quarta-feira, 8 de abril de 2015

Sergio Moro e Bochenek ferem a lei quando emitem opinião sobre a Lava Jato


Por Juarez Cirino dos Santos Crônica de uma condenação anunciada ou por que um juiz deveria se calar? No Justificando
   
Em artigo sobre a Operação Lava Jato (Estadão, 29/03), os juízes federais Sérgio Moro e Antônio Bochenek surpreenderam o País com a informação de provas sobre um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas, que reconhecem estar pendente de exame definitivo, mas afirmam ser o maior escândalo criminal descoberto no Brasil. 
 
1. A surpresa não é causada pela informação, mas pelos autores dela: Moro é o Juiz Federal competente para processar e julgar os fatos da operação Lava Jato; Bochenek é o Juiz Federal presidente da Associação dos Juízes Federais. Como sabem os autores da informação, a lei proíbe magistrados de manifestar opinião sobre processos pendentes de julgamento, por qualquer meio de comunicação (art. 35, III da LOMAN). Não obstante, ao falar das provas de um esquema criminoso gigantesco o Juiz Moro teria manifestado opinião sobre a natureza criminosa de informações em processos criminais submetidos ao seu julgamento. O Juiz Bochenek também teria manifestado igual opinião sobre o mesmo processo. Ambos teriam, portanto, infringido a lei de organização da magistratura brasileira. É verdade, o artigo não cita nomes de acusados e fala de provas dependentes de confirmação pelo Judiciário. Mas tais omissões ou ressalvas não desfazem o ilícito administrativo: é sobre processos pendentes de julgamento ou sobre fatos do processo que os juízes não podem manifestar opinião. Agora, surge o dilema: ou os autores do artigo seriam responsabilizados pela infração praticada, ou juízes brasileiros estariam autorizados a manifestar opinião, pelos meios de comunicação disponíveis, sobre processos pendentes de julgamento. 
 
2. Mas Sérgio Moro, o mais popular magistrado do Brasil, teria causado surpresa maior: mais do que manifestar opinião sobre processos pendentes de julgamento, o magistrado teria prejulgado a causa, com lesão da garantia de imparcialidade do Juiz. O conteúdo e a forma das opiniões manifestadas no artigo exprimiriam a convicção pessoal do juiz da causa sobre a natureza criminosa dos fatos pendentes de julgamento nos processos da Lava Jato. Essa convicção apareceria até em forma de ato falho do artigo, que suprime ressalvas sobre empresas “envolvidas no esquema criminoso“ – que muda de suposto para real. E atos falhos seriam, em Psicanálise, confiáveis mecanismos de revelação das emoções inconscientes do ser humano. Alguém poderia perguntar: depois de falar das provas de um esquema criminoso gigantesco, que seria o maior escândalo criminal do Brasil, o Juiz Moro seria capaz de admitir, na futura sentença judicial, que o esquema não seria criminoso, ou que não teria descoberto nenhum escândalo criminal – com absolvição dos acusados, retratação das opiniões publicadas e desculpas por informações precipitadas? Se parece difícil acreditar nisso, então as opiniões escritas do Juiz Moro constituiriam prejulgamento da causa, com lesão da garantia de imparcialidade do Juiz, verdadeiro pressuposto subjetivo de validade do processo, oferecida pelos portadores do poder jurisdicional para os destinatários da jurisdição. Logo, apesar do saber jurídico e das qualidades morais inegáveis, o Juiz Moro ter-se-ia tornado suspeito para julgar a operação Lava Jato e, para garantir julgamento imparcial, deveria ser afastado da causa – ou teríamos uma condenação anunciada, independente da reprovação pública dos fatos imputados, que merecem todo repúdio. 
 
