãe dele por câncer quando ele tinha 10 anos. O pai já havia morrido da mesma doença quando Roberto tinha apenas 5 anos. “Ele sempre teve tudo, frequentava o Clube Athlético Paulistano, viajava conosco como nosso filho, conheceu Europa, Cancún, Estados Unidos”, enumera Patrícia. “Não faz sentido ele roubar um pacote de bolachas.” A tia admite que, vez ou outra, rapazes bem de vida, como ele, podem até furtar pequenas coisas para fazer graça ou aparecer para os amigos. Mas isso costuma acontecer quando há plateia, quando os jovens estão em grupo. E Roberto estava sozinho na hora do suposto roubo. Ele teria ligado para a irmã mais velha, que vive na Austrália há mais de dois anos, pouco antes de ser morto. Ninguém sabe muito bem o que foi dito, mas suspeita-se que Roberto tenha avisado, de forma pouco coerente, que estava sendo perseguido.

É aí que a narrativa da madrugada começa a ficar nebulosa. Se é certo que Roberto saiu para se divertir na noite de sábado, pouco se sabe sobre o que aconteceu depois que ele se separou do grupo de amigos com quem estava. O silêncio da polícia do Estado de Nova Gales do Sul, responsável pelas investigações, e um enigmático vídeo divulgado pela corporação que mostraria os 20 segundos finais da perseguição a Roberto vêm alimentando as mais variadas versões sobre o que se desenrolou. A primeira a ganhar corpo foi a de que Roberto teria invadido uma loja de conveniência por volta das 5 horas e roubado um pacote de biscoitos. Os atendentes então chamaram a polícia, que encontrou Roberto circulando pela rua Pitt. Ao tentarem uma abordagem, o rapaz teria fugido, dando início a uma perseguição que culminou com quatro policiais disparando suas armas Taser X26C (leia acima) na direção do jovem. Roberto, pelo que se sabe até agora, morreu pela descarga elétrica das quatro armas.
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QUERIDO
Amigos de Roberto (primeiro da dir. para a esq.) organizam
manifestação para o dia 30 no consulado australiano em São Paulo
Outra versão, levantada inicialmente por conhecidos de Roberto, dá conta de que a pessoa no curto vídeo de 20 segundos divulgado pela polícia não era o brasileiro, mas sim outro homem, o mesmo que pode ser o verdadeiro responsável pelo roubo da loja de conveniência. A teoria ganhou força depois que o cônsul-adjunto do Brasil na Austrália, André Luís Costa Souza, declarou que, pelo que ele vinha acompanhando do caso, tudo levava a crer que as forças policiais se confundiram com duas ocorrências diferentes naquela manhã de domingo. Roberto, voltando para casa, poderia ter sido confundido com o ladrão de biscoitos. “Agora, o que a gente mais quer é ver a íntegra das imagens que a polícia confiscou da região onde tudo aconteceu”, disse um amigo de infância de Roberto que preferiu não se identificar. Estima-se que as autoridades tenham, em suas mãos, cerca de 20 minutos de vídeo de mais de uma dezena de câmeras da região que, por ser de grande circulação, era minuciosamente vigiada. Os vídeos, que mostram a loja de conveniência supostamente roubada pelo jovem brasileiro e novos ângulos do ataque policial serão determinantes para o esclarecimento do caso. Por isso, é importante que venham a público.

O que não muda, independentemente da conclusão das investigações, é que houve falha grave na abordagem dos policiais. A reação diante do que era, no máximo, um ladrão de biscoitos foi desproporcional. Talvez a intenção inicial não tenha sido a de matar, uma vez que os policiais optaram pelo uso das armas de choque, tidas como não letais. Mas, no momento em que quatro agentes disparam na sequencia suas armas de choque contra a mesma vítima, a corporação assume o risco de uma execução sumária, como terminou ocorrendo.

