A Globo, nesta quinta-feira, dobrou a aposta. O alvo é
Lula, depois Dilma. E por fim o PT. Cercados, a esquerda e os
movimentos sociais começam a travar uma espécie de batalha de Leningrado
no Brasil.
por Rodrigo Vianna
Foi um massacre com mais de quarenta minutos. Estou numa pequena
cidade no interior do Ceará. Na pracinha central, numa pequena
lanchonete, vi (mais do que ouvi) as TVs ligadas na Globo, no horário do
Jornal Nacional.
Duas matérias (cada uma com cerca de 4 minutos, uma eternidade em TV)
promoveram a “leitura” da revista Istoé. Sim, numa estratégia
antitelevisiva, que só se justifica nos momentos de intervenção política
total dentro do noticiário, a revista foi exposta na tela, enquanto os
repórteres escalados por Ali Kamel liam cada trecho da suposta delação
de Delcídio Amaral.
Lembro que em 2006, ao lado de outros colegas jornalistas, entrei na
sala do diretor da Globo em São Paulo (onde eu trabalhava), e cobrei:
por que não repercutimos o que a Istoé falou sobre Serra e a máfia das
ambulâncias? Por que, eu insisti, só atacamos um lado (que naquela
época, claro, já era o PT com seus “aloprados”)? A resposta do diretor
da Globo: “não repercutimos a Istoé, porque é uma revista suspeita de
vender espaço jornalístico a quem pagar mais.”
Em 2016, Ali Kamel usou a Istoé contra Lula nesta quinta-feira. E
depois veio muito mais no massacre do JN: “juristas” a favor do
impeachment, especulando em cima de uma suposta delação. Ministros
defendendo o governo, mas cuidadosamente colocados (pela edição da
Globo) numa defensiva sem saída. A narrativa era a de um governo que
cai.
Mas a cereja do bolo era outra: o ataque a Lula. Primeiro, na boca de
Delcídio e da revista Istoé (de novo!). Depois, numa “reportagem” que
significou o retorno da Globo ao triplex do Guarujá, incluindo fotos de
Marisa e de um dos filhos de Lula com os rostos levemente deformados.
João Roberto Marinho está possesso porque a filha dele foi exposta na
internet: blogueiros descobriram as peripécias do ex-marido de Paula
Marinho e divulgaram até endereços da família bilionária. O capataz dos
Marinho, Ali Kamel, deu então o troco no JN: expôs a família Lula, de
novo. Com as expressões deformadas…
Mas não interessa tanto contar em detalhes o que foi o JN. A ideia
desse texto é outra: alertar que a edição do Jornal Nacional cumpre uma
dupla tarefa. Primeiro, preparar o terreno para nova operação da PF
(agora centrada em Lula) que deve acontecer nos próximos dias.
Um
observador experimentado da política carioca me disse: os Marinho não
promoveriam esse massacre, se não soubessem que o ataque é apenas parte
de uma escalada maior. Portanto, estamos já numa escalada sem volta.
Em segundo lugar, o JN cumpre a tarefa de reunir a oposição e dar o grito de guerra: “avancem! e sejam rápidos”.
Na pracinha do Ceará, onde eu estava, reparei que só havia gente com
40 anos ou mais olhando para a TV. Os jovens namoravam, tomavam sorvete,
olhavam o celular.
A Globo não tem o poder de outras épocas, é verdade. Mas segue a
cumprir o papel de organizar a tropa conservadora. O sinal está dado: se
forem para o ataque, bravos líderes da oposição, vocês terão o apoio da
máquina midiática da Globo. Mas não titubeiem. Avancem!
A guerra contra Lula foi declarada há vários meses. Nas últimas
semanas, Lula topou a briga (até porque não tinha saída), e também
declarou guerra: “nesse país, não há partido de oposição, partido é a
Globo”, disse ele.
A Globo, nesta quinta-feira, dobrou a aposta. O alvo é Lula, depois Dilma. E por fim o PT.
Essa guerra, se tiver o desfecho que a família Marinho pretende, pode
transformar o Brasil numa Colômbia.
A esquerda seria proscrita. Lula
seria preso. Os movimentos sociais voltariam a ser o que sempre foram:
forças marginais, excluídas do jogo político. Os sindicatos seriam
massacrados (já há CPI a caminho).
Por enquanto, é a direita apenas que exibe seu poder – com a
violência simbólica de um JN tomado pelo ódio, como vimos hoje. Mas se a
esquerda for jogada mesmo pra fora do jogo institucional, a escalada de
violência política pode ganhar outros contornos, atingindo também
aqueles que – do Jardim Botânico, ou de seus gabinetes acarpetados em
Curitiba e Brasília – lançaram o país nessa espiral.
Lula não escolheu a hora de combater. A guerra chegou até ele. Os que
se reúnem em torno do petista devem ter a certeza de que estamos diante
de um momento decisivo. Agora, só um dos lados vai sobreviver.
O lado de lá é mais forte (até pela tibieza de um partido e de um
governo que apostaram em Cardosos e Delcídios para dar
“governabilidade”).
O que pode acontecer?
“A sensação de cerco às vezes faz milagre na política”, disse um
amigo que também gosta de metáforas bélicas. O cerco ao lulismo ficou
mais forte hoje: há uma espécie de batalha de Leningrado em curso.
Os que se defendem parecem fracos e sem munição, como se sentiam os
soviéticos diante do avanço nazista. Mas, a favor da turma que defendia
Leningrado, havia um fator imponderável: sabiam que deviam resistir até o
último homem, casa a casa.
A esquerda no Brasil (com todos seus defeitos, com todas as
limitações do que foi o PT nos últimos anos) trava, a partir de agora,
sua batalha de Leningrado.
Lula também está cercado. E decidiu lutar. Não é pouco.
http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/jn-promove-massacre-contra-lula-a-guerra-total-da-globo-pra-exterminar-o-pt/