3. Os autores do artigo também opinam – em ciência, o futuro do pretérito é desnecessário – sobre questões que parecem não conhecer: apresentam explicações da criminalidade e propõem políticas criminais. Assim, sob a premissa de que crimes de corrupção existem por causa da ineficiência da justiça criminal – que produz nulidades processuais e prescrição das penas –, propõem a eficácia imediata da sentença condenatória em casos de crimes graves, com prisão dos condenados independente de recurso para os Tribunais – porque a hipótese do erro judiciário (que legitima os recursos) reduz a eficácia da sentença condenatória, suspensa pela presunção de inocência até decisão final. E concluem com uma alternativa apocalíptica: ou mudamos para um sistema penal eficiente ou afundamos em esquemas criminosos. 
 
A relação entre crimes de corrupção e ineficiência da justiça é ingênua: a experiência histórica mostra que a criminalidade independe da efetividade do sistema penal, que em vez de corrigir condenados introduz pessoas em carreiras criminosas. Prova disso: no Brasil, a população de condenados criminais cresceu de 90 mil (em 1990) para 716 mil (em 2015) – ou seja, multiplicou por 7 em 25 anos, uma taxa superior à dos EUA, que multiplicou por 5 em 30 anos. Hoje, o Brasil é o país que mais pune no mundo, mas os ideólogos da repressão insistem em falar de impunidade, como se penas criminais pudessem resolver problemas sociais. 
 
E a proposta de eficácia imediata da sentença condenatória é simplista, porque ignora as determinações estruturais e institucionais da criminalidade, que a repressão imediata não pode alterar: ao nível da estrutura econômica, o capital produz desigualdade e violência social; ao nível das instituições do Estado, o poder produz acesso à riqueza e corrupção. 
 
Por outro lado, a proposta de eficiência e de efetividade do sistema penal não é invenção original dos autores do artigo: é a marca registrada da criminologia etiológica tradicional e das políticas criminais de defesa social, com uma história secular de proposição renovada e de fracasso reiterado. Ninguém nega que os magistrados referidos conhecem a dogmática do sistema de justiça criminal, como metodologia jurídica de aplicação da lei penal, mas parecem carecer de informação científica sobre os fundamentos sociais, econômicos e políticos da criminalidade. Assim, prestariam um grande serviço à população se permanecessem nos limites estritos de seu ofício institucional, de grande relevância para a sociedade brasileira.  
 
Juarez Cirino dos Santos é advogado criminal, professor de Direito Penal e Criminologia da UFPR e autor de vários livros.

Nove motivos para você se preocupar com a nova lei da terceirização

Leonardo Sakamoto


O número de trabalhadores terceirizados deve aumentar caso o Congresso aprove o projeto 4.303/2004. A nova legislação abre as portas para que as empresas possam terceirizar todas as suas atividades . Hoje, somente o que não faz parte da atividade-fim pode ser delegado a outras empresas, como por exemplo a limpeza, a segurança e a manutenção de máquinas. Entidades de trabalhadores, auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e juízes trabalhistas acreditam que o projeto é nocivo aos trabalhadores e à sociedade. O texto é de Piero Locatelli, para a Repórter Brasil:

Descubra por que você deve se preocupar com a mudança.

1) Salários e benefícios devem ser cortados

O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). No setor bancário, a diferença é ainda maior: eles ganham em média um terço do salário dos contratados. Segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, eles não têm participação nos lucros, auxílio-creche e jornada de seis horas.

2) Número de empregos pode cair

Terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que contratados diretamente. Com mais gente fazendo jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores. Se o processo fosse inverso e os terceirizados passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os contratados, seriam criadas 882.959 novas vagas, segundo o Dieese.

3) Risco de acidente vai aumentar

Os terceirizados são os empregados que mais sofrem acidentes. Na Petrobras, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. A segurança é prejudicada porque companhias de menor porte não têm as mesmas condições tecnológicas e econômicas. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão equivalente ao seu porte.

4) Preconceito no trabalho pode crescer

A maior ocorrência de denúncias de discriminação está em setores onde há mais terceirizados, como os de limpeza e vigilância, segundo relatório da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com refeitórios, vestiários e uniformes que os diferenciam, incentiva-se a percepção discriminatória de que são trabalhadores de “segunda classe”.

