terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Moro nega acesso à integra dos vídeos. “Não dou e pronto”

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Agora há pouco, no Valor, a notícia de que o juiz Sérgio Moro negou à defesa do empreiteiro Marcelo Odebrecht o acesso à íntegra dos depoimentos dos delatores usados como base para a manutenção da prisão preventiva do empresário.

“O juiz titular da Operação Lava-Jato em Curitiba, Sergio Moro, afirmou em despacho que a defesa da Odebrecht “busca retardar o julgamento com novos e intempestivos requerimentos probatórios” e “reclama nas instâncias superiores pela revogação da prisão preventiva [de Marcelo Odebrecht, presidente afastado do Grupo] alegando excesso de prazo”. As afirmações do magistrado foram feitas no despacho em que negou aos advogados da empreiteira pedido para que o Ministério Público Federal (MPF) disponibilize nos autos “todos os vídeos correspondentes aos depoimentos dos réus colaboradores”.  A defesa sustenta haver um erro na degravação de vídeo de depoimento do delator e ex-diretor de Abastecimento Petrobras, da Paulo Roberto Costa, prestado na fase de investigação”

Se o jornal me permite a correção, a defesa não sustenta ter havido erro, a defesa prova de forma cabal que as declarações omitiram parte do que Costa disse e é evidente que o fato dele ter dito que nunca tratou de negócios de propina com Odebrecht é relevantíssimo para a defesa do réu.

Está comprovadíssimo pelo vídeo obtido pelo site jurídico Conjur e reproduzido aqui.
Mas Moro não quer dar e pronto, dane-se.

Não haveria nenhuma dificuldade, pois são todos arquivos digitais, cuja cópia não toma mais que dois ou três minutos cada, já que não haveria (ou não deveria haver) edição, mas copiagem do material em bruto.

No mesmo despacho, Moro nega acesso à sindicância sobre a escuta clandestina feita na cela de Alberto Youssef, que se arrasta há mais de um ano na Polícia Federal.

É “irrelevante”. Não vem ao caso. “La garantía soy yo”. Se quisermos ser um pouco mais eruditos, numa paráfrase ao “rei-sol” Luís XIV, “La Justice c’est moi”.

Moro está transtornado por um arroubo de poder e grandeza que o faz deixar de lado até mesmo as franquias mais comezinhas que um juiz deve dar aos defensores dos réus para que não pairem dúvidas sobre manipulações – e ao menos uma delas está provada – no tratamento do que disseram os depoentes em todas as fases do inquérito.

É curioso como o juiz “durão e inflexível” e os promotores ferrabrazes são, porém, lenientes com todos os vazamentos que de dão em suas barbas e que constituem ilícito penal.

E ainda, de forma absolutamente esdrúxula, dá “conselhos” sobre como deveria a defesa agir e a que deveria dar atenção, papel impensável num julgador.

Os tribunais superiores, acoelhados diante da pressão da mídia, têm silenciado diante deste festival de absurdos.

Por · 19/01/2016

http://tijolaco.com.br/blog/moro-nega-acesso-a-integra-dos-videos-nao-dou-e-pronto/

Manipular a Lava Jato é a última esperança do golpe

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Análise Diária de Conjuntura - Tarde - 18/01/2016

É realmente lamentável que uma investigação como a Lava Jato, que poderia se tornar um marco para o combate à corrupção no país, termine de maneira tão melancólica, tão associada a manipulações, transfomando-se numa explícita conspiração midiático-judicial.

Ocorre exatamente a mesma coisa que aconteceu no julgamento do mensalão. Imprensa e ministério público unem-se numa conspirata criminosa para esconder provas, manipular processos e promover linchamentos públicos.

Observe esta notícia:
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É um jogo sujo pesadíssimo.

O Ministério Público manipula as delações premiadas a seu bel prazer, e sai vazando apenas o que é conveniente naquele momento, para linchar o réu.

Paulo Roberto Costa, em sua delação, havia isentado expressamente Marcelo Odebrecht de qualquer esquema de propina. As palavras de Costa:
O interrogador pergunta sobre Marcelo Odebrecht e Costa é enfático:

— Uai, eu conhecia ele, tive algum contato com ele, mas nunca tratamos de nenhum assunto desses diretamente com ele — diz o ex-diretor.

O investigador então pergunta novamente se ele realmente não tinha tratado com ele e Paulo Roberto Costa diz:

— Eu conheço ele porque fui do conselho da Braskem que é uma empresa da Petrobras e da Odebrecht, ele era o presidente e eu o vice-presidente do conselho... então assim, eu conheço ele, mas nunca tratei de nenhum assunto desses (propina) com ele, nem põe o nome dele ai porque com ele não, ele não participava disso.
Entretanto, o que faz o Globo?

É muito interessante analisar a postura do jornal dos Marinho. Eles jamais permitem uma crítica ao Ministério Público, quando é do interesse do jornal que haja a condenação. E há interesse pela condenação de Marcelo Odebrecht, custe o que custar, para tentar forçá-lo a entrar no jogo sujo, a submeter-se à conspiração.

Quando o réu se verga à conspirata, ele é solto imediatamente.

Como dizia, o que faz a Globo?

A Globo ataca a defesa de Marcelo Odebrecht, como se a Globo fizesse parte do processo, como se fosse aliado (como é) da conspirata delicadamente costurada por alguns procuradores.
"Apesar de não constar no termo 35 da delação, a declaração do ex-diretor Paulo Roberto Costa isentando o empresário Marcelo Odebrecht consta na denúncia do MPF contra o empresário na Justiça. Diferente do que disse à GLOBO a defesa de Marcelo Odebrecht, as declarações de Costa não foram omitidas do conhecimento do juiz Sérgio Moro. Elas constam na página 33 da peça acusatória.
Muito interessante ver a Globo se debruçando sobre o processo, para tentar desmontar a defesa, tentando achar algum furo, alguma brecha, que possa prejudicá-la.

Na verdade, por um lado, é até um avanço. No julgamento do mensalão, apontávamos várias falhas do processo, como no caso de Henrique Pizzolato, mas a Globo simplesmente ignorava.

