sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A grande batalha de lula



Dono de uma trajetória marcada pela superação, o ex-presidente trava agora a mais importante luta de sua vida na tentativa de curar um câncer na laringe

Sérgio Pardellas e Mônica Tarantino
Assista à entrevista com Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro bloco, ele conta como foi contratado e diz que, mesmo com câncer, Lula nunca deixa de sorrir :
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Neste bloco, o fotógrafo Ricardo Stuckert relembra os momentos mais emocionantes que passou ao lado do presidente :

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O DIAGNÓSTICO
Submetido a uma bateria de exames, Lula
recebeu a confirmação da doença no sábado 29
Na vida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aquele não seria um sábado qualquer de tempo nublado em São Paulo. Despertado por um celular blackberry, acomodado numa das cabeceiras da cama de seu apartamento de São Bernardo do Campo (SP), Lula, sempre acompanhado por dona Marisa, começou a se preparar às oito horas da manhã do dia 29 de outubro para o início de uma das maiores, senão a mais difícil, batalhas de sua trajetória – uma existência indiscutivelmente marcada pela superação de adversidades. “Hoje será um dia daqueles, galega”, vaticinou o ex-presidente à mulher. “Mas vou tentar ser forte, como sempre”, completou. Lula sentiu medo e até hesitou em sair de casa para realizar o teste definitivo que comprovaria se um tumor, detectado em exames realizados na sexta-feira 28, era maligno ou não. Tumores são a sina da família de Lula. Levaram sua mãe, todos os tios maternos, um meio-irmão, o Lulinha, e a irmã Marinete. A doença também maltratou outros dois irmãos, Jaime e Maria, que conseguiram superá-la. Escaldados com esse dramático histórico familiar, no caminho até o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula e Marisa ficaram o tempo inteiro de mãos dadas. Apreensivos, quase não se falavam. 

Depois da bateria de exames, o ex-presidente ouviu a confirmação do cardiologista Roberto Kalil Filho, amigo de longa data e médico particular da família há 20 anos. “Presidente, o senhor tem um câncer na laringe”, avisou Kalil, com seu estilo direto. Eram 11 horas da manhã. Ao receber o diagnóstico, o ex-presidente apertou mais forte a mão de Marisa e emudeceu por um instante, como se tomasse fôlego para enfrentar os próximos meses. Marisa, que tinha agendado um check-up no dia anterior para investigar uma dor de cabeça terrível parecida com uma sinusite, se desesperou. Desabou no choro, amparada por Lula. Começava ali a nova e árdua luta pessoal e familiar do ex-presidente.
Menos de uma semana havia se passado desde o momento em que o ex-presidente se queixara de dores fortes na garganta e notara uma rouquidão diferente e mais intensa. O primeiro alerta foi dado, ainda na segunda-feira 24, durante viagem a Manaus, pela presidente Dilma Rousseff. “O homem não está legal”, disse Dilma num telefonema a Kalil. O ex-presidente resistia em ir ao médico. “Você precisa caçar o homem”, insistiu Dilma com Kalil. Lula terminou aparecendo no Sírio para acompanhar Marisa. A esposa também estava achando estranha a rouquidão de Lula e insistiu para que ele fosse examinado. Quem primeiro observou o presidente foi o otorrinolaringologista Rubens Brito Neto, que constatou a existência de uma massa na garganta de Lula. Naquela mesma sexta-feira 28, foi iniciada a investigação médica para determinar o estadiamento e a localização do tumor. As imagens dos exames revelaram um câncer situado na epiglote, em uma região onde as cordas vocais se unem, medindo cerca de três centímetros. A primeira impressão dos médicos foi de que o tratamento poderia ser cirúrgico, algo que Lula aceitou imediatamente. Mas os resultados da biópsia, no sábado 29, e outros exames mudaram as perspectivas da equipe, que optou pela necessidade de sessões de quimioterapia e radioterapia. “Uma operação implicaria retirada de cordas vocais para garantir a margem de segurança necessária nesse tipo de procedimento”, ponderou o cirurgião Luiz Paulo Kowalski, chefe do setor de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo, instituição de referência no tratamento do câncer no Brasil. 

