terça-feira, 3 de setembro de 2013

A escapada pelos andes


ISTOÉ revela os bastidores da fuga que constrangeu o País e provocou a troca de comando no Itamaraty. Como foi a aventura do embaixador brasileiro e do senador boliviano, que saíram da embaixada em La Paz e atravessaram a fronteira

Claudio Dantas Sequeira, Izabelle Torres e Josie Jeronimo
 

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PROTAGONISTAS
O então chanceler Antonio Patriota, o embaixador Eduardo Saboia e o senador
boliviano Roger Pinto Molina (da esq. para a dir.) envolveram-se na rumorosa fuga

La Paz, sexta-feira 23 de agosto, 15h. O sol a pino e a baixa umidade reforçam a sensação térmica da primavera boliviana e embalam a tradicional sesta local. No horário em que boa parte dos moradores está cochilando, as ruas livres do tráfego servem como corredor de fuga a dois veículos 4x4 Nissan Patrol, com placas diplomáticas. A bordo de um deles, o senador boliviano Roger Pinto Molina confere o relógio e olha para o alto com um leve sorriso de satisfação. “Foi a primeira vez que pude ver o sol claramente. E de uma perspectiva diferente”, lembra, em referência aos 454 dias que passou asilado numa pequena sala da embaixada do Brasil. Durante esse tempo, Molina jamais teve direito a um salvo-conduto, documento legal que poderia ter sido fornecido pelo governo boliviano para garantir sua saída com tranquilidade em direção ao país no qual decidiu se refugiar. Planejada ao longo de três meses, com o conhecimento de algumas autoridades do governo brasileiro e uma mal disfarçada tolerância do governo do presidente Evo Morales, que enviou vários sinais a Brasília de que não faria oposição à saída de Molina, desde que não pudesse ser acusado de proteger um inimigo com 22 processos no currículo, a “operación libertad” foi cercada de uma série de preparativos, inclusive medidas de proteção pessoal e monitoramento de riscos. No momento em que se preparava para entrar no automóvel, Molina contou com o auxílio de um fuzileiro naval, adido militar na embaixada, para vestir o colete à prova de balas.

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Três dias antes de partir, Roger Molina falou do plano de fuga à sua filha Denise Pinto Bardales, carinhosamente chamada pelo pai de “Talita”, sugerindo que ela fosse para Brasileia, no Acre, onde a mãe, Blanca, vive há um ano com as outras duas filhas do senador, um genro e quatro netos menores de idade. Num gesto revelador das relações próximas entre autoridades dos dois países, a família Molina foi abrigada no Brasil pelo governador Tião Viana (PT/AC), seu amigo. Além de Talita, sabiam da “operación libertad” o embaixador Marcelo Biato, o conselheiro Manuel Montenegro e o encarregado de negócios da embaixada Eduardo Saboia, que assumiu a responsabilidade pela fase final da operação, que era retirar Molina da Bolívia e levá-lo, são e salvo, para o Brasil. Há pelo menos um mês, a operação chegou aos ouvidos de políticos, advogados e empresários que partilham informações e interesses nas relações entre Brasil e Bolívia. Um plano alternativo chegou a ser elaborado, na verdade, envolvendo uma operação triangular. Numa primeira etapa, Molina seria levado de avião para o Peru. Depois, seria conduzido ao Brasil. Ao verificar que o envolvimento de um país que nada tinha a ver o caso poderia ampliar as complicações de um plano já complicado, decidiu-se pela viagem de automóvel entre La Paz e Corumbá.

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Escondidos na neblina Na segunda-feira 19, num gesto que seus superiores no Itamaraty interpretariam como bisonha tentativa de despistar sua participação na operação, o embaixador Biato saiu de férias e coube a Saboia organizar todos os detalhes finais e fazer a viagem. Na quinta-feira 22, dia anterior à fuga, Molina recebeu a visita de um médico do Senado boliviano, que produziu um laudo atestando que ele enfrentava problemas de saúde, inclusive depressão. Substituindo Biato em sua ausência, naquele mesmo dia, Eduardo Saboia enviou uma cópia do laudo para o Itamaraty e, no mesmo despacho, observou que a situação pedia uma intervenção sem demora em auxílio do senador, afirmação vista como uma senha para o início da “operación libertad.”

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Ao deixar, na sexta-feira 23, a garagem do edifício Multicentro, complexo empresarial onde funciona a sede diplomática brasileira, o comboio seguiu em velocidade pela avenida Arce rumo à autopista El Alto, na saída da capital boliviana. A orientação era fazer meia-volta e retornar à embaixada ao menor sinal de que autoridades bolivianas pretendessem criar embaraços ao comboio. Lembrando que chegou a passar mal no trajeto, Molina conta: “Se eu fosse para um hospital, corria o risco de ser preso. Então decidimos seguir”. Depois de seis horas de estrada, o grupo chegou a Cochabamba, na região do Chapare, uma das principais bases eleitorais do presidente Evo Morales. Ali, milhares de famílias de agricultores plantam a folha da coca, tradicional ingrediente da cultura boliviana, que em grande parte é desviada para servir ao narcotráfico. Em Cochabamba, a avenida Blanco Galindo corta a cidade. O comboio levou três horas para atravessar a região, sob neblina espessa. A tensão não deixava ninguém cochilar. “Se fossemos detidos ali, seria a morte ou algo parecido”, afirma o senador. Em mais de um contato com o governo brasileiro, quando enviou uma emissária em audiência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governo de Evo Morales já havia deixado claro que gostaria de ver Roger Molina fora do País, desde que jamais pudesse ser acusado por seus próprios eleitores de proteger um político acusado de corrupção pela Justiça. “É loucura!”, reagiu Dilma ao ser consultada sobre a operação, deixando claro que o Brasil não poderia aceitar uma proposta que não tinha garantia contra riscos, inclusive possíveis ameaças à vida de Molina. Convencida de que o governo brasileiro fizera sua parte, ao garantir asilo para o senador boliviano, Dilma esperava que, incomodado com o desgaste que Molina causava a Morales, este tomasse a única medida cabível, que era dar o salvo-conduto.

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Fugitivos de fraldas Pano de fundo daquela viagem dramática, as relações entre Dilma e Evo Morales atingiram um momento especial quando ambos se encontraram durante uma viagem à África. Evo pediu uma “bilateral” à presidenta brasileira e aproveitou o encontro para denunciar que o senador estava tendo um comportamento inapropriado, chegando a fazer reuniões políticas. Em seguida, Dilma determinou ao chanceler Antonio Patriota que verificasse as queixas de Morales, pedindo ao ministro que se encarregasse pessoalmente de resolver o caso com as autoridades bolivianas. Quan­­­­do Patriota lhe disse que pretendia escolher um responsável para tocar a missão, Dilma reagiu de forma dura, conforme relatou um assessor palaciano: “Você deve cuidar de tudo pessoalmente”.

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SUSTO NA FRONTEIRA
A polícia boliviana parou a comitiva e solicitou documentos. Atemorizado,
o senador Roger Pinto pensou em sair correndo a pé do carro

Às 4h30 da madrugada do sábado 24, já em Santa Cruz de La Sierra, o comboio fez uma parada técnica para “esticar as pernas”. Antes e depois, o combinado era seguir caminho de qualquer maneira. Para não perder tempo com refeições, levaram-se garrafas de água mineral, barras de cereais, frutas e biscoitos. Para não irem ao banheiro, usavam fraldas geriátricas. Antes do amanhecer, já estavam na estrada rumo a Puerto Suarez. Percorreram mais 660 quilômetros pela Rodovia 4, cruzando San José de Iquitos e outros três pequenos municípios. Na rota de saída do território boliviano, passaram por cerca de 12 postos de controle, chamados “trancas”. A cada parada, o motorista no veículo da frente identificava o comboio diplomático: “Estamos em missão diplomática, deixem-nos passar”. Os viajantes jamais foram submetidos a qualquer controle que, mesmo em operação de rotina, poderia detectar alguma falha nos documentos portados pelo senador, político conhecido no país inteiro.