O resultado da autópsia do corpo de Roberto ainda não foi divulgado, mas, se a causa da morte realmente estiver ligada às descargas elétricas do Taser, não será a primeira vez que a arma supostamente não letal mata na Austrália. Desde que foi adotada pelas forças de segurança do país em 2002, o Taser já tirou a vida de quatro pessoas. O histórico de letalidade do aparelho nos Estados Unidos também é bem documentado. Desde 2001, mais de 500 pessoas morreram eletrocutadas por ele, segundo relatório da Anistia Internacional. O Brasil adota a arma desde 2006 (leia quadro). Não surpreende, portanto, que uma discussão sobre os usos corretos e incorretos do Taser tenha tomado a Austrália na semana passada, com muitos defendendo um treinamento mais cuidadoso dos policiais, que hoje passam apenas um dia aprendendo a lidar com o dispositivo, ou o banimento completo do aparelho. Infelizmente, para o brasileiro boa praça que estava legalmente na Austrália desde o ano passado aprendendo inglês, a discussão veio tarde demais.  
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Acompanhado de parentes, Thor vai à missa de ciclista morto no Rio




Quase uma semana depois de ter atropelado e matado o ciclista Wanderson Pereira dos Santos, 30, o estudante Thor Batista, 20, filho do empresário Eike Batista e da ex-modelo Luma de Oliveira, foi à missa de sétimo dia do ciclista, na Igreja da Ressurreição, em Copacabana, zona sul do Rio.

Thor estava acompanhado da mãe Luma de Oliveira, do irmão Olin Batista e da namorada.
Ontem, Thor reuniu-se com a mulher de Wanderson, Cristina dos Santos Gonçalves. A mãe de criação do ciclista, Maria Vicentina Pereira, também participou do encontro.
A reunião ocorreu no escritório do advogado de Thor, Luís Lessa, no centro do Rio.

Segundo o advogado Cleber Carvalho, que representa a família do ciclista, "a reunião teve o objetivo de superar o trauma do acidente e entrar em um acordo pessoal".
Dilson Silva/AgNews
Thor participa de missa para Wanderson dos Santos; veja outras fotos
Thor participa de missa para Wanderson dos Santos; veja outras fotos

O estudante e as duas mulheres conversaram a sós em uma sala reservada do escritório de Lessa durante cerca de 30 minutos.

De acordo com Carvalho, eles trocaram telefones e ficaram de se encontrar novamente nos próximos dias para continuar a conversar.

"Elas queriam conhecer Thor, conversar com ele, reconhecer sua humanidade. Só assim poderão tentar perdoá-lo", afirmou à Folha o advogado da família.

indenização

Segundo o advogado da família de Wanderson, o encontro de não teve, ainda, o objetivo de iniciar a negociação para uma possível indenização aos parentes do ciclista.

A perícia sobre o acidente ainda não foi concluída, por isso ainda não há como concluir de quem foi a responsabilidade pelo atropelamento.

De acordo com Thor, Wanderson atravessava de bicicleta a pista na rodovia Washington Luís, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, quando foi atingido por seu carro.
A família do ciclista desconfia da versão. Segundo eles, Wanderson sempre trafegava pelo acostamento da rodovia, onde teria sido atingido pelo carro de Thor.

ÁLCOOL NO SANGUE

O ciclista Wanderson Pereira dos Santos, 30, havia bebido antes de ser atropelado por Thor Batista, 20, segundo laudo do IML (Instituto Médico Legal).

O exame encontrou 15,5 dg/L (decigramas por litro) de álcool no sangue da vítima, morta na rodovia Washington Luís, em Duque de Caxias (Baixada Fluminense).

A concentração de álcool encontrada no sangue de Santos é considerada alta. De acordo com a legislação federal, uma pessoa está inapta para dirigir veículo automotor se tiver mais de 6 dg/l de álcool no sangue.
Alessandro Costa - 21.mar.2012/Ag. O Dia
Thor Batista, filho do empresário Eike Batista, deixa a 61ª DP (Xerém, RJ) após prestar depoimento
Thor Batista, filho do empresário Eike Batista, deixa a 61ª DP (Xerém, RJ) após prestar depoimento

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1066650-acompanhado-de-parentes-thor-vai-a-missa-de-ciclista-morto-no-rio.shtml 