De imediato, Lula comunicou à equipe médica que não iria sonegar dos brasileiros nenhum detalhe do tratamento. Estava decidido a seguir o exemplo do ex-vice presidente José Alencar e pediu à assessoria do hospital para preparar um boletim informativo sobre a doença. Na tarde do sábado, já de aparente bom humor, a despeito de estar usando uma máscara de oxigênio, Lula recebeu a visita do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enquanto o ministro ainda estava no quarto do hospital, a presidente Dilma ligou. Lula atendeu e brincou com o ministro: “Ih, Guido, é para você: bronca da presidente.” Dilma, claro, queria falar com o padrinho político e, emocionada, desejou-lhe “boa sorte”. Ainda ligaram para Lula no sábado chefes de Estado latinos, como o venezuelano Hugo Chávez e o paraguaio Fernando Lugo. Autorizado a ir para casa, Lula deixou o Sírio por volta das 20h20.
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NO HOSPITAL
Equipe médica, em conversa com Lula e dona
Marisa, mostra confiança na plena recuperação


Cansado física e psicologicamente da maratona dos dois dias anteriores, Lula recebeu em casa no domingo apenas os cinco filhos. Tomou sopa, comeu alimentos pastosos, não muito quentes, e devorou um sorvete. Durante o almoço, revelou aos parentes como será sua agenda daqui para a frente. As palestras e homenagens internacionais, às quais habituou-se tão logo deixou o poder, darão lugar às difíceis e dolorosas sessões de quimioterapia, que, segundo os médicos, deverão fazer com que ele perca o cabelo e a barba. De acordo com a equipe médica, Lula será submetido a três ciclos (cada um terá duração de cinco dias). Os quimioterápicos cisplatina e docetaxel, mais os medicamentos que protegerão seu organismo dos efeitos colaterais comuns a esse tipo de remédio (náusea, cansaço, sonolência), serão dados no hospital. O terceiro quimioterápico – o remédio 5-fluoruracil – será ministrado por mais 120 horas, em casa, por meio de uma bomba de infusão presa à sua cintura.
Na segunda-feira 31, mesmo durante a aplicação dos remédios no hospital, Lula conversava e agitava o ambiente declarando-se faminto e perguntando a que horas viria seu almoço. Pouco antes, recebeu a visita da presidente Dilma Rousseff e já começou a tratar com cuidado suas declarações, que passariam a tornar públicas. Ele está decidido a demonstrar que não duvida de sua cura e não desanimará frente às dificuldades. Para Dilma, manifestou o desejo de estar presente no desfile do Carnaval paulistano, em que será tema do enredo da escola de samba Gaviões da Fiel. Outra autoridade a aparecer no hospital, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, levou-lhe um terço benzido por um padre de Brasília. Dona Marisa, de chinelinho, circulava pelo corredor e conversava com outros pacientes, que mostravam a ela jornais com as reportagens sobre Lula. No fim do dia, veio a primeira boa notícia: os médicos afirmaram que ele não apresentou efeitos colaterais significativos nas primeiras horas. Todos, no hospital, se abraçaram, inclusive os membros da equipe médica. 

Integram o time escalado para cuidar de Lula, além de Kalil e do cirurgião Luiz Paulo, o coordenador do centro de Oncologia do Sírio, Artur Katz, e também o oncologista Paulo Hoff, chamado carinhosamente pelo ex-vice-presidente José Alencar de “meu médico principal” ao longo de seu tratamento contra o câncer. Hoff é diretor do Centro de Oncologia do Sírio e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Foi essa equipe que explicou em minúcias ao ex-presidente como ele poderia ter manifestado a doença, um de seus primeiros questionamentos. Um dos fatores de risco do câncer de laringe é o fumo. Aos médicos, Lula afirmou que abandonou o hábito há dois anos. De toda forma, os riscos de um fumante ter um câncer de laringe só se iguala aos de um não fumante depois de 15 anos longe do cigarro. Outro fator de risco é a ingestão de bebidas alcoólicas. “O que faz mal não é o etanol, mas substâncias químicas tóxicas agregadas às bebidas durante o processo de produção”, explicou o médico Kowalski. Portanto, os dois hábitos – fumar e beber – se somaram a uma maior vulnerabilidade do ex-presidente a esse tipo específico de câncer. 