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TERRITÓRIO INIMIGO
O momento mais difícil e perigoso da fuga ocorreu quando a comitiva passou
por Chapare (foto), região cocaleira dominada por aliados de Evo Morales

Perto das 12h30, o grupo chegou a Puerto Suarez, fronteira com Corumbá. A luz amarela intermitente no painel do veículo alertava para o baixíssimo nível de combustível. Foi então que Saboia, católico praticante, abriu a “Bíblia” em Salmos e rezou baixo com Molina, evangélico. A tensão aumentou ao pararem no último posto policial na fronteira boliviana. Embora Saboia tivesse plena ciência do interesse de Morales em permitir que Molina deixasse o país, havia o temor de um imprevisto. “Se o primeiro carro fosse bloqueado, teríamos que jogar o nosso no acostamento e passar. Ou eu desceria e sairia correndo para cruzar a fronteira a pé”, revelou o senador boliviano. Após o trajeto de 22 horas, Molina disse, como um desabafo: “Senti um conforto emocional muito grande, após tanta pressão durante 22 horas e meia e 1,6 mil quilômetros. Foram momentos dramáticos e emocionantes”, desabafou Molina.

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Cercados no hotel Minutos depois, já no Brasil, eles tiveram que fazer outra parada, desta vez no posto da Polícia Federal. Estavam em Corumbá. Dois policiais fardados pediram que Saboia e Molina aguardassem no interior do veículo, enquanto eles faziam algumas ligações. Cerca de 40 minutos depois, cinco policiais à paisana chegaram ao local. Cumprimentaram a todos e disseram ter ordens superiores para fazer a escolta do grupo. Apreensivos e bastante cansados da tensão da viagem, Molina e seus acompanhantes receberam um tratamento regular, diante das circunstâncias. Foram levados ao hotel Santa Mônica. Ainda no carro, Molina ligou para o senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que almoçava despreocupadamente com a esposa em sua casa, em Vitória (ES). Ao atender, Ferraço ouviu Molina gritar do outro lado da linha. “Estou no Brasil! Necessito de ajuda para chegar a Brasília.” Ferraço primeiro tentou contato com o presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros (AL). A ideia era dar um caráter mais oficial à acolhida de Roger Molina. “Vai que ele oferece um avião da FAB? Era uma questão humanitária”, diz. Sem conseguir falar com Renan, ele procurou empresários e, duas horas depois, conseguiu um avião para levar o senador até a Capital Federal.

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Às 14 horas do sábado 24, o senador Molina adentrou ao hotel com Saboia e o resto do comboio. Foi direto para seus aposentos, no quarto andar. Os próprios policiais fizeram o check-in. Numa medida para evitar a presença de desconhecidos e monitorar o que se passava no quarto do senador, bloquearam todos os apartamentos daquele andar. O boliviano tomou um banho, trocou de roupa e tirou uma foto com celular. Anexou a imagem a um SMS que enviou para a filha. “Cheguei em Corumbá. Avise a todos que estou bem!” Funcionários do hotel ouvidos por ISTOÉ afirmam que o trânsito de autoridades na fronteira é comum. Por isso não suspeitaram da missão até o fim da tarde, quando “um ministro” ligou querendo falar com Saboia.


O prefeito de Corumbá, Paulo Duarte (PT), foi acionado no início da noite. O primeiro contato partiu do Itamaraty, o segundo de uma autoridade que ele prefere proteger. “Pediram que eu descobrisse se alguém com o nome de Roger Pinto Molina havia entrado em algum hospital da cidade”, relata. Funcionários da Secretaria de Saúde do município foram tirados de casa para fazer a varredura. Como não acharam ninguém, tentaram os hotéis. O Santa Mônica foi a primeira opção. Ao comunicar que havia encontrado Molina, Duarte foi orientado a achar um médico de confiança para examiná-lo. O médico encontrou o senador boliviano com um quadro agudo de desidratação e taquicardia. Ele foi medicado e orientado a repousar.

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Às 20h, Ferraço desembarcou no aeroporto local. Seguiram-se, então, novos momentos de tensão. Pelo que ficara combinado, era nesse horário que ele deveria resgatar Molina. Não encontrou ninguém e ligou para o senador. Tentou também o diplomata Eduardo Saboia, mas ambos estavam incomunicáveis. “Foram horas de preocupação. Não sabia o que ia acontecer”, afirmou Ferraço. Uma hora depois, um agente da PF chegou ao aeroporto e avisou ao senador que ia buscar Molina. Às 22h, os agentes da PF montaram guarda na recepção do hotel, para impedir movimentos de entrada e saída, ação que ficou registrada nas câmeras de circuito interno de tevê do hotel.

Conselhos do governador No aeroporto, Saboia e Roger Molina se despediram dos policiais e embarcaram. “Estou aliviado em estarmos no Brasil. Só estou preocupado com a minha família, que ficou na Bolívia”, afirmou um emocionado Saboia a Ferraço. A esposa de Saboia também é diplomata, lotada em Santa Cruz, e estava em casa com o filho. No trajeto, os dois contaram a Ferraço que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, havia telefonado para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pedindo que um médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) fosse até o hotel atender Molina. Era 1h20 quando o avião desembarcou em Brasília. O senador boliviano pediu, então, para que o carro oficial do senador Ferraço o levasse para a casa do advogado Fernando Tibúrcio, que possui vários contatos com a oposição boliviana. É amigo, inclusive, do empresário Tito Quiroga, que já foi candidato a presidente e é adversário de Evo Morales. Um pouco depois, Molina deu um longo depoimento ao documentarista Dado Galvão, que se aproximou de integrantes da oposição ao governo Dilma durante a patrulha petista contra a dissidente cubana Yoani Sánchez.

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Ao descobrir que diplomatas brasileiros organizaram um plano que ela havia condenado de forma clara e definitiva, a presidenta demitiu Antonio Patriota de um cargo que ele conseguia conservar com dificuldades imensas, apesar da vitória inédita representada pela conquista da direção geral da Organização Mundial de Comércio por um candidato brasileiro. Submetido a uma investigação para apurar suas responsabilidades, o próprio Saboia foi removido de seu posto em La Paz e, em qualquer caso, só poderia contar com oportunidades de promoção na carreira em nova combinação política. O destino do senador Roger Molina parece encaminhado para que ele permaneça no País, desde que tenha disposição para manter uma postura discreta, longe de manifestações políticas, comportamento que se costuma pedir a quem pretende assumir a condição de refugiado. Foi por essa razão que, após conselhos do senador Jorge Vianna (PT-AC), ele cancelou depoimentos públicos nos quais seria chamado a criticar Evo Morales e, por tabela, fazer referências negativas à diplomacia do governo Dilma.

Fotos: André Ribeiro; Marcos Boaventura/Folhapress; Paulo Yuji Takarada; Joel Rodrigues/FRAME
Fotos: Michel Filho/Agência O Globo; Leon Neal/afp photo
Fotos: Martín Alipaz/EFE; Pedro santana/afp; Alan marques/folhapress 

http://www.istoe.com.br/reportagens/321934_A+ESCAPADA+PELOS+ANDES

Bandidos na arquibancada


Os estádios padrão Fifa pressupõem uma nova forma de torcer. Até quando o Brasil vai conviver com os vândalos nas torcidas?