Com Marcelo Odebrecht, a Globo é obrigada a botar seus exércitos para trabalhar. Como se a Globo fosse efetivamente um membro do Ministério Público.

Acontece que a Globo manipula a informação, como sempre, tentando confundir o leitor.
O que a defesa da Odebrecht mostra é que o Ministério Público escondeu da defesa e da opinião pública o trecho em que Paulo Roberto Costa inocenta Marcelo.

Quer dizer, foi pior. O MP tem manipulado as próprias transcrições das delações. Os delatores falam uma coisa, e o MP transcreve apenas o que lhe é conveniente. Apenas quando teve acesso aos vídeos, após meses e meses de linchamento midiático e acusações, é que a defesa de Marcelo constatou que Paulo Roberto Costa o havia inocentado.

O vício do processo começa na própria inconstitucionalidade da delação premiada, mas não entremos no mérito dessa questão agora.

No julgamento do mensalão, fizeram a mesma coisa. Documentos essenciais para a defesa eram omitidos dos réus. Em alguns casos, Joaquim Barbosa, em conluio com a Procuradoria, escondeu documentos até mesmo de outros ministros do STF, para não arriscar que a denúncia não fosse aceita pelo plenário.

Na época, O Cafezinho publicou um post bombástico, intitulado O vídeo que pode derrubar Joaquim Barbosa, e que trazia um vídeo que, efetivamente, mostrava Joaquim Barbosa mentindo descaradamente para outros ministros do STF, defendendo o sigilo do inquérito 2474, alegando que este "não tinha relação com o mensalão", quando tinha tudo a ver, contendo documentos que podiam causar reviravolta em todo o processo, como o Laudo 2828, que inocenta Pizzolato e, portanto, tinha potencial de derrubar o elemento central de toda a acusação: o desvio do dinheiro do Visanet.
A manipulação aconteceu às barbas da sociedade, sob o bombardeio midiático sem paralelo na história dos julgamentos. Todo dia, uma novidade jurídica, um vazamento, impedindo que a opinião pública analisasse a situação com serenidade.

A mesma coisa acontece hoje. As acusações se sucedem diuturnamente. Não importam que sejam contraditadas no dia seguinte, que as informações se revelem falsas ou manipuladas. O que importa é gerar manchetes e produzir a atmosfera de linchamento.

O principal obstáculo é Marcelo Odebrecht, o único réu com força - pelo menos até o momento - para enfrentar o jogo sujo das conspirações, com dinheiro suficente para contratar advogados capazes de entender a politicagem podre por trás dos vazamentos seletivos e diários.

A sociedade também está mais vacinada.

A tal "atmosfera" mudou bastante, e muito em função da tentativa de golpe, que fez um bocado de gente acordar para o que estava acontecendo.

Isso prejudicou fatalmente a credibilidade da Lava Jato.

A mídia sabe disso, e não por outra razão faz campanhas periódicas para reabilitar a imagem da Lava Jato junto à opinião pública. Daí vemos manchetes dizendo que "Lava Jato recupera tantos bilhões", uma mentira deslavada, porque a consequência direta da Lava Jato tem sido o desmantelamento de toda uma cadeia produtiva, destruição de milhares de postos de trabalho e o prejuízo de centenas de bilhões de dólares para a economia brasileira.

Os ataques ao ministro Jaques Wagner também se revelaram um tiro no pé da conspiração, porque eles não souberam disfarçar. Dias depois do ministro dar entrevistas e se habilitar como porta-voz do governo, aparecem vazamentos tentanto atingi-lo.

O próprio frenesi dos vazamentos começaram a seguir a agenda política nacional de uma maneira óbvia demais. Basta o governo iniciar uma agenda minimamente positiva, tentando buscar a estabilidade, que a histeria vazadeira volta a agir.

A mídia ficou pendurada no sensacionalismo dos escândalos, só que a opinião pública desenvolve tolerância. Os escândalos precisam ser cada dia mais bombásticos, mais escandalosos. As manchetes tem de ser cada vez mais terríveis, tudo isso competindo com um noticiário econômico apocalíptico.
Tudo isso cansa!

Daí que as vendas de revistas desabaram. Ninguém aguenta mais.

É difícil analisar o impacto dessas conspirações na economia, mas é óbvio que esse terrorismo midiático, mesclado a um jogo sujo judicial de proporções gigantescas, capaz de paralisar e quase destruir algumas das maiores empresas do mundo no setor de engenharia, conseguiu provocar um dano considerável ao país.

A campanha virulenta de setores do Estado contra os acordos de leniência desmascara a sua intenção golpista. Um procurador do TCU falando que é preciso destruir as empresas sujas para deixar o mercado limpo mostra o seu grau de loucura autodestrutiva.

Quais são as empresas "limpas"?

Evidentemente, é um raciocínio absolutamente nazista, de fazer Savonarola, o temível profeta do caos do renascimento italiano, parecer um dócil fransciscano.

Não sobraria um banco, uma rede de tv, uma indústria, uma empreiteira, um botequim, em funcionamento.

O Estado jamais pode ter essa arrogância de higienizar a sociedade. A corrupção tem de ser combatida com inteligência, rigor e moderação, sem permitir que esse combate degenere em conspiratas, em intrigas, em politicagem.

Os autores da Lava Jato declararam que a operação durará mais três anos. Interessante que essa declaração se dê exatamente agora, quando as esperanças de golpe começam a evaporar, inclusive do golpe hondurenho, via anulação das eleições de 2014.

Que surpresa! Isso está claro! A Lava Jato vai durar exatamente até outubro de 2018.
A bajulação dos meios de comunicação à gestão Macri, na Argentina, mostra bem qual é a sua intenção. Assim que um novo presidente, mais alinhado ideologicamente aos barões da mídia e aos donos do capital, assumir o poder, todas as grandes investigações serão engavetadas.

Não foram isso que fizeram com a Zelotes? Não transformaram a Zelotes, antes uma operação de grande envergadura, que investigava sonegadores bilionários, numa perseguição provinciana ao filho de Lula?