Apesar do otimismo geral, registrado ao longo da última semana, a situação do ex-presidente ainda exige muita cautela e não permite fazer grandes prognósticos. Afinal, a evolução do câncer depende da reação de cada organismo. A expectativa da equipe médica é de que a quimioterapia reduza o tumor em 50%, no mínimo. Mas isso será aferido após os dois primeiros ciclos, em cerca de 40 dias, quando o ex-presidente fará uma nova bateria de exames. Se o tumor do ex-presidente responder bem, pode ser que desapareça por completo quando a terapia for complementada com a radioterapia, prevista para janeiro. Porém, existe também a possibilidade de que Lula não reaja ao tratamento, o que ocorre em 20% dos casos. Se isso acontecer, os médicos podem reconsiderar a opção de uma operação, à qual dão o nome de cirurgia de resgate. A tolerância aos quimioterápicos ajuda bastante para que o tratamento produza os seus melhores resultados, daí as comemorações iniciais. De todo modo, na prática, o tratamento a que Lula está sendo submetido não restituirá por completo a saúde da laringe. Isso quer dizer que, no final da terapia, o ex-presidente poderá registrar alguma alteração na voz, ficando, por exemplo, mais rouco. “Mas estamos trabalhando para que esses efeitos sejam mínimos”, avisou o oncologista Hoff. Uma das providências da equipe foi colocar o paciente desde já aos cuidados de uma equipe de fonoaudiólogos. Por causa do uso excessivo do vozeirão, empregado sem tréguas desde o final da década de 70, quando era líder sindical, Lula desenvolveu uma espécie de inflamação crônica na região acima das cordas vocais. 

No que depender do ex-presidente, no entanto, ele soltará a voz antes do previsto. A ausência de efeitos colaterais às primeiras medicações animou Lula a produzir, na terça-feira 1o, um vídeo divulgado depois de receber alta para se tratar em casa. No vídeo, ele disse que iria “tirar de letra” a doença e, com a voz mais rouca que o normal, prometeu, em tom de brincadeira, estar presente num ato público quando melhorar. “Estou doido para falar uns ‘companheiros e companheiras’ mais fortes, mas não estou podendo.” Ao lado da mulher, Marisa, ele agradeceu a solidariedade das pessoas, disse que vencerá a “batalha” e bastará seguir as recomendações médicas. “Não existe espaço para o pessimismo. Se o dia não foi bom, a gente faz ele ficar melhor amanhã”, afirmou Lula.
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A exibição do pronunciamento e das imagens feitas por Lula e dona Marisa ampliou ainda mais as correntes de apoio iniciadas em todo o País. As manifestações de solidariedade acabaram abafando uma onda de piadas de mau gosto e ofensas que começaram a pipocar pelas redes sociais da internet tão logo foi anunciada a doença do ex-presidente. Lula vem recebendo milhares de demonstrações de carinho. Além de telefonemas, mais de 2.700 e-mails e cartas já foram enviados por populares ao Instituto Cidadania, entidade presidida por Lula, desejando melhoras ao petista. Uma das cartas que mais o emocionou foi a manuscrita pelo presidente cubano, Raúl Castro. “Neste momento que enfrenta com coragem sua enfermidade, desejo enviar para você um abraço solidário em nome do povo cubano, de Fidel e meu”, escreveu. 

A comoção pelo sofrimento de Lula e a consequente onda de apoio popular que ela provoca reforçam o mito do político que encerrou o governo como o mais aplaudido presidente da história do País. Esse é um subproduto natural, previsível e inevitável desse quadro de dificuldades pessoais e familiares enfrentadas por Lula. Pesquisas já mostravam que ele era visto no mesmo patamar das unanimidades nacionais, em companhia de ídolos populares da música e da tevê. “De imediato, vamos ter um aumento da popularidade do ex-presidente”, avalia o cientista político Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais. “A tendência é de que haja uma espécie de beatificação do Lula, que conta com grande popularidade”, acrescenta. O publicitário Antonio Lavareda faz coro: “A notícia gerou uma forte reação da população. Isso reforçou os vínculos emocionais do ex-presidente com a grande maioria da população.” Se o impacto em sua popularidade é incontestável, o reflexo político – mesmo involuntário – é ainda mais imediato. Afinal, quem irá ousar contrariar politicamente o ex-presidente Lula, neste momento, em meio ao seu sofrimento? 