O julgamento de Thor



O filho do empresário mais rico do Brasil enfrenta os tribunais 

paralelos da tevê e da internet que já o condenaram pelo 

atropelamento e morte de um homem

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DESTRUIÇÃO
A polícia já fez duas perícias no carro de Thor e cogita fazer a terceira
"A Fogueira das Vaidades", maior best-seller do escritor e jornalista americano Tom Wolfe, contava a história de um yuppie de Wall Street que tem sua vida arruinada ao ser considerado culpado por um atropelamento que, no fim, descobre-se, tinha outro responsável. O livro, que virou filme com Tom Hanks no papel principal, era uma reflexão sobre uma sociedade perigosamente previsível, fanatizada pelo revanchismo social: aos ricos caberia apenas a classificação de arrogantes e insensíveis; aos pobres, o destino das vítimas; e à grande classe média, a toga dos juízes morais. A situação fictícia remete a um acidente ocorrido na vida real na semana passada. O estudante Thor Batista, 20 anos, filho do bilionário Eike Batista, atropelou e matou o ajudante de caminhoneiro Wanderson Pereira da Silva, 30 anos, que pedalava uma bicicleta na rodovia Washington Luís (BR-040), na noite do sábado 17. O abismo social entre Thor e Wanderson desencadeou uma onda furiosa de condenação sumária ao filho do empresário. 

As circunstâncias do acidente estão sendo investigadas. Thor não deu sinais de querer fugir à responsabilidade. Ele prestou socorro à vítima e tem colaborado com a polícia. Segundo o delegado responsável, Mário Arruda, da 61ª DP, “pelo apurado até agora, tudo indica que o local do impacto foi no meio da pista”, e não no acostamento. Se a perícia também confirmar que ele não dirigia acima da velocidade máxima de 110 km/h, Thor será inocentado e, ao contrário do que ocorria na trama de Wolfe, não há um terceiro elemento a ser culpado. Mesmo assim, o que se viu na semana passada foi um tiroteio. Programas populares de tevê, blogueiros e participantes de redes sociais criticaram com avidez Eike e seu filho. Segundo essas opiniões, ser jovem e dirigir um carrão de R$ 890 mil é quase um crime.

Pai e filho revidaram – por vezes sem a polidez e o cuidado que especialistas em imagem recomendariam. Não esconderam, pelo Twitter, o impacto do drama e da emoção a que estão submetidos. No programa “Brasil Urgente”, da Rede Bandeirantes, o apresentador José Luiz Datena afirmou que “nada acontece com o Eike porque ele tem tanto dinheiro que é capaz de apagar o fogo do inferno”. Ele arrematou dizendo que “só pobre vai para a cadeia”. O empresário de US$ 30 bilhões revidou no Twitter: “Datena deveria no mínimo se informar primeiro! Vou começar a atacar também! Datena, jornalismo bom é o verdadeiro!”
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NA RODOVIA
O ajudante de caminhoneiro Wanderson Pereira da Silva estava de
bicicleta quando foi atropelado: a polícia apura se Thor teve culpa no acidente
Thor, que também é filho da ex-modelo Luma de Oliveira, deu sua versão pelo microblog e a repetiu em depoimento à polícia na quarta-feira 21. “Vinha na faixa esquerda, com muito cuidado, quando repentinamente um ciclista atravessou. Minha reação imediata foi aplicar força total nos freios, segurando o volante reto, mas infelizmente foi impossível evitar a colisão”, escreveu. No programa “Balanço Geral”, de Wagner Montes, na Rede Record, porém, a tia que criou Silva, Maria Vicentina, afirmou que “a culpa é de Thor” e que o sobrinho fora “atropelado no acostamento”, contrariando a versão apurada até agora pela polícia. 

Em entrevista à ISTOÉ, Eike disse que o filho está ciente de que tem de prestar esclarecimentos e é categórico ao afirmar que ele não cometeu imprudência no trânsito. “A perícia vai dar a última palavra. Aí vamos saber quem estava em que lugar, quem cometeu o erro. Não é hora de culpar ninguém”, ponderou. “Precisa ser criteriosa. E é bom que todos se rendam a esse resultado.” Já foram feitas duas perícias no carro, mas o delegado Arruda não as considerou conclusivas e cogita realizar uma terceira. Thor disse que prestaria auxílio à família de Wanderson. “Essa atitude abriu uma janela para o diálogo”, afirmou Cleber Carvalho Rumbelsperger, advogado deles. Não é o primeiro acidente em que Thor se envolve. Em 27 de maio de 2011, o carro dele e um ciclista de 86 anos se chocaram. “O senhor estava numa bicicleta e, ao tentar atravessar em frente a um ônibus parado, não viu o carro de Thor e acabou entrando na lateral esquerda do veículo”, diz Eike. Ele prestou socorro e pagou as despesas médicas.
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SEMELHANÇA
No filme “A Fogueira das Vaidades”, Tom Hanks faz o
yuppie condenado por um atropelamento que não cometeu
Os familiares do ajudante de caminhoneiro pretendem processar o Estado por ter permitido que Thor permanecesse dirigindo apesar de ter 51 pontos na carteira por causa de multas, várias por excesso de velocidade. Celso Vilardi, um dos advogados de Thor, dá duas explicações para o fato: ele não tinha sido notificado sobre essas infrações e elas podem ser justificadas, pois o jovem costuma trocar de carro frequentemente e seus veículos também são