Os corruptos sonham com a paz, com o tempo em que as grandes negociatas se davam com beneplácito dos meios de comunicação, cujos proprietários participavam ativamente delas.
Com o tempo das privatizações escandalosas e das emendas de reeleição compradas...
Bons tempos...

http://www.ocafezinho.com/2016/01/18/manipular-a-lava-jato-e-a-ultima-esperanca-do-golpe/

Lutador Wanderlei Silva é desmentido por Lula


Lutador Wanderlei Silva é desmentido por Lula

“Muita gente chama MMA de vale-tudo. Mas se nem no octógono vale tudo mesmo, nas redes sociais também não pode ser assim. Mentir, por exemplo: não vale!”, ironizou o ex-presidente em seu perfil oficial do Facebook ao comentar a postagem do lutador que afirma, entre outras coisas, que o filho de Lula possui um iate, fazendas e aviões

Por Redação

A página oficial do ex-presidente Lula no Facebook divulgou, na tarde desta terça-feira (18), um texto em que ironiza e desmente as informações divulgadas pelo lutador de MMA Wanderlei Silva, também via Facebook. Em postagem feita na última segunda-feira (17), o atleta compartilhou uma imagem falsa que sugere que “o filho de Lula” estivesse abastecendo um iate e, na legenda, questiona “de onde vem todo o dinheiro” para que ele tivesse “iates, aviões e fazendas”.
“Estamos falando somente de um barco , sem falar aviões, fazendas e tudo mais , de onde veio tudo isso?”, questionou o lutador.

Como resposta, a página oficial de Lula publicou um texto em que contesta e ironiza a postagem do lutador.

“Muita gente chama MMA de vale-tudo. Mas se nem no octógono vale tudo mesmo, nas redes sociais também não pode ser assim. Mentir, por exemplo: não vale! Por isso, lamentamos que o lutador Wanderlei Silva, que é exemplo para tantos brasileiros, não se preocupe em usar seu canal no Facebook para compartilhar calúnias contra Lula e sua família”, escreveu.

A equipe de Lula ressaltou ainda que os advogados da família já estudam medidas legais que possam ser aplicadas contra o lutador.

Essa não é a primeira vez que Wanderlei Silva divulga informações equivocadas em suas redes sociais. Em outubro do ano passado, chamou atenção uma postagem que fez criticando Dilma por um atraso em uma obra em Goiás que era de responsabilidade do governador do estado, o tucano Marconi Perillo

Confira a íntegra da nota:

Muita gente chama MMA de vale-tudo. Mas se nem no octógono vale tudo mesmo, nas redes sociais também não pode ser assim. Mentir, por exemplo: não vale!

Por isso, lamentamos que o lutador Wanderlei Silva, que é exemplo para tantos brasileiros, não se preocupe em usar seu canal no Facebook para compartilhar calúnias contra Lula e sua família.
Mas já que ele não verifica a veracidade do que publica em sua página, vamos repetir: os filhos de Lula não têm iate, fazendas ou aviões; não são donos da Friboi ou de outras grandes corporações, entre outras sandices repetidas à exaustão por quem não tem compromisso com a verdade.
Em tempo, a publicação de Wanderlei Silva já foi remetida aos advogados da família do ex-presidente, que avaliarão as eventuais medidas legais cabíveis.
Foto: Reprodução/UFC

http://www.revistaforum.com.br/2016/01/19/lutador-wanderlei-silva-e-desmentido-por-lula/

Intenção de consumo cresce. PiG não gosta

                                           O terrorismo econômico do PiG perdeu efeito


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De GeoPolítico Blog
A partir da Agência Brasil:

Intenção de Consumo das Famílias cresce 1,3% de dezembro para janeiro

A Intenção de Consumo das Famílias (ICF) cresceu 1,3% de dezembro para janeiro deste ano. Essa é a segunda alta consecutiva do indicador, na comparação mensal. Na comparação com janeiro de 2015, no entanto, o índice recuou 35,3%, marcando a 37ª queda consecutiva neste tipo de comparação. Os dados foram divulgados hoje (19) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A alta de 1,3% na comparação mensal foi acompanhada por todos os sete componentes do ICF. Os maiores acréscimos foram observados na perspectiva de consumo (3,3%), momento para a compra de bens duráveis (1,8%), perspectiva profissional (1,5%) e nível de consumo atual (1,4%).

(...)

http://www.conversaafiada.com.br/economia/intencao-de-consumo-cresce-urubologa-nao-gosta

Moro ignora omissão do MP e Odebrecht fica preso

                                                      Advogado denuncia "deslealdade processual"


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Nada deterá Moro e seus Templários na PF e no MP

Como se sabe, o MP omitiu um trecho razoavelmente relevante da denuncia contra Marcelo Odebrecht.

 Aquele que está no vídeo de Paulo Roberto Costa: "não poe o nome do Odebrecht ai porque ele não tem nada a ver com isso".

 Moro não quer saber.

 A Cruzada contra os infiéis segue em frente, rumo a Jerusalém !

Em O Globo:

Moro rejeita pedido de Odebrecht: ‘processo é uma marcha para frente’


Defesa de Marcelo Odebrecht acusa MP de manipulação e pede a inclusão de provas


SÃO PAULO — O juiz Sérgio Moro freou a tentativa da defesa de Marcelo Odebrecht de atrasar o julgamento do empresário, acusado de participar no esquema de pagamento de propina da Petrobras. O advogado Nabor Bulhões acusou os investigadores da Lava-Jato de manipular a delação do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e pediu o retorno do processo à fase de instrução. Ao negar, Moro disse que o “processo é uma marcha para frente”.

“O processo é uma marcha para frente. Não se retornam às fases já superadas”, afirmou no despacho em que analisou a petição.