As primeiras consequências dessa nova e avassaladora força de Lula já ficaram evidentes na sexta-feira 4 nas disputas internas que vinham inflamando o PT na escolha do candidato a prefeito de São Paulo. Até então renitente a aceitar a preferência de Lula pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) capitulou. Ela anunciou que não é mais candidata (leia quadro acima). O efeito se estende a outras praças: o fato de Lula estar momentaneamente alijado das articulações políticas adia por pelo menos três meses as definições de palanques para as eleições municipais nas principais capitais brasileiras. Era Lula quem estava com a tarefa de fazer o meio-campo entre os partidos aliados e evitar o bate-cabeça. “É como se o Pelé estivesse jogando e se contundisse”, disse um dirigente petista. No governo Dilma, a relação com o PT também muda de mãos. Enquanto o presidente Lula estiver fora de combate, como dizem os petistas, será Gilberto Carvalho o responsável por cuidar especialmente da relação do partido com o governo. 

O ex-presidente mostrou, nos últimos dias, no entanto, que não sairá totalmente de cena. Mesmo com um catéter implantado no tórax, pelo qual recebe medicamentos injetados por uma bomba de infusão presa à cintura, Lula ligou na quinta-feira 3 para Carvalho, “irado” com a posição do Brasil no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, que leva em consideração indicadores de escolaridade, renda e expectativa de vida. “Ele nos ligou e disse que a gente tinha de que reagir”, afirmou o secretário-geral da Presidência. Como se vê, a doença ainda não abateu – e talvez não abaterá – o vigor político, a vontade de participar e a preocupação do líder petista com os rumos do Brasil.

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Com reportagem de Alan Rodrigues, Luiza Villamea e Pedro Marcondes de Moura

Miguel, o fraudador



Um dos coordenadores do esquema Agnelo Queiroz no Esporte, Miguel Santos Souza é especialista em criar empresas fantasmas e ONGs fajutas para desviar dinheiro público. Ele atuou em cinco ministérios, na Câmara, no Exército e até no STF

Claudio Dantas Sequeira
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OPERADOR
No organograma da corrupção no Esporte, Miguel
Santos Souza é um dos cabeças do esquema
Ao montar o esquema que drenou milhões do Ministério do Esporte para os cofres do PCdoB, o atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), recorreu a um especialista. Trata-se do comerciante maranhense Miguel Santos Souza, 56 anos, uma espécie de empresário do setor de fraudes, muito requisitado em Brasília. Homem assíduo de gabinetes de ministros e parlamentares e visto com regularidade em licitações públicas na Esplanada, Miguel opera há mais de dez anos uma verdadeira fábrica de empresas laranjas usadas em contratos e convênios com o governo. ISTOÉ descobriu que várias dessas empresas, mesmo incluídas na lista negra de fornecedores da União, conseguiram entrar em pelo menos cinco ministérios comandados pelo PT e base aliada. Também abocanharam contratos no STF, na Câmara e no Exército. Miguel operou até para o ex-governador do DF José Roberto Arruda, que foi obrigado a renunciar no ano passado depois de ser flagrado em vídeo recebendo propina. Miguel e Arruda são réus num processo que corre na Justiça de Goiás. Documentos em poder do Ministério Público, obtidos por ISTOÉ, revelam que o atual operador de Agnelo fraudou convênio com o Incra e repassou parte do dinheiro para o caixa 2 da campanha de Arruda a deputado federal em 2002.