Bonitas, bem-vestidas e bandidas



Como agia a engenhosa gangue das loiras, formada por jovens 

mulheres de classe média que cometiam sequestros relâmpago na 

cidade de São Paulo

João Loes
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TIME COMPLETO 
Em sentido horário, Vanessa Vendramini, Franciely Santos,
Carina Vendramini, Priscila Amara, Monique Awoki e Silmara Lan
Belas, loiras, bem-vestidas e articuladas. Eram assim as integrantes de uma engenhosa quadrilha especializada em cometer sequestros relâmpago na capital paulista. Os alvos, não por acaso, eram mulheres igualmente bonitas, loiras e bem- arrumadas. Munidas dos cartões de crédito, com as senhas e os documentos de identidade das vítimas, a quadrilha comprava eletrônicos e sacava milhares de reais em poucas horas sem levantar suspeitas, para pouco depois libertar as sequestradas nos limites da zona leste da cidade. O golpe funcionava desde 2008. Mas acabou na semana passada, quando Carina Geremias Vendramini, 25 anos, uma das loiras, foi presa na casa onde vivia com o marido e a filha de 2 anos, em Curitiba (PR). Na quinta-feira 22, Monique Awoki Casiota, a única integrante morena, e o representante masculino do grupo, Wagner de Oliveira Gonçalves, também foram capturados. “Vínhamos investigando a gangue das loiras há algum tempo”, diz Jorge Carlos Carrasco, diretor-geral da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “Essas prisões são as primeiras de muitas.”

Outras quatro loiras, com idade em torno de 25 anos, completavam o bando – e, até o fechamento desta edição, estavam foragidas –, que criou uma espécie de roteiro para garantir o sucesso da empreitada e dificultar a identificação de seus membros. O primeiro passo era sempre escolher vítimas loiras, assim os documentos da sequestrada casavam com o visual da sequestradora que usaria os cartões. O segundo era agir com pelo menos três pessoas na equipe, o que tornava possível usar uma loira para abordar a vítima e outra para comprar com os cartões. Um dos três integrantes era Gonçalves, que fazia as vezes de motorista. Quando a polícia exibia para a vítima as imagens das lojas onde o cartão foi usado, ela não conseguia lembrar se quem estava fazendo as compras era a mesma pessoa que havia feito a abordagem inicial. 

“Era um passo a mais que eles davam para tentar nos despistar”, diz o delegado Alberto Pereira Matheus Júnior também do DHPP. Mas o esquema acabou falhando. “Mais vítimas do que eles imaginavam lembraram do rosto e de detalhes das loiras envolvidas na trama”, diz Matheus Júnior. Carina foi identificada dessa maneira.
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EM AÇÃO
Vídeo que registra a gangue das loiras comprando iPads com cartão roubado.
Abaixo, a prisão de Wagner de Oliveira Gonçalves e Monique Casiota
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Uma das vítimas, que reconheceu a sequestradora, foi capaz de lembrar que ela tinha uma pequena tatuagem no pescoço. Os ânimos se exaltaram na sala onde aconteceu o reconhecimento, a ponto de a mulher avançar sobre a golpista, que, durante o sequestro, fazia ameaças com a arma em punho, batia e puxava o cabelo de quem mostrava algum tipo de resistência. “O curioso é que em crimes desse tipo as mulheres costumam cumprir um papel mais secundário, mas nesse caso elas eram as protagonistas”, diz Carrasco, sobre uma das pecualiaridades do caso.

Outra curiosidade que veio à tona, com a prisão de Carina, é o fato de a criminosa ter construído uma vida paralela em Curitiba, como uma respeitável mãe de família. A polícia ainda apura o envolvimento do companheiro da sequestradora na trama, mas os indícios são de que ela de fato agia sozinha. Um levantamento feito por dez investigadores do DHPP, sob o comando dos delegados Carrasco e Matheus Júnior, mostra que Carina saía de Curitiba e tomava um avião para São Paulo com o objetivo único de cometer esses crimes. Ao marido, ela dizia que vinha visitar a família, mas, já no aeroporto paulista, se encontrava com seus comparsas e, no estacionamento, fazia a primeira vítima. “O golpe era de cerca de R$ 20 mil por vítima”, diz Matheus Júnior.