Rodrigo Cardoso
 

Cearense considerado um dos primeiros grandes historiadores do Brasil, Capistrano de Abreu (1853 - 1927) dizia que, se a ele fosse dado o direito de escrever a Constituição, ela teria dois únicos artigos. Primeiro: cumpra-se a lei. E o seguinte: revogam-se as disposições em contrário. Lá atrás, ele já identificava um problema estrutural e histórico de nossa sociedade: a impunidade. Motivados pela certeza de que a lei não produzirá efeito contra eles, membros de torcidas organizadas repetiram episódios de violência no futebol nas dependências do estádio Mané Garrincha, em Brasília, no domingo 25. O jogo entre Corinthians e Vasco pelo Campeonato Brasileiro virou coadjuvante diante de uma briga entre as torcidas organizadas dos dois clubes. Dois dos envolvidos na confusão, Leandro Silva de Oliveira e Cleuter Barreto Barros, membros da Gaviões da Fiel, são a prova viva de que, para esses vândalos, zombar da lei é hábito. Eles fizeram parte do grupo de corintianos preso em Oruro, na Bolívia, suspeito da morte do adolescente Kevin Spada, durante o jogo San Jose e Corinthians, em fevereiro, pela Copa Libertadores.

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AFRONTA
O Mané Garrincha custou R$ 1,7 bilhão e virou campo...de batalha

Reformado para receber jogos da Copa do Mundo, em 2014, o Mané Garrincha é um dos 12 estádios erguidos no padrão Fifa, o que pressupõe uma mudança no jeito de torcer do brasileiro. Uma das novidades é a ausência de arquibancadas, com as pessoas ocupando assento numerado, deixando assim de circular pela arena. Não foi o que se viu. Torcedores da Gaviões da Fiel deram a volta no estádio para se confrontar com os do Vasco. Esse episódio torna evidente a necessidade de ações mais efetivas, pois a construção de um estádio moderno por si só não muda o comportamento de uma multidão. “Isso se faz com educação. Se não a temos, é preciso que a polícia prenda e a Justiça leve a punição às últimas consequências”, diz Mauricio Murad, titular de sociologia do esporte do mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo).

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Diante das cenas de violência explícita do domingo 25, fica a questão: como em um estádio que custou R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos e dispõe de mais de 400 câmeras, a polícia não percebeu a movimentação das torcidas para impedir o confronto? O Ministério Público paulista pediu, após o confronto em Brasília, a dissolução da Gaviões e aplicou uma multa de R$ 30 mil à torcida por não zelar pela segurança de seus pares. Identificados nas imagens, três torcedores foram indiciados e, enquadrados pelo Estatuto do Torcedor, podem ser afastados dos estádios por até três anos – além de Oliveira e Barros, Raimundo César Faustino, vereador de Francisco Morato, na Grande São Paulo. Todos estão proibidos pela Federação Paulista de Futebol de frequentar estádios por 90 dias. O problema é que aqui não é a Inglaterra, onde os que sofrem tal punição são obrigados a se dirigir a uma delegacia enquanto acontecem os jogos de seus times. Uma sugestão dos especialistas ouvidos por ISTOÉ é enquadrar esses torcedores violentos no Código Penal, por lesão corporal. Dependendo da gravidade, eles ficariam presos por até cinco anos. Eles também poderiam ser condenados por formação de bando ou quadrilha, sob pena de até oito anos de prisão.

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Desde 2012, corre na Justiça um pedido de dissolução da Gaviões da Fiel. A extinção dela, no entanto, não resolveria a questão. A antiga torcida organizada do Palmeiras, Mancha Verde, foi banida pela Justiça, mas seus membros fundaram a Mancha Alviverde e, sob essa nova razão social, já se envolveram em confusão. No ano passado, jogadores do Palmeiras foram agredidos por seus membros em um aeroporto. Melhor estratégia é cortar o dinheiro repassado a essas organizadas – afinal há clubes que as financiam com transporte ou transferindo a elas cotas de ingressos – e, um último caso, até punir os times. Em São Paulo, muitas delas recebem R$ 710 mil por ano da prefeitura para desfilar no Carnaval. Para Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais ESPN, proibi-las de ir para a avenida seria uma boa iniciativa. “Por que nunca se mexe no dinheiro dessas escolas de samba?”, diz. O episódio no Mané Garrincha deixou claro que a solução não é tão complicada. O fato de dois corintianos presos em Oruro estarem no meio da confusão confirma que os envolvidos são sempre os mesmos.


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Os ultraconservadores contra o papa Francisco


Barulhentos e influentes, católicos tradicionalistas questionam o suposto descaso do sumopontífice com a liturgia da religião

João Loes
 

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FOGO CRUZADO
Oposição ao novo entendimento de igreja proposta
por Francisco vem de religiosos e leigos

"Boa noite.” Foram estas as primeiras palavras ditas pelo argentino Bergoglio quando foi anunciado papa, em 13 de março. Segundo especialistas, tradicionalmente, as primeiras palavras de um pontífice são uma bênção, algo como “A paz de Jesus Cristo!” ou “Jesus Cristo seja louvado!” Não com Francisco, que ao final de sua saudação ainda pediu que os fiéis rezassem por ele. Estava dado o tom de seu pontificado. Nos meses que se seguiram, ficou evidente que o novo líder religioso podia ser a força de renovação que a maioria dos católicos tanto desejava. Quebrando, sucessivamente, os protocolos, ele revelou desprendimento com as formalidades da milenar Igreja Católica e mostrou que, mais do que as tradições, o que vale é o compromisso com o fiel, com a misericórdia, com a pobreza e com o serviço. O boa noite, portanto, para a grande maioria, foi o prenúncio de uma mudança positiva na Igreja. “Mas teve muita gente que achou aquele ‘boa noite’ sinistro”, diz Henrique Sebastião, 46 anos, fundador do blog “A voz da igreja”, de orientação tradicional, que recebe mais de duas mil visitas por dia.

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RESISTÊNCIA
Editor de blog tradicionalista, Henrique Sebastião,
recebe e-mails com críticas ao papa diariamente

Sebastião recebe dezenas de e-mails diariamente de fiéis conservadores descontentes com algumas atitudes (leia quadro) de Francisco. “Temos uma tradição riquíssima, de dois mil anos. Por que deixá-la de lado e fazer pouco dela?”, afirma ele, que garante não ser antipapal. Pelo mundo, páginas mais radicais, como a “Panorama Católico Digital”, da Argentina, se expressam mais claramente e chegam a apresentar textos que afirmam que o pontífice “professa abertamente doutrinas contra a fé e a moral” ou que ele não é o homem certo para o trono petrino por ser “frouxo na doutrina e na liturgia, fraco no combate ao aborto e ao casamento gay e sem experiência curial”. “Ele vem causando preocupação entre os mais tradicionais”, disse Marcelo González, fundador do “Panorama Católico Digital” à ISTOÉ. “Não posso condenar o papa, porque sou fiel, mas o descaso com a tradição afasta o rebanho de verdades teológicas que hoje já vivem ofuscadas pela modernidade”, afirma González, que é leigo. Pequeno, mas barulhento e influente, o grupo de ultraconservadores deve continuar a carga contra Francisco e suas reformas. Se eles serão ouvidos ou não, só o tempo dirá.