O organograma do esquema de Agnelo, revelado por ISTOÉ na última edição, ensejou um pedido de convocação para o governador do DF depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Na organização, Miguel Santos Souza ocupa o cargo de coordenador do núcleo de fraudes, responsável por criar empresas e recrutar ONGs. As falcatruas são tantas que parlamentares, com base na reportagem de capa de ISTOÉ feita semana passada, passaram a articular, além do depoimento de Agnelo, a abertura de uma CPI para apurar os desvios do programa Segundo Tempo. Miguel está diretamente ligado ao PM João Dias, homem de confiança de Agnelo. Assim como o PM, que ergueu uma mansão e comprou carros esportivos com dinheiro des­viado, Miguel também investiu. Comprou uma chácara no Lago Norte, com cascata e viveiro de animais raros, um apartamento no Plano Piloto e um prédio de quitinetes, que utiliza como sede de suas empresas-fantasmas. O comerciante também é um dos donos da construtora Citel. Na semana passada, a reportagem procurou Miguel em todos os seus endereços. Só conseguiu localizá-lo em Alagoas, para onde foi depois que surgiram as denúncias envolvendo seu nome. Ele negou ter participado dos desvios no Segundo Tempo e se irritou quando questionado sobre o processo que responde na Justiça ao lado de Arruda. “É tudo uma grande mentira”, disse.
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À PF, no entanto, o comerciante e outros integrantes da quadrilha que fraudaram o Incra deram detalhes de como tudo funcionava – e ainda funciona. Miguel, segundo o inquérito, criou a Policom Comercial e Serviços. A empresa venceu licitação, previamente acertada, para construir casas populares num assentamento em Valparaíso de Goiás. Do contrato de R$ 1,3 milhão, segundo a PF, R$ 200 mil foram gastos com material de construção. O resto foi desviado e dividido entre os integrantes. O ex-superintendente do Incra Josias Júlio do Nascimento, falecido no ano passado, repassou parte da verba para José Roberto Arruda, então senador. “Do total do contrato, 5% seria utilizado como fundo de campanha do senador Arruda no próximo pleito”, disse o próprio Miguel à PF. Segundo outro depoente, Luiz Romildo de Mello, “Josias havia levado cerca de R$ 100 mil”. Romildo de Mello é o contador que aparece no organograma do esquema de Agnelo, a serviço de Miguel. Em seu depoimento, ele conta que Miguel passou um tempo “sumido” após o flagrante da PF e depois abriu outra empresa, a HP Distribuidora e Serviços, com a qual continuou a operar licitações. 

A HP vem a ser uma das empresas que forneceram notas fiscais frias nas prestações de contas dos convênios do programa Segundo Tempo. Além dela, Miguel criou a Infinita e a JG Comércio de Alimentos, todas funcionando no mesmo apartamento da quadra 711 da Asa Norte, em Brasília. A JG também usava como laranja o motorista Geraldo Nascimento de Andrade, que gravou o vídeo mostrado por ISTOÉ na semana passada com as denúncias contra Agnelo. Levantamento da ISTOÉ revela que essas três empresas (HP, JG e Infinita) foram usadas pelo operador diversas vezes e não apenas no Esporte. Desde que foi criada em 2001, por Miguel, para despistar os órgãos de controle, a HP venceu várias licitações públicas tanto no plano federal como municipal. Na Infraero, abocanhou contrato de R$ 225 mil em 2003. A Madepa Madeiras, que ajudou a fraudar o Incra, fechou contratos com a Câmara dos Deputados, a AGU e o Dnit. O Ministério da Justiça, por exemplo, contratou a JG Comércio, em 2007, para fornecer 150 canis móveis para abrigar os cães farejadores usados pela PF na segurança dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Valor do contrato: R$ 135 mil.
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PATRIMÔNIO
Nos últimos dez anos, o operador de Agnelo enriqueceu. Comprou uma chácara no Lago
Norte, com cascata e viveiro de animais raros, um prédio de quitinetes e criou a construtora Citel
Ligações políticas à parte, a JG Comércio de Alimentos também foi contratada pela Polícia Rodoviária Federal, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, que repassou à empresa-fantasma mais de R$ 300 mil, entre 2006 e 2007. A JG tem contratos ou foi subcontratada em convênios com os ministérios da Saúde, Ciência e Tecnologia, Trabalho e Desenvolvimento Social. Também conseguiu entrar no STF e até no Exército – como fornecedor da missão de paz no Haiti. Para se ter uma ideia da ousadia de Miguel, as três empresas que ele criou aparecem juntas em convênio de 2006, entre o Ministério da Saúde e o município de Charqueada, em São Paulo, para o fornecimento de equipamentos hospitalares. Na CPI do programa Segundo Tempo, que a oposição pretende convocar no Congresso, muito mais poderá vir à tona sobre a atuação do operador Miguel Santos Souza. E de seus poderosos clientes.  