Em um dos sequestros, oito iPads foram comprados de uma só vez pelo bando. “Como é que alguém vende oito iPads sem checar duas, três vezes a documentação?”, questiona Carrasco. Talvez o charme das loiras tenha rendido alguns vendedores e gerentes de loja, afinal, já são pelo menos 50 boletins de ocorrência com relatos que remetem à forma de agir da quadrilha. “Eles começaram com assaltos a condomínios e migraram para o sequestro relâmpago”, diz o delegado. Com o tempo, apuraram a técnica e ganharam confiança suficiente para manter uma rotina de até três sequestros por semana. Se chamavam de “Bonnie” e “Clyde” durante os crimes, uma alusão ao casal de bandidos americanos imortalizados no cinema. Mal sabiam que a polícia estava no encalço de cada um deles.

Com quem Pelé se envolveu



Ele fez negócios e se declarou sócio de empresário com histórico 

de fraudes no Brasil e em Angola e condenação pela justiça

Flávio Costa
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GOLPE
Paulo Sodré, Pelé, Joca Conrado (em pé), Paulo Marinho e o
policial angolano Tony Silva: casas vendidas, mas não entregues
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, manteve negócios com um empresário condenado pela Justiça brasileira. Como revelou ISTOÉ na semana passada, o Rei do Futebol fez propaganda e se disse sócio de um grupo de quatro empresários brasileiros acusados de aplicar um grande golpe imobiliário em Angola. O líder desse quarteto, Antonio Paulo de Azevedo Sodré, já foi indiciado pelas polícias Federal e Civil paulista por contrabando e estelionato, além de responder a dezenas de processos na área cível por fraudes relacionadas à importação de avestruzes. 

Habitué de tribunais na qualidade de réu, Paulo Sodré já foi condenado pela Justiça paulista por infringir a Lei de Crimes Ambientais. A pena consistia em prestar serviço comunitário à Escola Estadual Senador Adolfo Gordo, em São Paulo, mas o Ministério Público descobriu que ele não comparecia ao local e fraudava os atestados de frequência. No dia 22 de agosto de 2008, data em que deveria estar no colégio público, Sodré viajou para a Espanha e assistiu ao GP da Europa de Fórmula 1, na cidade de Valência. “Efetuei muito mais benfeitorias na escola do que o estipulado na pena”, afirma Sodré. Na viagem à Europa, ele estava acompanhado de Paulo Marinho e Joca Conrado, seus sócios na Build Angola. O quarto integrante do grupo é Ricardo Boer Nemeth.

Apesar desse histórico, Sodré navegou no Pelé’s Cruise, o cruzeiro promovido pelo ex-jogador, entre os dias 28 de junho e 5 de julho de 2009, que partiu da cidade de Veneza em direção às Ilhas Gregas e à Croácia. Três meses depois, Pelé aportava em Luanda, para estrelar comerciais e dar entrevistas se dizendo sócio da Build Angola, marca pela qual o grupo brasileiro lançou os projetos Bem Morar e Quintas do Rio Bengo, cujos preços das unidades variavam entre US$ 100 mil e US$ 1 milhão. Nenhuma casa foi entregue. Quando as obras do Bem Morar e do Quintas do Rio Bengo começaram a sofrer atrasos, a direção emitiu uma carta de esclarecimento afirmando que o “senhor Edson Arantes do Nascimento (o jogador Pelé) continua sócio do empreendimento”. Hoje, o staff de Pelé e a Build Angola negam a sociedade.
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MANOBRA
Paulo Sodré (à esq.) em GP da Espanha no dia em que deveria cumprir pena no Brasil
Sodré contava com amizades influentes no governo de Angola, um país acossado pela corrupção, para tocar seus negócios com segurança. Era íntimo de um chefe de polícia local, Tony Silva, e de Aguinaldo Jaime, ex-presidente da Agência Nacional para o Investimento Privado, acusado de tentar desviar US$ 50 milhões do erário do país africano para uma conta particular nos Estados Unidos. Cada venda concretizada de um imóvel milionário era comemorada pela turma brasileira com regabofes nababescos. “Eles chegavam nos melhores restaurantes de Luanda e mandavam abrir quatro, cinco garrafas de champanhe”, conta Marcos Regina, ex-sócio, que afirma ser um dos prejudicados pelo grupo.