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O camarim verde dos astros


Há uma mudança entre os ídolos do pop: perdem espaço as bebidas, as pilhas de toalhas e outros excessos e entram os produtos biodegradáveis, a comida orgânica e a coleta seletiva

Ana Carolina Nunes
 

Quando se apresentou nas areias de Copacabana em fevereiro de 2006, a banda britânica Rolling Stones atraiu um público de mais de um milhão de pessoas. O gigantismo do show não se restringiu à multidão. Na sua lista de exigências, os músicos incluíram quatro carros Mercedes-Benz blindados com motorista bilíngue, 48 garrafas de vinho e 65 aparelhos de videogame. São números de um grupo formado no início dos anos 1960 – quando a preocupação com a longevidade do planeta ainda era incipiente – e que tem como maior sucesso uma música afirmando que não há nada capaz de satisfazê-los. Hoje, os tempos são outros. Na contramão da cultura de excessos, vem crescendo o número de astros do pop dispostos a deixar para as próximas gerações um planeta com, no mínimo, a mesma quantidade de recursos naturais. Dois deles estão de viagem marcada para o Brasil em setembro.

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MÃOS LIMPAS
No camarim de Bruce Springsteen só entram pratos e talheres
feitos de materiais que não agridem o meio ambiente

Bruce Springsteen – que irá se apresentar em São Paulo e no Rio de Janeiro – faz jus ao apelido “The Boss” (“O Chefe”) quando o assunto é sustentabilidade. Ele não admite a entrada de vidro ou plástico em seu camarim. Todos os talheres, copos e pratos devem ser feitos com material biodegradável. Para que os dejetos tenham o destino adequado, exige lixeiras com separação para reciclagem. Essa medida também é adotada pelo cantor e guitarrista John Mayer, a outra estrela que visitará o País. No camarim que será montado para ele na Arena Anhembi, em São Paulo, todo o cardápio será vegetariano. E mais: os alimentos utilizados devem ser orgânicos, ou seja, aqueles produzidos localmente e sem uso de aditivos químicos no cultivo.

Inspirada pelo que vê em casa, a atual companheira de Mayer, a cantora pop inglesa Katy Perry, juntou-se ao grupo dos músicos ecologicamente corretos. Assim como a também cantora Sheryl Crow, ela estipula em contrato que todos os membros de sua equipe recebam garrafas de água reutilizáveis, para serem abastecidas em bebedouros, evitando o uso de centenas de garrafas plásticas. De preferência, ela pede as garrafas da marca Sigg, que são feitas de alumínio – para conservar a temperatura da água e diminuir a necessidade de refrigeração – e não contêm Biosfenol A (ou BPA), uma substância química apontada como cancerígena.

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SEM CARNE
O cantor e compositor John Mayer pede cestos de lixo com separação para
reciclagem e um menu vegetariano montado com produtos orgânicos

Também preocupados em ser verdes da boca para dentro, os integrantes da banda de rock progressivo Rush contrataram um chef para acompanhá-los nas turnês pelo mundo. O profissional tem a missão de usar apenas ingredientes locais, comprados frescos diretamente de fazendeiros, pescadores ou mercados regionais. O objetivo, além de valorizar a produção orgânica e sazonal, é reduzir as emissões de poluentes causadas pelo transporte de alimentos por grandes distâncias. A onda dos camarins verdes vem ganhando tanta força que, nos Estados Unidos, já foi criada uma coalizão de músicos, gravadoras e fãs engajados em espalhar iniciativas sustentáveis na indústria. Batizado de Green Music Group, o projeto incentiva, divulga e ajuda na criação de iniciativas ambientalmente responsáveis.

No Brasil, o grupo Cidade Negra aderiu com entusiasmo ao movimento e foi além. Montou para este ano a primeira turnê sustentável do País. Como seus colegas do Hemisfério Norte, a banda exige camarins com utensílios biodegradáveis e gerenciamento correto do lixo. Mas teve o cuidado de adotar medidas mais originais, como utilizar placas de sinalização feitas de material reciclável e vestir todos os membros da equipe de apoio com camisetas feitas de garrafas PET recicladas. Os fãs se divertem, e o planeta não sofre nada com isso.

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Estamos seguros?


O desabamento de um prédio em São Paulo mostra mais uma vez a negligência do poder público na fiscalização das obras no momento em que o País vive uma forte expansão no setor

Natália Mestre


No momento em que o País vive um extraordinário boom no setor de construção civil, seja com lançamentos de novos imóveis, seja com reformas de antigas edificações, o desmoronamento de um prédio em São Paulo expõe mais uma vez o quanto o poder público no Brasil vem sendo negligente no controle e na fiscalização das obras. Na manhã da terça-feira 27, em São Mateus, zona leste, um edifício de dois andares ruiu, deixando dez mortos e 26 feridos. Segundo a prefeitura, a obra estava irregular por falta de alvará de execução e não poderia estar em andamento. Duas multas haviam sido emitidas – a primeira, de R$ 1,159 mil, e a segunda, no valor de R$ 103,5 mil. Nenhuma foi paga. Um auto de embargo também foi emitido e descumprido. A tragédia segue o tradicional roteiro de trocas de acusações. O dono do imóvel, Mustafá Ali Mustafá, e a Salvatta Engenharia, empresa contratada pelo Magazine Torra Torra – que alugou o prédio –, tentam se eximir de responsabilidade sobre o caso e a prefeitura, que a princípio também tentava tirar o corpo fora, por fim assumiu que tem sua parcela de culpa e prometeu agir. “Posso garantir que a prefeitura vai apurar a negligência da fiscalização”, diz o prefeito Fernando Haddad.

A tragédia espalhou uma enorme sensação de insegurança em relação à construção civil no Brasil. “O segmento se mantém aquecido por conta dos empreendimentos vendidos, das obras da Copa e da Olimpíada”, diz Haruo Ishikawo, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP). O desemprego no setor é inferior a 5% desde 2007 – no primeiro semestre de 2013 ficou em 2,7%. Nos últimos oito anos, apenas na capital paulista, estima-se que tenham sido produzidos de 30 mil a 35 mil novos imóveis residenciais por ano, de acordo com os dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). Esse quadro se repete em outras metrópoles brasileiras. O metro quadrado na orla do Rio de Janeiro é dos mais caros do mundo. Com tanta pujança, como ter certeza de que estamos seguros no canteiro de obras que se transformou o País?

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IRREGULAR
Bombeiros trabalham no resgate às vítimas em São Paulo:
um segundo andar não previsto no projeto estava em construção

Não faltam leis e regulamentos que zelam pela segurança dos imóveis. Construções ou grandes reformas necessitam de alvará da prefeitura. Há sempre um responsável técnico designado cujo trabalho é acompanhado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). Existe ainda uma série de normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que devem ser seguidas para a realização de uma obra segura. “Posso garantir que existem normas e leis suficientes para garantir a qualidade do setor”, diz Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT. “O problema é que elas são desrespeitadas por alguns profissionais. Felizmente, eles não são a maioria, mas acabam provocando tragédias como essa de São Mateus.”
De fato, na planta original do imóvel que desabou enviada para a análise da Prefeitura, o projeto previa um estabelecimento térreo. No entanto, o prédio possuía dois andares, comprovando a alteração. O pintor Gleisson Feitosa, que estava na obra durante o desabamento, confirma que a estrutura “estava fraca”. Segundo ele, o fato já havia sido comunicado aos responsáveis que “pediram para ele continuar”. Situação semelhante resultou na tragédia do Edifício Liberdade, no Rio de Janeiro, no ano passado. Uma reforma irregular levou ao desabamento do prédio de vinte andares, de um edifício de dez andares, de um sobrado de quatro andares (leia quadro) e à morte de 17 pessoas, além de cinco desaparecidos.