5) Negociação com patrão ficará mais difícil

Terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Essa divisão afeta a capacidade deles pressionarem por benefícios. Isolados, terão mais dificuldades de negociar de forma conjunta ou de fazer ações como greves.

6) Casos de trabalho escravo podem se multiplicar

O uso de empresas terceirizadas é um artifício para tentar fugir das responsabilidades trabalhistas. Entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Casos como esses já acontecem em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica.

7) Maus empregadores sairão impunes

Com a nova lei, ficará mais difícil responsabilizar empregadores que desrespeitam os direitos trabalhistas porque a relação entre a empresa principal e o funcionário terceirizado fica mais distante e difícil de ser comprovada. Em dezembro do último ano, o Tribunal Superior do Trabalho tinha 15.082 processos sobre terceirização na fila para serem julgados e a perspectiva dos juízes é que esse número aumente. Isso porque é mais difícil provar a responsabilidade dos empregadores sobre lesões a terceirizados.

8) Haverá mais facilidades para a corrupção

Casos de corrupção como o do bicheiro Carlos Cachoeira e do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda envolviam a terceirização de serviços públicos. Em diversos casos menores, contratos fraudulentos de terceirização também foram usados para desviar dinheiro do Estado. Para o procurador do trabalho Rafael Gomes, a nova lei libera a corrupção nas terceirizações do setor público. A saúde e a educação pública perdem dinheiro com isso.

9) Estado terá menos arrecadação e mais gasto

Empresas menores pagam menos impostos. Como o trabalho terceirizado transfere funcionários para empresas menores, isso diminuiria a arrecadação do Estado. Ao mesmo tempo, a ampliação da terceirização deve provocar uma sobrecarga adicional ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao INSS. Segundo ministros do TST, isso acontece porque os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais com maior frequência, o que gera gastos ao setor público.

Fontes: Relatórios e pareceres da Procuradoria Geral da República (PGR), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e de juízes do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Entrevistas com o auditor-fiscal Renato Bignami e o procurador do trabalho Rafael Gomes.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/04/08/nove-motivos-para-voce-se-preocupar-com-a-nova-lei-da-terceirizacao/

Todos querem bater na Petrobrás


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Georg Baselitz


Depois de contemplar por quase duas semanas aquele exemplar da Piauí sobre o móvel da sala, resolvi folheá-lo pela segunda vez.

Eu poderia gostar da Piauí.

Não fosse o seu tom, como descreve um amigo escritor, de revista de banqueiros feita para banqueiros (o dono dela é o João Salles, um dos herdeiros do Itaú-Unibanco), não fosse aquela insuportável arrogância paulista que engordura suas páginas, seria uma leitura bem mais agradável.
Mas ninguém é perfeito, nem revistas, e os textos da Piauí são escritos com uma elegância aristocrática que nos acaricia o ego, mesmo que, no caso de um jacobino, seja uma carícia clandestina, quase subversiva.

A Piauí cultiva a vaidade mais poderosa num cidadão culto: a de comungar junto a um pequeno grupo de iniciados. É a mesma vaidade que nos leva a ler até o fim (ou pelo menos se esforçar duramente) os livros de Luiz Ruffato, experimentando as mais atrozes dores do tédio.
Escapei há anos desse mundinho abafado e sufocante dos literatos de segundo caderno, o que significa que a Piauí não me engana mais.

No entanto, às vezes ela aparece em casa, por conta do trabalho da minha esposa, e não vejo mal em dar uma olhada para ver se encontro alguma coisa interessante.

Enfim, na edição de março (número 102), há uma matéria de Daniela Pinheiro sobre a Petrobrás, de seis páginas, intitulada Outra história americana. O subtítulo: “Como a Petrobrás negociou pagar quase seis vezes mais por uma área de exploração de petróleo e gás nos Estados Unidos”.

É a matéria principal de capa.

Na capa, o título é: Padrão Petrobrás: o que uma operação malograda nos Estados Unidos ensina sobre os negócios da estatal.