Às vésperas da sentença do empresário, a defesa de Marcelo Odebrecht acusou a força tarefa da Lava-Jato de “deslealdade processual”. O criminalista Nabor Bulhões afirmou que o Ministério Público manipulou a delação de Costa ao não colocar no termo de delação nº 35 a menção onde o ex-diretor isenta o executivo de ter feito negociações com ele no esquema de pagamento de propina. A petição pede a inclusão das gravações no processo e o retorno do julgamento ao início, onde são produzidas e apresentadas as provas.

http://www.conversaafiada.com.br/brasil/moro-ignora-omissao-do-mp-e-odebrecht-fica-preso
         

FMI atribui recessão do Brasil à Lava Jato

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Análise Diária de Conjuntura - Manhã - 19/01/2016

A mídia, naturalmente, tentou esconder. Mas está lá.


O relatório Panorama Econômico Mundial, divulgado hoje pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), atribui a recessão econômica do Brasil à "incerteza política em meio às sequelas ininterruptas da investigação na Petrobras".

Em espanhol, o texto diz o seguinte: " En términos de la composición por países, las revisiones pueden atribuirse principalmente a Brasil, cuya recesión (causada por la incertidumbre política en medio de las secuelas ininterrumpidas de la investigación de Petrobras) está demostrando ser más profunda y prolongada que lo esperado."

O FMI deveria também alinhar, como causa das incertezas políticas, não apenas a Lava Jato, mas ao golpismo da oposição, ao histerismo apocalíptico da mídia, além da militância dos ministros do TCU.
A irresponsabilidade da força-tarefa da Lava Jato, incluindo aí o justiceiro da Globo, Sergio Moro, já causou prejuízo de dezenas, quiçá centenas de bilhões de dólares ao país.
O gráfico do FMI, com a estimativa para todos os países, é este:

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Enfim, a democracia brasileira experimenta, desde que foram divulgados os resultados eleitorais em outubro de 2014, uma dura prova de resistência.

O governo tem culpa no cartório, claro, porque jamais entendeu a importância da política, que foi solenemente subestimada.

Não se criou narrativas, não se produziu agendas positivas, não se usou o poder da palavra e da semiótica para fazer um contraponto, elegante, necessário, à demolição diária da imagem da presidenta e do governo.

***
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O Brasil é devedor de Lula e chegou a hora de pagar


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Até os animais conhecem a gratidão. Cuide de um cãozinho ferido e ele o seguirá aonde quer que vá, e será fiel a você enquanto viver. A ingratidão, pois, é uma característica humana, assim como tantas outras deficiências morais da nossa espécie, ainda que, paradoxalmente, seja uma espécie capaz de produzir portentos de grandeza moral e intelectual.

Todos conhecem a premissa popular sobre a evasão dos “amigos” quando você está “por baixo” e o assédio de velhos e novos “amigos” quando você está “por cima”. Tratemos dela, pois.

Não sei se essa premissa sobre a falsidade humana se aplica a Lula, pois ainda é um dos políticos mais respeitados e populares do Brasil e do mundo, em que pese a campanha de aniquilação que vem sofrendo. Mas não se pode desconsiderar o fato de que vem sendo alvo de muita ingratidão.
E colocar ingratidão e Lula na mesma frase é revoltante porque esse homem devotou a vida a melhorar a situação dos brasileiros mais humildes. Para tanto, resistiu a ceder aos que o acolheriam de braços abertos se voltasse as costas ao povo e caísse nos braços da elite que o detesta de uma forma quase religiosa.

Não se espera que os ricos – que nada perderam sob a era Lula – reconheçam que ele, ao governar, melhorou a vida dos oprimidos sem tirar nada dos opressores – o que, talvez, tenha sido um erro. Mas não se pode aceitar que aqueles que tanto se beneficiaram da revolução social promovida pelo ex-presidente agora finjam que não é com eles.

Nesse aspecto, a guerra de aniquilação que a direita move contra Lula, na verdade é uma guerra contra todos os brasileiros que não estão incluídos na minúscula elite étnico-regional-financeira que, ao longo de 500 anos, manteve a grande maioria deste povo pobre ou remediado, ainda que alguns desses remediados acreditem que fazem parte da minoria abastada.

Acusar Lula de compactuar com malversação de dinheiro público é uma ignomínia porque foi justamente ele quem dotou o país de instrumentos para combater a corrupção de Estado. Foi justamente ele quem deu instrumentos à Procuradoria-Geral da República para incomodá-lo e à sua sucessora, quando todos os seus antecessores emascularam aquela instituição o quanto puderam.
A liberdade e os recursos que Lula deu à Polícia Federal lhe permitiram deixar de ser uma força cosmética para se tornar protagonista de enormes e caríssimas operações que chegaram próximas ao presidente e ao seu partido porque jamais a corporação foi tolhida, tendo recebido liberdade para investigar e até prender quem quer que fosse.

Ora, um presidente que quer instaurar um grandioso esquema de corrupção não iria, jamais, fazer o que fez Lula pelo fortalecimento dos órgãos de controle; antes, faria o que fizeram Fernando Henrique Cardoso, Sarney, Collor, os generais-presidentes e todos os governantes do Brasil que os antecederam. Ou seja: manietar esses órgãos.

Chegou, portanto, o momento de este país pagar sua dívida para com um homem que tanto melhorou a vida de todos – inclusive daqueles que o atacam. Chegou o momento de os setores pensantes da sociedade entenderem que não querem destruir o homem-Lula, mas o símbolo-Lula.

A pretensa destruição de Lula busca intimidar qualquer um que decida contrariar uma elite que só se manterá elite com a permanência da pobreza, da miséria e da ignorância. A pretensa destruição de Lula é um aviso: não governem para o povo ou serão destruídos.