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As novas formas para controlar a hipertensão



Marcapasso, ondas de alta frequência e remédios mais modernos estão entre os recursos mais recentes para manter a pressão arterial dentro do limite

Cilene Pereira e Mônica Tarantino
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INOVAÇÃO
O cientista Santos, de Minas Gerais, descobriu um composto contra a doença
É fácil entender os prejuízos da hipertensão, doença que acomete 30% da população mundial. Imagine uma mangueira ligada a uma torneira aberta por onde jorra um volume de água maior do que a largura do canal de borracha é capaz de suportar. Ano após ano, a pressão exercida contra as paredes do esguicho vai estragá-lo antes do tempo. É isso o que a pressão alta faz com as artérias por onde o sangue circula para irrigar o corpo. Para conseguir vantagem sobre a enfermidade, os cientistas estão empenhados em achar abordagens inéditas contra a doença. Por isso, o que está vindo por aí são inovações surpreendentes, com novidades como dispositivos e procedimentos para tratar casos até agora sem solução, medicamentos que combinam substâncias e novas estratégias para manter a pressão sob controle. Os recursos renovam o fôlego de quem está engajado nessa batalha. A doença está por trás na maioria dos casos de infarto e acidente vascular cerebral, e permanece uma séria ameaça. “Apenas cerca de 10% dos hipertensos diagnosticados no Brasil estão com a pressão sob controle”, afirma o cardiologista Celso Amodeo, do Hospital do Coração, em São Paulo. “É uma tragédia que precisa ser revertida.”

Uma das novas apostas para recrudescer o controle é uma espécie de marcapasso. O método está sendo avaliado para tratar pessoas com hipertensão resistente, um tipo que não cede ao tratamento. Chamado de Rheos System, o aparelho é colocado sob a pele, um pouco abaixo da clavícula. Ele estimula a atividade dos barorreceptores, estruturas encontradas na carótida responsáveis por enviar ao cérebro sinais de que a pressão está elevada. A partir deste aviso, o órgão inicia uma operação para que ela volte ao normal, enviando sinais para os vasos sanguíneos se dilatarem – o que facilita o fluxo do sangue e a desaceleração dos batimentos cardíacos. Um dos últimos estudos a respeito do desempenho do aparelho foi feito com 265 pacientes com hipertensão resistente tratados em 42 centros médicos americanos e europeus. Os pesquisadores concluíram que o marcapasso reduziu a pressão arterial em 33 mmHg (milímetros de mercúrio). “Ele irá beneficiar um grande número de pacientes”, disse John Bisognano, coordenador do trabalho. Não se sabe ao certo quantos pacientes são hipertensos resistentes, mas estima-se que entre 10 e 15% das pessoas com pressão alta estejam nessa categoria.