Resolvi ler, embora já antevendo que poderia estragar meu bom humor matinal, um estado de espírito que venho cultivando na proporção inversa com que me interesso pelas novas polêmicas da grande mídia.

Quase estragou. O que me faz lembrar, pela milionésima vez, a razão que me leva a ter um blog: para não desenvolver úlceras.

É uma matéria bem escrita e detalhista, como todas de Daniela Pinheiro, repórter fixa da Piauí.
(Pinheiro esteve em meu apartamento, na Lapa, em 2010, entrevistando-me para uma reportagem eleitoral sobre blogueiros e tuiteiros políticos. Conversamos por mais de uma hora. Tagarela insanável que sou, contei-lhe a história da minha vida. Ela admitiu, não sei se sinceramente, que gostava do meu trabalho, mas parecia não entender do que eu vivia.

Na época, nem eu sabia como eu vivia. Eu fazia bicos para todo lado, e jejuava. Meu blog ainda não era o Cafezinho, mas o Óleo do Diabo, que tinha também assinantes e alguns doadores eventuais. Lembro-me de que, perto de nos despedirmos, ela já se encaminhando à porta, eu lhe disse, num rasgo de orgulho viril, que tirava uns 2 ou 3 mil reais por mês do blog. Foi meio patético aquilo. Ela não me citou na matéria.)

Bem, voltando à matéria sobre a Petrobrás, é uma dessas reportagens que explicam porque a Piauí nunca será uma New Yorker: parece que todo empreendimento editorial no Brasil, se quiser conquistar as agências de publicidade e os leitores cult das grandes capitais, precisa posar de caderno cultural da imprensa tucana.

Falta originalidade e coragem.

Se a moda é bater na Petrobrás, a turminha toda vai dançar de mãos dadas.

A matéria de Pinheiro é um exemplo. É uma denúncia de um negócio que não aconteceu.

Em resumo, é o seguinte: uma empresa americana, chamada West Hawk Energy, sediada nos Estados Unidos, tentou vender à Petrobrás o direito de explorar gás na bacia de Piceance, noroeste dos EUA, em meio às Montanhas Rochosas. Só que a área pertencia mesmo à Encana Oil & Gas. A West Hawk, descreve a reportagem, tentou uma malandragem. A Petrobrás pagaria 273 milhões de dólares, dos quais a West Hawk repassaria menos de 50 milhões à Encana.

A matéria dá a entender que houve um ensaio de fraude contra os interesses da Petrobrás.
O negócio não foi para frente porque um dos advogados americanos contratados pela Petrobrás contou tudo a diretoria da estatal. E a operação foi cancelada.

Onde vejo problema na matéria?

Onde eu vejo contaminação política?

Em primeiro lugar, é meio forçação de barra dar capa de revista à uma denúncia de um negócio que não aconteceu. Além disso, há inúmeros elementos que a repórter não apurou.
O negócio seria revistado e analisado por outras instâncias, antes de ser aprovado? Provavelmente sim.

Uma empresa do porte da Petrobrás deve receber dezenas de propostas de negócio por semana, e suponho que nem todas sejam viáveis ou idôneas.

Mas o que estraga mesmo a reportagem, ou melhor, o que entrega o seu objetivo, que é apenas participar, à sua maneira, do bullying midiático que se tenta inflingir à estatal, é quando o texto, após ter feito a “denúncia” (e ainda sem informar que o negócio não seria fechado), tenta inventar um “padrão”:

“O caso evoca um padrão, um modus operandi, uma similaridade inconteste com o ocorrido pouco tempo antes. Havia menos de dois anos, a Petrobrás finalizara a compra da refinaria de Pasadena, no Texas – uma operação na qual a estatal desembolsou 1,8 bilhão de dólares por uma sucata negociada um ano antes por 42 milhões de dólares. Um prejuízo de quase 700 milhões de dólares para a empresa. ”

Esse é o trecho onde a Piauí rasga a fantasia de revista cult e aparece a velha e caquética mídia de guerra.

O parágrafo é mentiroso do início ao fim.