Se Lula for derrotado – e “derrotado” quer dizer, no limite, preso e desmoralizado -, o pouco de idealismo que resta neste país será varrido. Os jovens, sobretudo, intuirão que não vale a pena confrontar sistema. Aliás, esse é um fenômeno que vem se ampliando entre a juventude, menos com aquele pequeno contingente de jovens pobres e engajados que luta contra o gigante capitalista.
Chegou, portanto, o momento de dar um basta a essa pasmaceira diante da tentativa de aniquilar o grande símbolo da esquerda no Brasil e e um dos maiores do mundo. Defender Lula não é uma ação política, é uma ação civilizatória. A partir daqui, então, este Blog exorta todos os brasileiros conscientes a não compactuarem com essa infâmia.

http://www.blogdacidadania.com.br/2016/01/o-brasil-e-devedor-de-lula-e-chegou-a-hora-de-pagar/

bessinha moro

                        "Se você quer escapar da prisão, incrimine alguém superior a você"

O Conversa Afiada reproduz entrevista Nabor Bulhões, advogado de Marcelo Odebrecht, à Fel-lha:


Moro é parcial contra acusados, afirma advogado de Odebrecht

O juiz Sergio Moro não tem imparcialidade para julgar acusados na Lava Jato, na opinião de Nabor Bulhões, 65, advogado de Marcelo Odebrecht, um dos principais executivos presos pela operação. "Ele se deixou levar por um lado", diz.

Para Bulhões, a prisão de seu cliente é ilegal porque não há nenhuma prova que o ligue a eventuais atos ilícitos da empresa, como ele defende na entrevista a seguir, concedida à Folha:

Folha - Por que o sr. assinou carta de advogados acusando a Lava Jato semana passada?
Nabor Bulhões - A carta não é contra as instituições judiciárias brasileiras, mas contra abusos ocorridos no âmbito da operação. As instâncias superiores brasileiras ainda não se debruçaram por inteiro sobre esses vícios e abusos. Eles ocorrem predominantemente na origem, na condução da ação penal em primeira instância, tendo à frente os procuradores que integram a chamada força-tarefa. É uma manifestação de advogados, professores e juristas preocupados em garantir a higidez do sistema.

A força-tarefa diz que dos mais de 300 recursos impetrados pela defesa, pouco mais de uma dezena teve sucesso, o que mostraria que suas decisões são corretas.
A contabilidade é mistificadora. Diz respeito a elementos meramente incidentais das ações penais. As questões cruciais sobre competência do juiz, a isenção dele, também não passaram pelo crivo das instâncias superiores. Há questionamentos relevantes quanto ao fato de o juiz Moro se atribuir jurisdição nacional, quanto à parcialidade objetiva dele. Isso não é uma ofensa pessoal ao eminente magistrado. É um dado objetivo. Um dos princípios magnos do nosso sistema é que acusação e julgamento estão em esferas diferentes. Não é possível que o julgador seja o investigador.

Ele deveria ser substituído?
Ele se deixou levar por um lado ainda no domínio das investigações de natureza inquisitorial. O processo penal se inicia depois de oferecida e recebida a denúncia.

Não pode ser instrumento de opressão judicial. É a diferença entre ditaduras e democracias.

Mas deve ser afastado?
Já arguimos isso, temos arguições formais sobre isso.

Qual sua avaliação da delação premiada?
Temos advogados e alguns juristas que defendem e outros que se contrapõem, se insurgem. Estou entre os últimos. Entendo que a delação premiada é um instituto pragmático, porque busca supostamente combater a impunidade. Mas, num contexto democrático, isso só seria possível com o resguardo, a obediência a direitos e garantias constitucionais.

Isso me lembra o Alan Dershowitz, professor de Harvard, que costuma dizer: "Se você quer escapar da prisão nos EUA, incrimine alguém mais importante que você".

A impressão é que a sociedade aplaude de maneira frenética a lei. A sociedade está errada?
Não devemos nos pautar pela manifestação da opinião pública. Se fosse assim, teríamos instituído a pena de morte, linchamento, a turba... Não passou ainda pelo STF essa matéria com o plexo de objeções constitucionais que pode exigir. Essa questão de dizer que a lei é antiga e vem sendo aplicada nunca me impressionou. Dou o exemplo da Lei de Imprensa, que se aplicava desde 1967, e quando chegou ao Supremo, a conclusão foi de que é incompatível com nosso sistema constitucional.

O que a força-tarefa e Moro dizem é que a partir da delação crimes foram desvendados e dinheiro foi devolvido.
Se devêssemos tomar critérios pragmáticos para avaliar valores magnos, teríamos de revogar a Constituição. A prova obtida por meio ilícito pode ser a mais valiosa, ainda assim é constitucionalmente inadmissível. Muitas vezes é através de uma interceptação absolutamente ilegal, ou tortura, que se pode elucidar um crime gravíssimo. Mas aí vamos fechar os olhos e permitir que a barbárie prevaleça.

O juiz diz que as anotações encontradas no celular de seu cliente não foram explicadas e sugerem uma tentativa de interferir no processo.
O juiz e a força-tarefa cometem um grande equívoco: confundem a Odebrecht, uma pessoa jurídica, com a pessoa física do Marcelo. Na impossibilidade de imputar a Marcelo qualquer conduta concreta enquanto pessoa física, ele fala na empresa.

No caso o juiz fala do Marcelo.
Não é verdade que Marcelo não se explicou. A manifestação do juiz Moro ao Supremo [na qual ele diz que o executivo não se explicou] é mais um dado objetivo da sua parcialidade. Isso foi objeto de um interrogatório. Marcelo respondeu todas as imputações da acusação. Ele [Moro] supervalorizou anotações que não têm o significado que ele disse que poderiam ter. Isso é grave porque você não pode partir de presunções para a decretação de uma prisão. Dos quatro núcleos da Lava Jato, delatores e testemunhas ou não conhecem Marcelo ou afirmam que ele jamais se envolveu com os delitos da Lava Jato. Nem preciso discutir isso em relação a Marcelo porque a nossa tese é de negativa de autoria.

Uma das acusações é que Marcelo, como presidente da holding, saberia das ilicitudes.
No direito penal tem de ter participação pessoal [do suspeito no crime]. Não existe presunção. O grupo Odebrecht tem mais de 300 empresas, opera em 21 países. A cultura do grupo é a da descentralização. Marcelo é presidente de uma holding de investimentos. Ele não é presidente da construtora que foi referida como vinculada aos contratos da Petrobras. Há uma norma constitucional que diz: a responsabilidade penal é pessoal e intranscendente. Por ser diretor de uma empresa, você não pode responder pelo que ocorre na empresa. É uso inadequado da teoria do domínio do fato [criada nos anos 50 para punir dirigentes nazistas que não participaram dos crimes, mas deram as ordens].