Outra esperança é o uso de aparelhos que emitem ondas de alta frequência. A técnica é feita com a inserção de um cateter na virilha para alcançar as artérias renais, que irrigam os rins. Quando chega lá, o cateter dispara as ondas para destruir alguns nervos da região. Esses nervos fazem parte do sistema nervoso simpático, que regula os movimentos involuntários do corpo, como a respiração e o controle da pressão arterial, e conduzem impulsos nervosos aos rins. Com isso, há mais dilatação das artérias e aumento da eliminação de sal e água, reduzindo a pressão. O método está sendo analisado primeiramente na terapia de pacientes com a hipertensão resistente. “Estamos otimistas”, disse o cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração de São Paulo (InCor), onde a técnica foi usada, há dois meses, em uma paciente. Agora, os cientistas aguardam liberação para usá-la em mais 20 pacientes no começo do ano que vem. Resultados publicados na revista científica “The Lancet” mostraram que 84% de 106 pacientes submetidos ao método alcançaram uma redução significativa da pressão. “Além de baixá-la em cerca de 30 mmHg, esse procedimento tem repercussões positivas no organismo como um todo”, diz o cardiologista Flávio Fuchs, que coordena a Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS), onde o método, também em estudo, já foi aplicado em um paciente.
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O manejo dos medicamentos é outro recurso que está sendo modernizado. Entre as novas abordagens, há algumas bem simples e possíveis de serem adotadas sem custo algum. A recomendação de tomar pelo menos um dos remédios à noite é uma delas. A proposta está embasada em pesquisas. A mais recente foi publicada na última semana no “Journal of The American Society of Nephrology”. Depois de acompanhar as respostas de 661 pacientes ao longo de 5,4 anos, o pesquisador Ramon Hermida, da Universidade de Vigo, na Espanha, constatou que os que ingeriam pelo menos uma medicação na hora de dormir tiveram menor chance de sofrer um evento cardíaco em comparação aos que tomavam pela manhã. É sabido que muitos pacientes sofrem com pressão elevada à noite, o que os deixa mais vulneráveis aos desgastes causados pela hipertensão. “Alguns dos mecanismos que desencadeiam a hipertensão são ativados durante o sono”, disse Hermida à ISTOÉ. 

Os remédios também estão mudando. A novidade são os medicamentos que combinam três substâncias em uma mesma pílula: diurético, bloqueador do sistema renina-angiotensina e bloqueador de cálcio. Até pouco tempo, o que havia era ou drogas com apenas um desses compostos ou com no máximo dois deles. Para o próximo ano, porém, os pacientes contarão com os dois primeiros representantes desse gênero três em um. Um é fabricado pela Daiichi Sankyo; e outro, pela Novartis. Ambos se encontram em fase de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “Remédios desse tipo devem facilitar a adesão ao tratamento”, diz a cardiologista Andréa Araújo Brandão, da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro. Em vez de tomar várias pílulas ao dia, o hipertenso fica obrigado a ingerir apenas uma.

O Brasil está contribuindo para a modernização dos medicamentos. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o cientista Robson Santos, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Na­nobiofarmacêutica, compôs um invólucro para aumentar o efeito de uma das drogas mais usadas, a losartana potássica. Em outro estudo, ele identificou – e está testando em humanos – um novo peptídeo (pedaço de proteína) que ajuda a dilatar as artérias, algo desejável no controle da hipertensão. “Ao contrário dos fármacos hoje utiliza­dos, que agem para inibir o aumento da pressão, nosso composto estimula as funções benéficas do sistema”, explica Santos.

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Outra mudança foi feita na classificação dos resultados de um exame muito indicado pelos médicos, o mapeamento ambulatorial da pressão arterial. Ele avalia o comportamento da pressão ao longo de 24 horas. De 135 x 85 mmHg, o limite considerado ideal foi reduzido para 130 x 85 mmHg. “Baixamos o limite para aumentar a quantidade de pessoas que precisam ser conscientizadas do seu risco e observadas com mais atenção pelos médicos”, diz o cardiologista Luiz Bortolotto, do InCor. “Temos de ser mais agressivos no combate à doença”, complementa o cardiologista Múcio Oliveira, diretor de Emergência do InCor. A mudança é fruto da análise de vários estudos que mostraram que, acima dessa taxa, a pessoa sentirá as consequências da pressão alta com o avanço dos anos. 

Em várias partes do mundo, registra-se também um encorajamento para medir a pressão em casa. O gesto ajuda a eliminar um fator que altera os resultados, a chamada hipertensão do avental branco. Um estudo publicado recentemente no jornal científico “Hypertension” revelou um dado surpreendente: um terço dos pacientes considerados hipertensos resistentes tinham, na verdade, a hipertensão do avental branco – aquela que sobe no consultório médico e volta ao normal fora dele. 