Primeiramente, os exemplos não tem nenhuma “similaridade”, quanto mais “inconteste” (um adjetivo que, aqui, tem como única função reforçar a arrogância da frase).

Não evoca nenhum padrão, nem nenhum modus operandi.

Nem Petrobrás pagou 1,8 bilhão de dólares pela refinaria de Pasadena, nem a Astra pagou somente 42 milhões pela mesma refinaria um ano antes.

A refinaria de Pasadena não é uma “sucata”, como a ela se refere, raivosamente, a até então elegante Daniela Pinheiro. É uma refinaria moderna, que processa de 100 a 120 mil barris/dia, localizada no ponto mais estratégico dos EUA, no meio do corredor petrolífero de Houston, a apenas alguns quilômetros das novas e enormes jazidas de petróleo de xisto.

A Petrobrás pagou menos de 500 milhões para adquirir 100% da refinaria. O resto do dinheiro incluem os custos judiciais e as garantias bancárias pagos pela Petrobrás para ser a dona completa do negócio. No total, foram gastos 1,18 bilhão. E não 1,8 bilhão.

A história de que a Astra pagou somente 42 milhões por Pasadena é outra balela, uma mentira que a mídia martelou por meses a fio, e que uma repórter tão detalhista como Pinheiro deveria, no mínimo, questionar.

Afinal, na mesma época, qualquer refinaria do mesmo porte custava dez, vinte vezes, esse valor. Por que a Astra pagaria tão pouco?

Ora, os 42 milhões pagos pela Astra foram apenas a conclusão final do processo de aquisição de Pasadena. A Astra vinha comprando de Pasadena há alguns anos, e a negociação se dava na compra dos estoques, nos empréstimos, nas garantias bancárias, pagos pela Astra para salvar Pasadena, que até então pertencia a um empresário em dificuldade financeira, cheio de dívidas tributárias e trabalhistas, e que provavelmente não queria revelar, nem ao Tio Sam nem aos trabalhadores para quem devia dinheiro, o valor real que obteria da venda de suas instalações.

Pinheiro vai além, e cita uma conta de padaria que a Morgan Stanley fez para estimar os desvios da Petrobrás, segundo a qual, estes poderiam chegar perto de R$ 21 bilhões.

É obviamente apenas um exercício estatístico da Stanley, sem nenhum valor contábil. O ministério público federal do Paraná, para efeito de comparação, estimou os desvios apurados na Lava Jato em torno de R$ 2 bilhões, e também ainda não provou nada.

A Morgan Stanley pegou a delação de Paulo Roberto Costa, que falou em comissões de até 3% nos negócios de fornecedores com a estatal, e calculou os prejuízos à Petrobrás em R$ 5 bilhões a R$ 21 bilhões. A mídia brasileira fixou-se, naturalmente, no número máximo. E Pinheiro o usa na matéria como se a Morgan Stanley tivesse feito uma detalhada “auditoria” dos negócios da estatal. Não fez. Era apenas um exercício, muito vagabundo por sinal, correspondente um intervalo de tempo, por incrível que pareça, indeterminado (ou que pelo menos não é informado, nem pela Piauí, nem por fonte nenhuma).

Esses erros, leviandades típicas de uma Veja, envenenam toda a matéria de capa da Piauí, que emerge como uma versão cult da mesma imprensa mentirosa e histericamente partidária da qual – em nome da minha saúde mental – venho tentando fugir.

http://www.ocafezinho.com/2015/04/08/todos-querem-bater-na-petrobras/

O tempo pressiona o governo Dilma

 
Por Maria Inês Nassif, no site Carta Maior:

O grande risco de tomar um momento por outro, e de tratar como iguais coisas que são apenas semelhantes, é não entender o ritmo próprio que a história impõe aos acontecimentos. Uma noção distorcida do governo sobre o tempo que dispõe para deter a corrosão da popularidade da presidenta Dilma Rousseff acaba anulando os resultados de qualquer eventual ação política para reverter esse processo.