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Por isso, uma fiscalização eficiente é fundamental – e é isso que os brasileiros têm de exigir do poder público. A questão vai além da figura do fiscal que vai a campo avaliar a obra. “Temos um grave problema em dar continuidade e acompanhamento aos processos”, diz o arquiteto e urbanista Ives de Freitas. Quando um embargo da prefeitura não é cumprido, isso tem de ser denunciado à polícia. “Se há vidas em risco, os agentes vistores têm a obrigação de chamar a polícia para paralisar a obra”, afirma Ishikawo, do SindusCon. Isso não aconteceu na obra de São Mateus. A desorganização na administração pública é grande. A Prefeitura de São Paulo não sabe informar o número de obras embargadas e interditadas pela força policial na cidade.

O prefeito Haddad diz que será investigado por que a continuidade da obra não foi denunciada à polícia. É crucial esclarecer esse fato uma vez que a suspeita de pagamento de propina é forte. Um dia depois do embargo, o fiscal registrou a existência de irregularidade no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) e imprimiu o documento, o que denota sua intenção de notificar a Ouvidoria da prefeitura, a polícia e o Ministério Público, mas nada disso aconteceu. No dia 4 de abril, ele pediu exoneração.

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“Não faltam leis e normas no Brasil,
mas nem sempre elas são cumpridas”

Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente
do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT


http://www.istoe.com.br/reportagens/321927_ESTAMOS+SEGUROS+

Doentes de ideologia


Médicos brasileiros reagem com fúria e preconceito à chegada dos profissionais estrangeiros, sobretudo dos cubanos, numa demonstração de que ignoram a situação da população

Wilson Aquino e Michel Alecrim
 

Atrás da tela de um computador, a jornalista potiguar Micheline Borges não mostrava seu rosto, mas mirava o dos outros. “Essas médicas cubanas tem (sic) uma cara de empregada doméstica”, escreveu ela em uma rede social, auscultando o que, em sua xenófoba opinião, seria um grave problema dos 400 profissionais de saúde cubanos que desembarcam no Brasil para ocupar vagas rejeitadas por brasileiros em municípios sem glamour, mas cheios de gente que ainda morre por diarreia. Em Fortaleza (CE), outros cubanos, igualmente integrantes do programa federal Mais Médicos, foram xingados de “escravos” e “incompetentes”. As vaias da turma de jaleco branco só não foram mais lamentáveis do que a orientação dada pelo presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), João Batista Gomes Soares. Ele defendeu que a categoria não atendesse eventuais vítimas de erros médicos dos estrangeiros. Ou seja, que deixassem morrer os pacientes, se fosse o caso. Essa postura preconceituosa e corporativa dos médicos brasileiros envergonha o País e demonstra a ignorância deles em relação à situação de penúria da população.

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IGNORÂNCIA
Médico cubano é hostilizado por profissionais de saúde
no Ceará. Eles foram xingados de -escravos

Periferia Nem é necessário ir aos rincões do País para constatar a falta de profissionais. Se essas pessoas que esbravejam contra os médicos estrangeiros visitassem o Hospital Municipal Dr. Adalberto da Graça, em Paracambi, na Baixada Fluminense, a 83 quilômetros da capital do Rio de Janeiro, entenderiam o que é ter doença e não ter médico para tratá-la. A reportagem de ISTOÉ esteve lá e ouviu os cidadãos, a maioria com mais de 60 anos, que aguardavam em fila e no sereno, desde a madrugada, na tentativa de agendar uma consulta para quando um especialista fosse à pequena e pobre cidade. Fazia cerca de 15 graus na manhã de quarta-feira 28 e o aposentado José Brás, que parece ter muito mais do que os 65 anos, buscava uma receita médica para o tratamento do acidente vascular cerebral que sofreu. “Cheguei às 4h para agendar a consulta. É doloroso”, resumiu ele. “Às vezes, só tem horário para dois meses depois”, afirmou Juliana Batista, 28 anos, que disse sofrer de “crise de nervos”. Paracambi irá receber dois médicos cubanos.
Segundo pesquisa do instituto Datafolha, 54% dos brasileiros apoiam a vinda de médicos estrangeiros para o País, e esse número vem crescendo à medida que a população entende que os profissionais de fora não vão tomar o lugar dos brasileiros. Eles irão para locais onde nenhum brasileiro quis ir. Vão salvar gente que está morrendo por falta de medicina básica. Por exemplo, Japeri, também na Baixada, é um dos municípios mais pobres do Rio e Janeiro. Lá, 40% das 123 mortes hospitalares registradas no ano passado foram por doenças infecciosas e parasitárias. Os 100 mil habitantes contam com apenas 107 médicos, mas muitos não moram na cidade e, portanto, não estão disponíveis. A cidade está alegre, pois vai receber seis médicos, dois brasileiros e quatro cubanos. “Esse contingente vai reduzir em 70% o nosso déficit na atenção primária”, prevê o secretário de saúde, Sílvio Mendonça.

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CARÊNCIA
Fila no hospital municipal de Paracambi, a 83 quilômetros
do Rio: a cidade irá receber dois médicos cubanos

Doenças Perto dali, em Queimados, distante 50 quilômetros da capital fluminense, amarga-se problema idêntico: como 60% do esgoto gerado não é recolhido, as doenças causadas pela falta de saneamento básico são mortais. “A gente tem muita dificuldade para atrair médicos para trabalhar aqui”, diz a secretária de Saúde, a ginecologista Fátima Sanches. Ela solicitou quatro profissionais, mas apenas uma médica africana se interessou pelo trabalho, com remuneração mensal de R$ 10 mil, além de ajuda de custo. Quem necessita de atendimento mais específico frequentemente tem de se deslocar a outro município. A estudante Laudicéia Cristina de Araújo, 18 anos, quebrou a clavícula há mais de uma semana e teve de se medicar na vizinha Nova Iguaçu, distante 16 quilômetros. “E, mesmo assim, o médico se limitou a olhar o raio X e mandar eu manter o braço em uma tipoia”, reclamava.

Prevenção A chegada desses profissionais aos municípios pobres e à periferia de centros urbanos significa, também, o início de um trabalho de medicina preventiva, o melhor remédio para enfermidades básicas, muitas das quais poderiam ser erradicadas com simples noções de higiene e de educação alimentar. “Se investirmos na atenção primária, além de evitar óbitos, vamos reduzir a demanda nas emergências e nos ambulatórios”, avalia o secretário de Saúde de Duque de Caxias, também na Baixada Fluminense, o cardiologista Camilo Junqueira. Em 2012, Caxias teve 49 óbitos por doenças infecciosas e parasitárias. Por isso, quer mais médicos. O Ministério da Saúde disponibilizou 32 vagas para o município, mas apenas 13 candidatos inscritos no Programa se habilitaram, sendo dois estrangeiros (um português e um colombiano).