Programas de apoio ao paciente para que ele não desista do tratamento reforçam as estratégias contra a doença. “Medidas simples, como o acompanhamento pelo telefone, pode ajudar nisso”, diz o nefrologista Décio Mion, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão. No Canadá, por exemplo, os pesquisadores criaram um plano de apoio por e-mail. O método foi colocado em prática por quatro meses com 387 pacientes e deu muito certo. Eles receberam mensagens que respondiam às suas preocupações, listadas em uma entrevista prévia, com informações, por exemplo, sobre como melhorar a dieta. “O aconselhamento duplicou a redução da pressão”, avaliou Robert Nolan, que liderou o estudo.

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Outro aspecto interessante a merecer mais atenção é a relação entre a doença e o sono. Um grande número de trabalhos nessa área procura ampliar o conhecimento a respeito do tema. Recentemente, um estudo da Harvard Medical School mostrou que não só a quantidade, mas a qualidade do sono interfere na pressão. Na pesquisa, foram acompanhados 784 homens saudáveis, durante três anos e meio. Os pesquisadores constataram que os homens que usufruíam de menores quantidades de sono profundo apresentavam maior risco para a enfermidade. Em média, eles tinham 4% de sono profundo em toda a noite, quando, em geral, o índice é de 25%. “As pessoas não estão bem informadas sobre a importância do sono para manter a pressão arterial dentro dos limites”, disse à ISTOÉ Susan Redline, autora da pesquisa.

No Brasil, o cardiologista Lu­ciano Drager, do InCor, conduz um estudo para medir o impacto da apneia – paradas respiratórias que podem durar de um segundo a um minuto – na hipertensão. Em parceria com o Instituto Dante Pazzanese, ele avaliou o sono de 125 pessoas com hipertensão resistente. “Sessenta e quatro por cento manifestavam apneia. É um fator importante”, diz. As paradas respiratórias levariam a uma aceleração do sistema nervoso simpático para suprir a falta de oxigenação, o que interfere nos níveis de pressão. O controle da apneia reduziu em 5 mmHg a pressão.

Se a qualidade ruim da respiração abala a pressão, o inverso é verdadeiro. O emprego de técnicas para tornar a respiração mais lenta e controlada está sendo cada vez mais indicado pelos médicos. Uma das hipóteses é a de que ela reduziria a ação do mesmo sistema nervoso simpático. “Há práticas respiratórias que ajudam a manter a pressão nos níveis indicados”, diz a professora de ioga Luzia Komai Rodriguez, que usa o recurso com as alunas hipertensas do Centro de Estudos de Yoga Narayana, em São Paulo. 

A mesa é outra das trincheiras mais valiosas para colocar a pressão nos eixos. E o sal, para os brasileiros, um empecilho sério ao bom controle. O limite de ingestão é de 5 gramas por dia, mas o consumo nacional fica entre 10 e 15 gramas. Uma pesquisa do Instituto Dante Pazzanese revelou que um dos problemas para o consumo excessivo é a falta de informação. “Noventa e três por cento dos 1.294 pacientes estudados não estabeleceram direito a relação entre o sódio e o sal a partir das informações nos rótulos dos produtos. Eles são confusos”, critica o cardiologista Daniel Magnoni, coordenador da pesquisa.

Em outra direção, a medicina está descobrindo novos alimentos aliados. Um estudo das Universidades de East Anglia e Harvard mostrou que as pessoas que comeram grande quantidade de mirtilo uma vez na semana tiveram 8% menos chances de ficar com a pressão alta. Atenta ao poder dessas substâncias, a indústria alimentícia começa a lançar produtos focados no público hipertenso. Na Finlândia, por exemplo, a Value tem uma linha de produtos, a Evolus, contendo um pedaço da proteína do leite, a caseína, que inibe uma enzima envolvida no descontrole da pressão. “Não existem ainda estudos definitivos, mas há evidências claras de que substâncias como a antocianina agem no relaxamento dos vasos sanguíneos”, diz Franco Lajolo, do Departamento de Alimento e Nutrição Experimental da Universidade de São Paulo.

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