O governo Dilma definiu um tempo que não necessariamente será levado em conta pela história. Trabalha-se com o cálculo de que a corrosão da imagem do governo se diluirá à medida em que o Brasil voltar a crescer. Isso representa esperar o pacote fiscal ser aprovado, surtir efeitos indesejáveis sobre a já claudicante atividade econômica e, do meio para o final do mandato, adotar uma política econômica menos ortodoxa que permita a retomada do crescimento econômico. É um tempo que toma quase a metade do segundo mandato de Dilma.

Este é um cálculo completamente irreal para uma gestão que sofreu uma queda vertiginosa de popularidade em menos de seis meses, e para uma presidenta que chegou a apenas 12% de aprovação do governo nas pesquisas de opinião e perde popularidade numa velocidade muito maior do que aquela que se pode imprimir ao plano para sair do imbróglio colocado por um programa econômico de austeridade.

A estratégia de Dilma, de primeiro resolver a governabilidade “por dentro”, para depois trabalhar na reversão de sua popularidade, olha para o que aconteceu em 2003. O início do primeiro mandato de Lula foi destinado a medidas duras, voltadas para o ajuste de uma economia que estava em pandarecos. Nos dois primeiros anos foram gastos esforços e saliva também para consolidar uma maioria governista que viabilizasse o governo.

Para agir “por dentro”, o primeiro governo Lula guardou uma certa distância dos movimentos sociais, mas tinha um crédito de popularidade trazido das urnas e programas que, mesmo pequenos, alteravam a vida das pessoas mais pobres. Os movimentos sociais demoraram a perceber que se estabelecia um canal próprio de comunicação do presidente com as massas. Lula estava coberto.

A situação econômica de 2015 tornou-se parecida com a de 2003 em parte porque, na avaliação também de economistas não ortodoxos, Dilma acreditou no novo ataque à moeda, à economia brasileira e a ela própria. Quando reiterou tudo que os jornais e o mercado diziam sobre a economia e se manteve acuada no ataque especulativo à Petrobras, deu força à especulação. Esta é a tal profecia que se autorrealiza de que o mercado tem tanto orgulho.

O cenário político, todavia, não é igual ao do primeiro mandato de Lula. Em junho de 2002, antes do início da campanha eleitoral oficial, o candidato e o PT já haviam divulgado uma Carta aos Brasileiros em que oficializavam um “pacto” com um mercado que especulava triplamente: contra a economia brasileira, contra o Real e contra o candidato de oposição a FHC. O eleitor foi avisado antes.

Ademais, numa economia em que inexistia renda das classes menos favorecidas, os programas sociais contra fome e a criação de linhas de crédito para a população pobre não apenas atenuaram o impacto das medidas de austeridade, como até melhoraram a vida dos miseráveis e das regiões mais carentes do país, repentinamente movidas pelo comércio e serviços para a parcela de brasileiros antes à margem do consumo. Quando a base de comparação é zero, qualquer melhoria representa muito. As medidas de austeridade, portanto, não foram tomadas a seco. A ativação do consumo nas classes de menor renda não apenas protegeu, mas favoreceu a população mais pobre e enclaves de miséria.

2015 é outro momento. O ganho de renda já está dado: a ação do governo não se dá sobre o que antes era zero, mas sobre uma população já amparada e que tem receio de perder o que ganhou nesses 12 anos. Nas eleições do ano passado, já era perceptível que os eleitores com menor faixa de renda tinham a expectativa de transformar o voto em mais uma possibilidade de ascensão social – e foi isso que todos os candidatos presidenciais venderam seu peixe no primeiro turno, e que os dois candidatos do segundo turno reiteraram.

Os três governos petistas promoveram uma ascensão social despolitizada de uma grande camada da população – e talvez agora se entenda o porquê de críticas que sofreram à esquerda, por terem tratado políticas sociais como simples inclusão de pessoas miseráveis no mercado de consumo. Há uma limite para o voto de reconhecimento, de gratidão, e esse cédito já foi gasto. Isso é passado.