O Supremo tem o entendimento de que a teoria é válida.
A teoria do domínio do fato não se aplica a empresas. Quem diz isso é Claus Roxim, que desenvolveu a teoria na Alemanha. Não existe analogia em direito penal. Você sabe o que representam para o grupo Odebrecht os contratos da Petrobras? 4% do faturamento. Marcelo como presidente da holding não tinha controle sobre a atividade dos executivos da empresa. Não se pode criminalizar a conduta de alguém com base na conduta da empresa.

Marcelo escreveu "trabalhar para parar/anular investigações. Isso não é tentativa de interferir nas apurações?
Como é que se anula a investigação? Quando se argue a sua nulidade por violação de direitos e garantias. Havia notícias de manipulação de provas no âmbito da Lava Jato. Que crime é este?

A Suíça diz ter identificado o pagamento de US$ 17,6 milhões em propina pela Odebrecht. Esse volume de dinheiro não precisaria da aprovação do Marcelo?
Isso é uma especulação desvairada. Não serve para condenar alguém na esfera penal. Porque Marcelo há mais de 15 anos não deu nenhum comando financeiro. Ele não assina um cheque do grupo há mais de 15 anos.

As autoridades suíças dizem que o suborno passou por uma série de empresas controladas pela Odebrecht.
Marcelo desconhece todas. Ele não fez isso. Se alguém tiver feito isso, terá de responder. Jamais chegou um pedaço de papel dizendo que Marcelo ordenou a abertura [de empresa] ou a movimentação de contas. A prisão de Marcelo é um enorme equívoco que nós esperamos que o Supremo corrija.
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/nabor-moro-e-parcial

Eichmann: assim funciona a delação premiada

                                                    Ou delata ou tua mulher vai em cana!


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Na foto, o centro da cebola
Mauro Marcondes Machado, 80 anos, foi preso, preventivamente, na Papuda, suspeito de crime cometido no âmbito da Operação Zelotes.

A Operação Zelotes, como denunciou o deputado Paulo Pimenta, perdeu o foco: engavetou os sonegadores gordos para se concentrar no Lula.

E, como se viu no documento aqui publicado, são gordíssimos os indícios que ligam a Globo do Sul, a RBS, ao esquema do Nardes, aquele relator do Tribunal das Contas, e ao PP do Francisco Dornelles.

Mas, isso não interessa à PF do .

O alvo é outro: o Lula.

De volta ao Mauro Machado.

O advogado dele é o Roberto Podval, respeitado criminalista, advogado também do José Dirceu.

Segundo o Estadão, vazo privilegiado de vazadores (criminosos) contumazes – na TV Afiada se mostra como acabar com os vazadores -, Machado foi procurado por um delegado da Polícia Federal (sic) do zé, Marlon Oliveira Cajado.

Segundo Podval, Cajado “chantageou” Machado: delata ou sua mulher e sócia, Cristina Mautoni, será transferida para uma “unidade prisional”.

Cristina estava em prisão domiciliar, numa cadeira de rodas, por causa de cirurgia nas pernas.

Importante: Cajado “propôs” a delação premiada sem consultar Podval.

Para Podval, delatar é uma decisão do cliente.

Ele, pessoalmente, é contra, mas essa é uma decisão do cliente.

Que não pode ser tomada sem que o advogado saiba!

Sem consultar Podval, Marlon “chantageou” Machado - delata ou sua mulher vai em cana!

Podval reclamou com um Procurador da República na Zelotes: onde é que nós estamos?

Que Democracia é essa?

O Procurador, segundo Podval, o tratou como se estivesse diante de um poste.

Não piscou!

E, ANTES, ANTES que se formalizasse o acordo da delaçãao de Machado, Cristina, em cadeira de rodas, foi para a cadeia.

Onde é que nós estamos, amigo navegante?

Nós estamos, amigo navegante, num regime totalitário, de exceção, numa DITADURA em que o “centro da cebola” é o zé da Justiça.

“Centro da cebola” foi a expressão que Hanna Arendt usou para definir o papel do Eichmann na reportagem sobre a ”banalidade do mal”.

O nazismo é a cebola.

O regime totalitário.

Eichmann era aquele burocrata moluscular, amébico, lá no fim, que se encontra depois de descascar a cebola.

Lá dentro está o Eichmann.

O zé.

O cúmplice irrelevante.

De um regime totalitário.

Eichmann, como ele, cumpria o papel de dar sequência à rotina totalitária.

É o que o zé faz.

Enquanto ele estiver ali será impossível punir os vazadores.

E alguns dos vazos, como os do Estadão!

Paulo Henrique Amorim

http://www.conversaafiada.com.br/brasil/eichmann-assim-funciona-a-delacao-premiada

Adlène Hicheur: Eu estou sendo caçado pela mídia por um crime que não cometi!


"Eu estou sendo caçado pela mídia por um crime que não cometi"
Em uma entrevista exclusiva feita durante dois dias, enquanto jornalistas da grande mídia tentavam caçá-lo no Rio, o cientista argelino Adlène Hicheur, professor do Instituto de Física da UFRJ, revelou a sua história e contou como foi sua polêmica prisão e condenação na França, episódios criticados por físicos e defensores dos direitos humanos. Acusado de “formação de quadrilha” com terroristas, ele já não devia mais nada à Justiça francesa quando chegou no Brasil, onde reconstruía  sua carreira, viajando sempre para a Europa para ver a  família, que vive na França. Mas aqui, alvo de uma campanha midiática deslanchada pela revista Época, que seus colegas (inclusive europeus) afirmam ser difamatória, Hicheur decidiu que vai deixar o país.
Florência Costa & Shobhan Saxena *
Adlène Hicheur ainda consegue abrir um sorriso atrás da barba escura e bem desenhada que cobre suas bochechas afundadas. Com uma mochila verde pendurada em seu ombro esquerdo, ele caminha calmamente na sala e senta na beira do sofá.