O quarteto brasileiro não prejudicou apenas a classe abastada de Angola. O primeiro empreendimento deles, Casa Forte, lançado em meados de 2008 e voltado para a classe média, também não foi concluído. A família do tenente do Exército angolano Simão Henriques pagou US$ 87 mil, metade do valor de cinco casas, que nunca foram construídas. Para reaver o dinheiro, o militar tomou uma atitude extrema. Trajando a farda, e de porte de uma metralhadora, entrou em um dos escritórios da Build exigindo o dinheiro de volta. Rapidamente, o diretor Paulo Marinho autorizou o reembolso. “Paulo Sodré e Paulo Marinho são dois ladrões. Se eu não fizesse isso não teria meu dinheiro de volta”, afirma o militar angolano. “Entregamos 89 casas”, diz Marinho.
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NEGOCIATA
Casa Forte, o primeiro condomínio em Angola: nenhuma unidade entregue
Para justificar o não cumprimento dos contratos, Sodré acusou o ex-sócio Werther Mujjali de criar uma campanha de difamação na internet que teve como consequência a paralisação dos pagamentos dos clientes angolanos e a inviabilização das obras. “Mandei e-mails para a sociedade angolana em meu nome, alertando que tipo de pessoa ele (Sodré) era”, declarou Mujjali. Na semana passada, ele obteve decisão favorável na Justiça de São Paulo que impede Sodré de usar a marca Build. A decisão cabe recurso. “Há indícios de que houve uma fraude cometida contra cidadãos angolanos por esses empresários brasileiros. Até mesmo quem fez publicidade desses projetos sabendo que era enganosa poderá ser responsabilizado”, avisa o diretor da Polícia Econômica de Angola, Alexandre Canelas, que abriu inquérito sobre o caso. Resta saber quanto Pelé também foi enganado.
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Senado sonegador


A Receita quer obrigar senadores a recolher impostos sobre os

14° e 15° salários, o que não ocorre desde 1995, quando a regalia 

foi criada. Graças à benesse, cada parlamentar deixa de pagar 

R$ 14 mil por ano

Izabelle Torres
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Quatro processos de investigação começaram a tramitar simultaneamente na Receita Federal na semana passada. Eles se referem a uma das regalias desfrutadas por congressistas brasileiros: o recebimento dos 14º e 15º salários sem a necessidade de descontá-los no imposto de renda. Isso ocorre graças a uma artimanha. Esses vencimentos são declarados como verba de gabinete, aquela que o parlamentar pode utilizar livremente para pagar funcionários e custear gastos com o mandato. Mas a mordomia está com os dias contados, no que depender da Receita. Na alça de mira dos fiscais, está o Senado Federal. Em documento encaminhado pelo Fisco à Casa Legislativa, ao qual ISTOÉ teve acesso, é questionada a justificativa usada para o não recolhimento de impostos referentes a dois salários extras pagos por ano aos parlamentares, sob o pretexto de despesa indenizatória. A sonegação acontece desde 1995, quando um decreto do próprio Senado estipulou o pagamento dos 14º e 15º salários a cada parlamentar. Embora a benesse seja equivalente ao valor integral dos vencimentos, a administração da Casa, ao qualificar a despesa como ressarcimento de custeio, libera os nobres senadores de recolher 27% desse valor aos cofres públicos. 

A manobra custa caro ao Erário. Cada senador deixa de pagar por ano R$ 14.418 em imposto de renda e, ao fim dos oito anos de mandato, a soma chega a R$ 115.344 por parlamentar. Agora, mesmo que tardiamente, a Receita vai tentar reaver cerca de R$ 9 milhões referentes ao último mandato. “Se não conseguirmos recuperar retroativamente esse dinheiro não recolhido durante todos esses anos, a ideia é pelo menos frear o processo e evitar que mais dinheiro deixe de ser arrecadado”, diz uma fonte da Receita envolvida na análise das brechas fiscais usadas por políticos. Nos bastidores do Congresso, pergunta-se por que a Receita Federal demorou tanto tempo para reagir à artimanha do Senado. Há cinco anos, uma notificação em tom amigável foi encaminhada à Câmara dos Deputados e provocou a mudança das regras. Até então, a Câmara também interpretava de forma favorável a concessão da regalia, considerando-a reembolso de despesa e não salário. De lá para cá, após a pressão da Receita, o imposto de renda sobre o 14º e o 15º salários dos deputados começou a ser descontado. Já o Senado fez-se de desentendido e seguiu sonegando os recursos. Na terça-feira 20, os senadores até ensaiaram uma tentativa de eliminar o mal pela raiz, ao votar na Comissão de Assuntos Econômicos o fim dos dois salários extras. Mas um acordo fechado na véspera adiou a discussão para esta semana. 