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PRECÁRIO
Laudicéia de Araújo, de Queimados, quebrou a clavícula e teve de
se tratar em outra cidade, porque lá não tem ortopedista. José Brás,
de Paracambi, sofreu um AVC e pega fila para buscar remédios

Apesar de tudo, Rio, Brasília e São Paulo são os que têm melhor índice de médicos por mil habitantes – respectivamente, 3,62, 4,9 e 2,64. No interior do Nordeste e no Norte, a situação é dramática. O cardiologista Sérgio Perini, por exemplo, é o único para atender os 18 mil habitantes de Santa Maria das Barreiras, no interior do Pará, Estado em que a relação médico por mil habitantes é de 0,84. “As pessoas não têm mais a quem pedir ajuda a não ser a mim. Se tiver mais de três casos urgentes para atender imediatamente, como eu faço?”, questiona. Por isso, é incompreensível a fúria preconceituosa a que estão sendo submetidos os médicos estrangeiros, sobretudo os de Cuba. Nessa primeira etapa, foram selecionados 559 profissionais de países como Espanha, Portugal e Argentina. Desses, 282 já estão em treinamento, além dos 400 cubanos que deverão ser maioria quando os quatro mil médicos da ilha caribenha chegarem ao Brasil, como estabelece o acordo firmado entre o Brasil e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Ao contrário dos demais, porém, eles não receberão o salário integral. Entre 40% e 50% da remuneração ficará com o governo de Raúl Castro.

Atendimento O Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais não voltaram atrás em relação ao combate que têm feito ao programa do governo, mas tiveram de realizar uma reunião na quarta-feira 28 para falar do constrangimento geral em relação às atitudes agressivas da classe. Sem citar a manifestação de Fortaleza, uma nota divulgada após o encontro dizia repudiar “atos de xenofobia e preconceito em qualquer situação”. As entidades também procuraram deixar claro que são contra a postura tomada pelo conselho de Minas em relação a eventuais erros médicos praticados por estrangeiros. E corrigiram: “Os médicos brasileiros, sempre que procurados, devem prestar atendimento aos pacientes com complicações decorrentes de atendimentos realizados por médicos estrangeiros contratados sem a revalidação de seus diplomas”.

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João Batista Gomes Soares, do CRM-MG, defendeu que os médicos
não atendessem eventuais vítimas de erros dos estrangeiros

No juramento de Hipócrates, atualizado em 1948 pela Declaração de Genebra e adotado pelo Brasil, está dito o que deve ser a premissa de quem escolhe a medicina: exercer a arte de curar, mostrar-se sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Mas, ao que tudo indica, muitos doutores esqueceram dessa parte do juramento que fizeram. Que venham os estrangeiros.

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http://www.istoe.com.br/reportagens/321833_DOENTES+DE+IDEOLOGIA

PF entra no trilho


Polícia Federal vai investigar contratos do Metrô de São Paulo, denunciados por ISTOÉ, que já foram analisados pelo Tribunal de Contas e somam R$ 11 bilhões

Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
 

Passava das 14h da quinta-feira 29 quando agentes da Polícia Federal entraram no edifício do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, centro da capital paulista, e subiram ao quinto andar em busca de documentos relacionados à formação de cartel de empresas ligadas ao transporte sobre trilhos em São Paulo. A ação policial teve como foco 21 contratos com indícios de irregularidades, de acordo com pessoas ligadas à investigação e ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Os negócios, em valores corrigidos, somam cerca de R$ 11 bilhões. Cinco já foram julgados irregulares pelo Tribunal de Contas. Já três, estimados em R$ 6,3 bilhões, nem sequer foram julgados. Outros 13, como o projeto executivo para o trecho Ana Rosa/Ipiranga da Linha 2 Verde, que custou ao menos R$ 143,6 milhões, foram considerados regulares pelo tribunal.

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A Polícia Federal pretende usar as informações contidas nos procedimentos do TCE para complementar um inquérito que investiga as fraudes cometidas pelas 18 empresas participantes do cartel, que teria abastecido um propinoduto que percorreu as gestões do PSDB em São Paulo nos últimos 20 anos. Há três semanas ­ISTOÉ já havia revelado com exclusividade análises do Tribunal de Contas do tEstado de São Paulo que alertavam as autoridades paulistas sobre a existência de superfaturamentos e direcionamento de contratos. Apesar dos avisos, as tramoias nos certames continuaram a ocorrer. “A auditoria do tribunal, em diversos casos de contratos, mostrou que não havia competição entre as empresas”, disse o presidente do tribunal, Antônio Roque Citadini. “Diante desses novos fatos, os contratos que já foram julgados regulares podem ser reabertos para nova análise”, afirma Citadini.

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O Ministério Público Federal também aprofunda as investigações sobre o escândalo do Metrô em São Paulo. Desde que a PF realizou, em 4 de julho, a operação “Linha Cruzada”, o MPF tenta sem êxito ter acesso ao material recolhido. Os requerimentos encontram-se parados na Justiça há mais de um mês à espera de uma decisão. De acordo com a procuradora da República, Karen Louise Jeanette Kahn, o compartilhamento é necessário para que haja uma força-tarefa na investigação. “Essa troca de informações é condição básica para que o trabalho avance de forma mais rápida e os ilícitos detectados sejam punidos”, analisa Karen.

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A reconstrução política de Dilma


A dez meses da campanha, com a popularidade em alta e programas bem-aceitos, a presidenta tenta iniciar uma nova relação com o Congresso e a sociedade

Paulo Moreira Leite
 

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REFAZENDO A PONTE
Na terça-feira 27, Dilma foi pela terceira vez ao Congresso
desde a posse. Tirou fotografias, conversou com parlamentares
e até cumprimentou integrantes do chamado baixo clero

Nem todo mundo no Planalto quer admitir, mas está em curso no governo a reconstrução política da presidenta Dilma Rousseff. Atingida em cheio pelos protestos de junho, quando sua aprovação foi abalada nas ruas, caindo 30 pontos, a presidenta exibe 90 dias depois a saúde de um paciente que saiu da UTI, recebeu alta dos médicos e voltou para casa. Ninguém acredita que um dia ela voltará a exibir os índices espetaculares de  março, quando o governo era aprovado por 63% dos brasileiros e a popularidade de Dilma chegou a 77% , recorde jamais igualado por qualquer antecessor, nem Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, de acordo com o mais recente levantamento do DataFolha, Dilma saltou seis pontos nas  pesquisas de intenção de voto e chegou a 36% das preferências para 2014. No Ibope,  a presidenta está com 38% das intenções de voto. Pesquisas internas, encomendadas pelo próprio PT,  apontam para 41%.

Apurou-se outra novidade nesse levantamento interno. Entre aquela presidenta que enfrentou as maiores e mais agressivas mobilizações de rua depois da democratização do País e a chefe de Estado que na semana passada se encontrava às voltas com a crise no Itamaraty, consolidou-se uma personalidade política com luz própria, menos dependente de seu padrinho, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre petistas graduados, que tiveram acesso aos dados completos da pesquisa, acredita-se que Dilma recolhe, em 2013, os frutos de uma postura de prezar valores éticos que assumiu desde o início do governo, quando declarou sua rejeição aos “malfeitos” e promoveu “faxinas” para afastar auxiliares suspeitos. Motivo de tantas críticas entre aliados do governo, a lendária rejeição de Dilma pelas barganhas promíscuas do Congresso também ajudou a presidenta a identificar-se com manifestantes que protestaram para sublinhar seu inconformismo.

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ALAVANCA
O Programa “Mais Médicos” contribuiu para o
crescimento de Dilma nas pesquisas para 2014

Lembrando as críticas que Dilma recebeu depois que apareceu na tevê para defender medidas como a reforma política e o plebiscito, hoje apoiadas por mais de 80% da população, e o Mais Médicos, projeto que levantou polêmica em sua fase inicial, mas, aos poucos, conquistou  sustentação junto à maioria da população, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), um dos principais interlocutores da presidenta, repara a ironia dessa situação. “A maioria dos políticos costuma dizer que é preciso ficar longe das crises para não se contaminar. Falam que não se deve trazer problemas para o colo. Todos fizeram isso, menos a presidenta, que foi atrás de soluções. Enquanto ela cresceu, os adversários sumiram.”