Então, ele começa a falar, falar, falar. Ele adora falar. No meio de uma frase sobre islamofobia, ele desliza a mão para dentro da bolsa e saca dois livros. Um deles, em francês, é o clássico “As Veias Abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano. “As pessoas não podem esquecer a sua história. Eu li este livro quando estava na prisão e estou lendo de novo”, diz. “Nós precisamos conhecer as alternativas, outras formas de vida”, diz ele, tirando da bolsa outro livro, este em português: “Por uma outra Globalização”, do renomado geógrafo brasileiro Milton Santos.  “Eu adoro suas ideias. Ele faz uma nova interpretação do mundo contemporâneo”, comenta, enquanto bebe chá branco em pleno calor carioca. “Eu gosto de chá. Não preciso de café. Já sou muito agitado”, conta. Ele coloca a mão dentro da mochila novamente e desta vez surgem mais dois livros sobre ecologia e desenvolvimento sustentável.

Hicheur, 39, não precisa de gatilho para começar uma conversa. Parece que dezenas de ideias borbulham na sua mente ao mesmo tempo. Ele salta, em questão de minutos, de física de partículas, para geopolítica, história da Argélia, repressão aos muçulmanos na Europa, álgebra, culinária, cinema. Há espaço até mesmo para Batman em sua conversa. As frases saem de sua boca em várias línguas: inglês, francês, português, de vez em quando com pitadas de árabe.

Ele faz uma pausa apenas para enxugar o suor de sua testa ou para ajustar os óculos que pousam em seu nariz. Então, a conversa amena começa a ganhar um tom mais sério: a sua atual situação. Ele se afunda no sofá e fica em silêncio – por alguns segundos. “Sinto que tem uma bola no meu estômago – sinto um vazio”, franzindo suas fartas sobrancelhas. “Eu decidi deixar o Brasil. Não sei ainda para onde vou e quando, mas vou embora”, contou.

Adlène Hicheur não está deixando o Brasil por sua própria vontade. O cientista, tido por todos que o conhecem como brilhante, e seus colegas dizem que ele está sendo empurrado porta afora. Hicheur foi taxado no Brasil como uma ameaça terrorista real devido às acusações do passado. Ele protege firmemente a sua privacidade, não deixando  que se fotografe seu rosto, até para não sofrer agressões na rua.

 Mas sua vida _ e seu passado _ não é nenhum segredo. Uma simples procura no google mostra que em 2009, enquanto trabalhava no famoso Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN), que abriga um superacelerador de partículas, perto de Genebra, na Suíça, ele foi preso pela polícia francesa. A acusação foi de “formação de quadrilha” com um grupo terrorista” (Al Qaeda no Mahgreb). Ele passou 30 meses enjaulado. É também de conhecimento público que a polícia francesa acusou Hicheur devido a 35 emails e conversas virtuais em fóruns na internet com um interlocutor que usava pseudônimo e que alegadamente seria um integrante argelino da Al Qaeda. Durante o julgamento, não se conseguiu apresentar nenhuma prova ou indício de que ele teria tomado qualquer ação para concretizar seus comentários. Sua resposta às acusações é bem conhecida também: ele alega que as conversas online incluíam numerosos tópicos internacionais, que ele nunca planejou nenhum ataque terrorista com ninguém. Há até uma página na Wikipedia sobre Hicheur que compara seu caso com o de Lotfi Raissi, acusado de ser o principal mentor do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 nos EUA, mas depois foi libertado sem qualquer acusação.

Também não é segredo que após 949 dias na notória prisão de Fresnes, em Paris, Adlène Hicheur foi liberado em maio de 2012. Ele deixou o país um ano depois, com o caso encerrado. Desde então, já no Rio, ele procurava colocar sua vida nos trilhos novamente – como professor e pesquisador. Aqui ele estava feliz porque se sentia bem acolhido. Ele já havia se convencido de que conseguiria apagar a marca de terrorista que havia sido carimbada em seu rosto na Europa e que o assombrou de 2009, quando foi preso, a 2013, quando chegou aqui. “Fui capaz de ensinar física na UFRJ e me dediquei totalmente às minhas pesquisas, além de escrever artigos acadêmicos. Tudo caminhava muito bem. Isso era tudo o que eu queria na minha vida e aqui no Brasil eu encontrei espaço para fazer isso”, lembrou Hicheur.
Ele estava no lugar certo mas provavelmente no momento errado.

Reciclando o passado


No último dia 9, em meio à intensa disputa entre partidos políticos sobre a “necessidade” de o país adotar uma lei anti-terrorismo, Hicheur apareceu na capa da revista Época, com uma reportagem intitulada “Um terrorista no Brasil”. A matéria  afirmava que havia “um segredo” na biografia do cientista, que estava sendo investigado pela Polícia Federal. Dizia ainda que ele havia recebido “uma bolsa do governo e que ensina em uma universidade pública”. A reportagem citou alguns emails que falavam em atentados terroristas, trocados entre ele e e um interlocutor chamado Phenix Shadow, que segundo o governo francês seria um membro da Al Qaeda. Mas Hicheur e seus colegas reagiram afirmando que a matéria remoeu detalhes velhos do caso já amplamente noticiados na mídia europeia há seis anos. A foto de um Hicheur barbeado foi estampada com um título em vermelho: “terrorista”. A reportagem parecia trazer a mensagem de que o Brasil está sob uma ameaça terrorista. “Não há segredo em meu currículo. Eu cheguei ao Brasil com um visto válido, convidado por um centro de pesquisas. Meu caso é muito conhecido, é passado. Eu sou cientista mas eles me carimbaram como terrorista ao reciclar de forma vergonhosa uma história velha”, protestou Hicheur, com um misto de tristeza e raiva.