Junto com a inclusão no mercado de consumo, veio a incorporação, por essa parcela em ascensão, de elementos culturais da classe média tradicional. Esses brasileiros passaram a ter acesso ao conteúdo oferecido por uma mídia militantemente oposicionista e incorporam valores da sociedade de consumo, junto com os valores da classe média tradicional.

Outra comparação feita atualmente, quando se debate as saídas para 2015, é com a realidade de 2005. Naquele momento, sob impacto da banda de música da oposição e da mídia, que batucava denúncias diárias de envolvimento da base governista com o chamado Escândalo do Mensalão, e mantido de forma permanente sob ameaça de impeachment, o presidente Lula não desistiu da reeleição, foi para as ruas e ganhou adesão dos movimentos sociais e votos suficientes para consolidar o seu projeto de governo. Então, os atenuantes do ajuste fiscal dos anos anteriores deixaram de ser apenas atenuantes e foram estratégicos: nas eleições do ano seguinte, Lula já havia subvertido o mapa eleitoral do país. Na mesma proporção em que o presidente e o PT perdiam voto e substância nas regiões mais ricas do país – mais vulneráveis à ação da mídia e à cultura conservadora da elite brasileira –, ganhavam nas regiões mais pobres. As políticas sociais seguraram a onda da campanha conservadora, que encontrou no chamado Mensalão pretexto e assunto para veiculação diária de notícias contra Lula e o PT. As pesquisas de opinião da época mostram que Lula não foi contaminado pelo escândalo – e era ele, não o PT, que tinha ligação direta com a parcela mais pobre da população.

Em 2005, a contra-ofensiva à campanha sistemática contra o governo foi protagonizada por Lula, liderança forjada no movimento de massas e nas negociações salariais do final da década de 70 e início dos anos 80. Lula era um presidente que tinha vínculo orgânico com os movimentos sociais, e na época ninguém do campo progressista duvidou que reforçar as trincheiras da oposição era um desserviço a todos. Além disso, a campanha que ganhava televisores, bancas de revistas e mídias sociais foi de tal ordem que, em vez de contaminar o chefe de governo, acabou vitimizando um líder inequivocamente identificado como um igual pela população mais pobre da população.

Se for para forçar uma comparação, o governo Dilma, em 2015, reúne elementos do que aconteceu a Lula em 2003 e em 2005. Mas com agravantes. Neste ano de 2015, Dilma acabou de ser referendada em dois turnos eleitorais e, sem aviso prévio, editou um pacote econômico que foi publicizado massivamente pela mesma mídia. A visão do ajuste fiscal que tomou as ruas é a visão da oposição ao governo Dilma. Além disso, a presidenta não é uma líder de massas capaz de restabelecer uma ligação direta com seu eleitorado: ela não pode prescindir do apoio das forças sociais e políticas no campo progressista, e da mediação que essas forças podem fazer entre ela e a opinião pública.

Ao perder a popularidade, Dilma acabou virando refém do pior PMDB. Essa é uma característica do partido: embora sirva a interesses particulares, tem uma certa sensibilidade à “voz das ruas”. Perder as ruas, em última instância, significa perder a governabilidade de um sistema político que é muito pulverizado e tem no PMDB um pilar importante.

É também diferente a relação de Dilma com o eleitorado de baixa renda – e isso não se dá nem por uma questão de carisma, mas pelo simples fato de que os ganhos de combate à miséria já estão dados.

Dilma também tem o inconveniente de, no seu segundo mandato, enfrentar um acúmulo de mais de 12 anos de campanha midiática difamatória dos governos petistas. Não se pode mais dizer que acusações de corrupção não “colam” no governo ou na chefe do governo. Houve uma certa consolidação de uma cultura segundo a qual todo o ranço e herança patrimonialista do país se concentra no petismo. Isto é de fazer Sérgio Buarque de Holanda revirar no túmulo, mas era previsível que, sem reação, essa campanha impregnasse as camadas médias da população, inclusive as ascendentes. O avanço do udenismo sobre uma classe média que se expandia graças a políticas de distribuição de renda dos governos petistas foi subestimada por 12 anos. Agora está aí.