Nem tudo se resume a uma orientação política adequada. A presidenta, na verdade, arregaçou as mangas para ir atrás do eleitor naqueles lugares em que ele se mostrava mais arredio. No último mês, reservou três dias da semana para viagens para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde as pesquisas demonstraram que os protestos causaram estrago maior. Num comportamento inspirado, segundo auxiliares, no espetáculo de simplicidade apresentado pelo papa Francisco na visita ao País, em duas oportunidades a presidenta afastou-se da equipe de seguranças para caminhar à solta entre a multidão das ruas. Fez isso em São Paulo, antes de visitar a sede de uma central sindical, e repetiu o comportamento em Belo Horizonte, na semana passada, quando percorreu locais que frequentava na juventude. Convencida de que não terá nada a ganhar caso venha a exibir um comportamento excessivamente tolerante no Congresso, mas terá muito a perder em demonstrações fúteis de hostilidade em relação a senadores e deputados, nas últimas semanas Dilma cumpriu uma agenda parlamentar mais recheada do que em seus dois anos e oito meses de mandato presidencial. Realizou três reuniões com lideranças da Câmara e três no Senado. Na semana passada, quando soube que uma comissão de parlamentares pretendia marcar uma audiência no Planalto para lhe entregar as conclusões da CPMI sobre a Violência Doméstica, Dilma inverteu os papéis. Decidiu que ela iria ao Congresso, em vez de o Congresso ir até ela. Foi a  terceira visita à Casa desde a posse, mas foi a mais cordial. Acolhedora, Dilma tirou fotografias, conversou com parlamentares no caminho “e até cumprimentou integrantes do baixo clero,” afirma um deles. É bem verdade que, um dia depois dos afagos, a cúpula do Congresso – leia-se a dupla Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara, e Renan Calheiros, do Senado – apresentou propostas desagradáveis ao Planalto, como a de ampliar a fiscalização de comissões da Casa sobre projetos do governo federal. Mas Dilma parece estar de olho bem aberto para eventuais traições. E, neste novo momento da interlocução com o Congresso, saberá a hora de pagar e cobrar suas faturas políticas.

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FAVORITISMO
A senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) não vota em Dilma, mas
acredita que a presidenta “só perde a eleição para ela mesma

Uma das mais ativas adversárias do governo no Congresso, a senadora Ana Amélia (PP-RS) reconhece a recuperação de Dilma e admite que a presidenta atravessa um novo e importante momento. Para Ana, o cenário que se desenha ameaça recriar uma situação política que o País já viu outra vez. Como existem adversários envolvidos na luta interna, como o PSDB, e os que enfrentam problemas para viabilizar a candidatura no TSE, como Marina Silva, “no momento Dilma está sozinha no cenário, de novo. A oposição não aparece”, avalia a senadora. Mesmo fazendo questão de dizer “eu não  voto nela”, Ana Amélia lembra que “Dilma só perde para ela mesma.”

A presidenta  pode perder para a economia também. O governo enfrenta as intempéries de uma crise internacional que lança dúvidas e incertezas sobre as oportunidades oferecidas à maioria dos países de economia média para cima, como o Brasil. Mas Dilma tem direito a festejar os meses recentes, quando, para desmentir o alarmismo de tantos adversários, a inflação caiu para um patamar próximo de zero, o que também vitamina a aprovação de qualquer governo.  Com o auxílio de medidas cuidadosas, o desemprego se mantém no patamar mais baixo da história. Marcados para os próximos meses, os leilões do pré-sal, de ferrovias e estradas oferecem ao governo várias oportunidades reais para atrair investimentos de porte. Resta saber se o governo irá cumprir sua parte, oferecendo regras e condições para interessar os investidores em vez de criar normas burocratizadas e pouco convidativas que possam afugentá-los.

http://www.istoe.com.br/reportagens/321929_A+RECONSTRUCAO+POLITICA+DE+DILMA

Onda de suicídios assusta


Em um ano, 11 agentes da PF tiraram a própria vida. Atualmente, policiais morrem mais por suicídio do que durante combate ao crime. Conheça as possíveis causas desse cenário dramático

Josie Jeronimo e Izabelle Torres
 

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DRAMA
Em 40 anos, 36 policiais federais perderam a vida no cumprimento da função.
Um terço desse total morreu por suicídio apenas entre 2012 e 2013

Vista do lado de fora, a Polícia Federal é uma referência no combate à corrupção e ainda representa a elite de uma categoria cada vez mais imprescindível para a sociedade. Vista por dentro, a imagem é antagônica. A PF passa por sua maior crise interna já registrada desde a década de 90, quando começou a ganhar notoriedade. Os efeitos disso não estão apenas na queda abrupta do número de inquéritos realizados nos últimos anos, que caiu 26% desde 2009. Estão especialmente na triste história de quem precisou enterrar familiares policiais que usaram a arma de trabalho para tirar a própria vida. Nos últimos dez anos, 22 agentes da Polícia Federal cometeram suicídio, sendo que 11 deles aconteceram entre março de 2012 e março deste ano: quase um morto por mês. O desespero que leva o ser humano a tirar a própria vida mata mais policiais do que as operações de combate ao crime. Em 40 anos, 36 policiais perderam a vida no cumprimento da função. Para traçar o cenário de pressões e desespero que levou policiais ao suicídio, ISTOÉ conversou com parentes e colegas de trabalho dos mortos. O teor dos depoimentos converge para um ponto comum de pressão excessiva e ambiente de trabalho sem boas perspectivas de melhoria.

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FALTA DE ESTRUTURA
Agentes trabalham amordaçados em protesto contra condições desumanas de trabalho

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) no ano passado mostrou que por trás do colete preto, do distintivo, dos óculos escuros e da mística que transformou a PF no ícone de polícia de elite existe um quatro grave. Depressão e síndrome do pânico são doenças que atingem um em cada cinco dos nove mil agentes da Polícia Federal. Em um dos itens da pesquisa, 73 policiais foram questionados sobre os motivos das licenças médicas. Nada menos do que 35% dos entrevistados responderam que os afastamentos foram decorrentes de transtornos mentais como depressão e ansiedade. “O grande problema é que os agentes federais se submetem a um regime de trabalho militarizado, sem que tenham treinamento militar para isso. Acreditamos que o problema está na estrutura da própria polícia”, diz uma das pesquisadoras da UnB, a psicóloga Fernanda Duarte.


O drama dos familiares dos policiais que se suicidaram está distribuído nos quatro cantos do País. A última morte registrada em 2013 ainda causa espanto nas superintendências de Roraima, onde Lúcio Mauro de Oliveira Silva, 38 anos, trabalhou entre dezembro do ano passado e março deste ano. Mauro deixou a noiva no Rio de Janeiro para iniciar sua vida de agente da PF em Pacaraima, cidade a 220 quilômetros de Boa Vista. Nos 60 dias em que trabalhou como agente da PF, usou o salário de R$ 5 mil líquidos para dar entrada em financiamento de uma casa e um carro. O sonho da nova vida acabou com um tiro na boca, na frente da noiva. Cinco meses se passaram desde a morte de Mauro e o coração de sua mãe, Olga Oliveira Silva, permanece confuso e destroçado. “A Federal sabia que ele não tinha condições de trabalhar na fronteira. Meia hora antes de morrer, ele me ligou e disse: Mainha, eu amo a senhora. Perdoa eu ter vindo pra cá sem ter me despedido”.