O porta-voz dos que não abrem mão da benesse é o senador Ivo Cassol (PP-RO). Em defesa dos dois salários extras, ele pediu vista do projeto e fez declarações capazes de revoltar qualquer contribuinte. “Os políticos são mal remunerados. Se o dinheiro está na minha conta é porque é legal. Acho que quem votar a favor dessa proposta (o fim da mordomia) tem que devolver o dinheiro que recebeu.” Cassol completou seu raciocínio com uma aula sobre o que é o coronelismo na política brasileira: “Nós temos que atender ao eleitor com pagamento de passagens, remédio e até com o pagamento de festas de formatura quando somos convidados para sermos patronos. Quem paga essa conta?”, reclamou. Quando foi anunciado o pedido de vista para adiar a votação, um discreto funcionário da Receita Federal retirou-se do plenário da Comissão. Ele estava ali para acompanhar os argumentos de quem defende a isenção de impostos para parlamentares.
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ELE ACHA POUCO
O senador Ivo Cassol defende a manutenção dos salários extras
sob o argumento de que os políticos são “mal remunerados”
Apesar da defesa intransigente da regalia, políticos que já foram atingidos pela fiscalização da Receita sabem que a conta cobrada pode ser alta. “Eu tenho curiosidade de saber em que vai dar essa investigação do Fisco no Senado. Eu passei por esse problema quando era deputado estadual e a conta sobrou para mim. Mas eu era peixe pequeno”, comenta o senador Sergio Petecão (PSD-AC). A dívida que a Receita cobra de Petecão e de dezenas de políticos espalhados pelo País refere-se justamente ao recebimento de salários travestidos de verba indenizatória, com o objetivo de escapar dos impostos. Petecão era deputado estadual quando soube que devia ao Fisco mais de R$ 200 mil. Outros parlamentares que faziam parte da Assembleia Legislativa do Acre à época preferiram negociar, mas o deputado do PSD briga até hoje, alegando não ter responsabilidade sobre uma decisão administrativa. 

A ofensiva da Receita no Acre não se repetiu em outras regiões do País, que até hoje copiam o mau exemplo do Senado. Em Belo Horizonte, os 77 deputados estaduais recebem salários extras de R$ 20.042 duas vezes ao ano, como ajuda de custo. O mesmo acontece no Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Tocantins e na Bahia. Nos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Pará, o salário extra é concedido uma vez por ano. Por pressão da opinião pública, a Câmara Legislativa do Distrito Federal cancelou há um mês o pagamento dos 14º e 15º salários aos seus deputados. Em São Paulo, foi a Justiça estadual que agiu e conseguiu embargar os repasses aos deputados paulistas. No Amapá, a Justiça também tenta reagir às regalias concedidas aos deputados estaduais por eles mesmos. Lá, o fim dos salários extras resultou numa manobra ainda mais abusiva. Os parlamentares decidiram que a verba indenizatória passaria a ser de R$ 100 mil. A decisão encheu ainda mais os bolsos dos deputados, porque a verba indenizatória é totalmente isenta de tributos. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a mordomia está nas mãos do procurador-geral da República Roberto Gurgel, que recebeu a denúncia do Ministério Público do Amapá. 

Embora a benesse dos salários extras exista há anos, a Receita Federal não tem um mapeamento dos Estados que não contabilizam esses valores como vencimentos, o que isenta os políticos do país inteiro do imposto de renda. A ideia é mapear, nos próximos meses, as Casas Legislativas contra as quais serão abertas ações para tentar reaver os recursos sonegados. O Senado já está preparando sua defesa. Resta saber se a explicação vai convencer o Leão, sempre muito disposto a cobrar cada centavo devido pelos brasileiros comuns.
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