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Relatos de colegas de Mauro dão conta que ele chegou a sofrer assédio moral pela pouca produtividade, situação mais frequente do que se poderia imaginar. Como ele, cerca de 50% dos agentes federais já chegaram a relatar casos de assédio praticados por superiores hierárquicos. Essas ocorrências, aliadas a fatores genéticos, à formação de cada um e à falta de perspectivas profissionais, são tratadas por especialistas como desencadeadoras dos distúrbios mentais. “A forma como a estrutura da polícia está montada tem causado sofrimento patológico em parte dos agentes. Há dificuldades para enfrentar a organização hierárquica do trabalho. As pessoas, na maioria das vezes, sofrem de sentimentos de desgaste, inutilidade e falta de reconhecimento. Não é difícil fazer uma ligação desse cenário com as doenças mentais”, afirma Dayane Moura, advogada de três famílias de agentes que desenvolveram doenças psíquicas.

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Os distúrbios mentais e a ocorrência de depressão em policiais são geralmente invisíveis para a estrutura da Polícia Federal. De acordo com o Sindicato dos Policiais do Distrito Federal, há apenas cinco psicólogos para uma corporação de mais de dez mil pessoas. Não há vagas para consultas e tampouco acompanhamento dos casos. Foi nessa obscuridade que a doença do agente Fernando Spuri Lima, 34 anos, se desenvolveu. Quando foi encontrado morto com um tiro na cabeça, em julho do ano passado, a Polícia Federal chegou a cogitar um caso de vingança de bicheiros, uma vez que ele tinha participado da Operação Monte Carlo. Dias depois, entretanto, descobriu-se que Spuri enfrentava uma depressão severa há meses. O pai do agente, Fernando Antunes Lima, reclama da falta de estrutura para um atendimento psicológico no departamento de polícia. “Os chefes estão esperando quantas mortes para tomar uma ação? Isso é desumano e criminoso”, diz ele.


O drama de quem perdeu um familiar por suicídio não se limita aos jovens na faixa dos 30 anos. Faltavam dois anos para Ênio Seabra Sobrinho, baseado em Belo Horizonte, se aposentar do cargo de agente da Polícia Federal. Com histórico de transtorno psicológico, o policial já havia comunicado à chefia que não se sentia bem. Solicitou, formalmente, ajuda. Em resposta, a PF mandou dois agentes à sua casa para confiscar sua arma. Seabra foi então transferido para o plantão de 24 horas, quando o policial realiza funções semelhantes às de um vigia predial. A missão é considerada um castigo, pois não exige qualquer treinamento. No dia 14 de outubro de 2012, Seabra se matou, aos 49 anos. Apesar de estar perto da aposentadoria, a família recebe pensão proporcional com valor R$ 2 mil menor do que os vencimentos do agente, na ativa.

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Fruto de uma especial combinação de fatores negativos, internos e externos, o suicídio nunca foi uma tragédia de fácil explicação para a área médica nem para estudiosos da vida social. Lembrando que toda sociedade, em qualquer época, tem como finalidade essencial defender a vida de seus integrantes, o sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) demonstrou que o suicídio é a expressão mais grave de fracasso de uma comunidade e que raramente pode ser explicado por uma razão única. Ainda que seja errado apontar para responsabilidades individuais, a tragédia chegou a um nível muito grande, o que cobra uma resposta de cada parcela do Estado brasileiro que convive com esse drama.

fotos: Cesar Greco / Foto arena; Adriano Machado

http://www.istoe.com.br/reportagens/321921_ONDA+DE+SUICIDIOS+ASSUSTA

O nobre colega presidiário


Condenado a 13 anos de cadeia, Natan Donadon saiu da prisão para ser absolvido na Câmara. Com a decisão de preservar o mandato do colega, os parlamentares submeteram o Brasil a um vexame histórico e criaram precedentes para salvar mensaleiros

 

Josie Jeronimo
 

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SALVO
No plenário, o deputado Natan Donadon se ajoelha (acima) após
a absolvição: “Não sou ladrão”, jurou. O parlamentar deixou a Câmara
algemado (abaixo) rumo ao presídio da Papuda, em Brasília

Com bottom de parlamentar, terno bem alinhado e algemas, o deputado Natan Donadon deixou a Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira 28 do mesmo modo que entrou: como um inusitado detento com mandato parlamentar. Durante a votação do pedido de sua cassação, muitos colegas não se preocuparam com sua ficha corrida, que inclui a condenação pelo desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia, de 1995 a 1998, quando era diretor financeiro da instituição. O rosto abatido e as lamentações da vida de presidiário que rechearam o discurso de Donadon comoveram parte do plenário, naquela altura já contaminado pelo espírito de corpo. O conforto covarde do sigilo do voto serviu como mais um estímulo para que centenas de colegas se sentissem ainda mais à vontade para salvar o mandato do parlamentar, que cumpre pena na Penitenciária da Papuda, Distrito Federal, há dois meses. No total, foram 233 votos pela cassação, 24 a menos do que o exigido, 131 pela absolvição e 41 abstenções, sendo o PT o partido que mais contribuiu com as ausências, (21 no total). O resultado, além de representar uma afronta à sociedade, no rastro das manifestações populares, sugere a intenção de se preservar os mandatos de condenados no processo do mensalão.

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A salvação de Donadon foi costurada duas horas antes da votação em plenário. Deputados do PDT, PMDB e PT se mobilizaram para espalhar entre os colegas a tese de que tirar o mandato de Donadon significava admitir que o Supremo Tribunal Federal (STF) estava certo ao decretar o destino político dos réus do mensalão. “Não vote pela cassação. Nós somos mais importantes do que o Supremo”, apelava o deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), aos colegas. Outro importante cabo eleitoral de Donadon foi Sérgio Moraes (PTB-RS), que em 2009 cunhou a polêmica frase “Estou me lixando para a opinião pública”. Demais parlamentares investigados em processos de corrupção – como João Pizzolatti (PP-SC) – também tentavam convencer os deputados a absolver Donadon, com o mesmo argumento da briga entre os Poderes. Mas houve quem também levasse em conta fatores sentimentais. As parlamentares mulheres, por exemplo, pareciam tocadas com a presença da família de Donadon em plenário e admitiam ter dificuldades em apeá-lo do cargo. Assim, somente as bancadas do PSDB, DEM, PPS, PSB e PSD declararam apoio à cassação de Donadon. “É um constrangimento tomar posição em uma situação dessas, é um colega. Com certeza, se o voto fosse aberto, seria outro placar. O parlamentar chega lá, muito abatido, cumprimenta todo mundo. Não é bom ver ninguém nessa situação”, admitiu o deputado Capixaba.

Placar da impunidade

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Com a manutenção do mandato, Donadon não receberá vencimentos da Câmara, mas na prisão terá privilégio de uma cela em área reservada, longe dos detentos comuns. Aparentando irritação, o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que só submeterá ao plenário novas decisões sobre perda de mandato depois que a PEC 20 de 2013, que acaba com o voto secreto e está em tramitação no Senado, for votada. Realista, o deputado Moreira Mendes (PSD-RO) teme ser agredido nas ruas após a absolvição de Donadon. “Agora ficou uma mancha sobre os 513 deputados. Vamos ter que pagar a pena junto com ele. Atiraram no pé. Já somos a pior instituição na avaliação popular. Isso é um desastre.” É mesmo. Donadon saiu de camburão, algemado, do presídio da Papuda, para onde voltou na mesma situação após se livrar da cassação. Ele deixou a Câmara agradecendo a Deus pelo resultado. Mas quem o salvou foram os próprios colegas, que de santos não têm nada.

http://www.istoe.com.br/reportagens/321914_O+NOBRE+COLEGA+PRESIDIARIO