Isso foi apenas o início de seu pesadelo brasileiro, com toda a grande mídia atrás dele. Sua foto, retirada do website do Ministério da Ciência e Tecnologia, ilustrou jornais e revistas, além de reportagens de televisão. Adlène Hicheur, um cientista que ainda trabalha, a partir do Brasil, em parceria com o CERN, foi apresentado como um perigo iminente ao Brasil. “Seu julgamento e condenação foram muito questionados. Os juízes sabiam disso, senão não o teriam liberado após três anos”, afirmou Patrick Baudouin, seu advogado, ao jornal Le Monde, na última quinta-feira. O Le Monde publicou uma matéria sobre o escândalo em torno de Hicheur a partir da reportagem da revista. Mas o próprio jornal francês, que fala de uma “máquina midiática-política”, coloca a palavra “terrorista” entre aspas.  “Em todo o caso ele cumpriu sua sentença”, acrescentou Baudouin, que é também diretor da Federação Internacional dos Direitos Humanos.
Mas o estrago já tinha sido feito.

Fatos cruciais foram ignorados no bombardeio contra Hicheur, como o de que ele foi condenado no dia 5 de maio de 2012 e liberado apenas 10 dias depois. A longa detenção de Hicheur foi criticada por mais de 600 cientistas, incluindo o prêmio Nobel de Física Jack Steinberger, além de organizações de defesa dos Direitos Humanos na Europa.

Hicheur acredita que está sendo julgado novamente no Brasil, quando já cumpriu a pena, e por um crime que, segundo ele, nunca cometeu.

“Nem a mídia francesa mostrou uma hostilidade tão exacerbada contra mim”, disse o físico, que recusou-se a falar com os jornalistas que invadiram sua sala na UFRJ e bateram na porta de seu apartamento, na Tijuca. Os repórteres, após entrarem no prédio, que não tem porteiro, fizeram plantão no corredor de seu andar, até que um colega de Hicheur chamou a Polícia Federal para retirá-los de lá.

Quatro dias após ele ter se transformado em manchete no país, Hicheur concordou em nos dar uma entrevista para contar seu lado na história. “Sem gravadores escondidos e sem fotos”, foi a única condição que ele apresentou. Ele avisou que poderíamos perguntar qualquer coisa.

Vestindo túnica de algodão azul marinho de manga curta, calça preta e sandália marrom, e com um boné cobrindo a sua cabeça,  Adlène Hicheur entra na sala da casa de um amigo, aperta as mãos dos jornalistas, e senta para ser entrevistado.

Hicheur conversa com a urgência de um homem que tem muito a dizer mas pouco tempo. Sua dicção é serena enquanto ele faz a conexão do que aconteceu com ele com o contexto político e social mais amplo.

Como um verdadeiro físico, ele explica sua história, como uma equação onde ciência, política, religião e cultura interajam uma com a outra.



Primeiro Julgamento

Hicheur nasceu em Setif, uma região montanhosa com florestas verdes e uma cidade com ruas arborizadas, no norte da Argélia, em 1976. Quando ele tinha um ano, sua família mudou-se para Isère, na França, levando ele, seus dois irmãos e três irmãs. Mesmo tendo nascido em uma família simples -- seu pai era operário da construção civil --, ele ficou em primeiro lugar na turma de mestrado de Física Teórica na École Normale Supérieure, uma universidade da elite francesa. Ele fez o doutorado no Laboratório de Física de Partículas de Annecy-le-Vieux de (Lapp), após breve passagem pelo Stanford Linear Accelerator Center (Califórnia).  Em seguida, foi para o Rutherford Appleton Laboratory, perto de Oxford, na Inglaterra, onde fez seu pós-doutorado. Depois, ele foi convidado a trabalhar no Departamento de Física de Altas Energias da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), na Suíça, e trabalhou no experimento LHCb do CERN.

Como uma estrela ascendente do EPFL, Hicheur tinha tudo a seu favor quando de repente sua vida começou a se desintegrar. No início de  2009 foi diagnosticado com hernia de disco que o fazia sofrer com fortes ondas de dores na espinha e na perna direita. Ficou confinado na cama da casa dos pais, em Isère. Algumas vezes as dores eram tão insuportáveis que ele tinha que tomar injeções de morfina. Ele só conseguia se locomover com andador.
Mas o pior estava por vir.

No dia 8 de outubro de 2009, a casa dos Hicheurs foi invadida por homens encapuzados fortemente armados. Eram agentes da polícia e da inteligência francesa. Hicheur e seu irmão mais novo, Zitouni, um engenheiro mecânico, foram levados para a delegacia de polícia. Seus computadores e equipamentos eletrônicos foram confiscados. “Não sabíamos o que estava acontecendo. Minha mãe, que é diabética, desmaiou e a polícia não deixou que a socorrêssemos. Mesmo com dores terríveis eu fui levado para o carro da polícia”, lembrou Hicheur com amargura.

Zitouni foi liberado após poucos dias, mas Hicheur foi acusado de “formação de quadrilha” com um grupo terrorista e enviado para a prisão de Fresnes. Sua detenção passou a dominar as manchetes da mídia francesa e europeia.


‘O terrorista do Big bang’
Em 2009, o CERN estava sob holofotes da mídia global por suas colisões de altas energias  no maior acelerador de partículas do planeta. O CERN inspirava livros de ficção e filmes com tramas recheadas de teorias conspiratórias. No início de outubro daquele ano, quando coincidentemente nós  dois visitávamos o CERN em uma viagem de 10 dias pela Suíça, o entusiasmo em torno do experimento do “Big Bang” (que procurava descobrir a origem do universo), chegava ao ápice.
“Cientista do Big Bang acusado de ter ligações com o terror”, dizia uma manchete em um jornal australiano. Outros reproduziam chamadas semelhantes e aterrorizadoras. Naqueles dias, em conversas com cientistas no bandejão do CERN, nós percebemos que a notícia explosiva assustou muitos, mas não convenceu vários de seus colegas mais próximos. Hicheur, que desde sua prisão tem negado consistentemente sua ligação com grupos terroristas, diz que paga um preço alto por ser um muçulmano bem educado na França. “As pessoas aqui não entendem o que significa ser muçulmano na França nestes dias, o que significa ser um migrante argelino. Se você é um muçulmano com alto nível cultural e educacional e ascendeu na vida eles vão te derrubar. Eu fui apresentado como como um exemplo de terrorista bem-educado, ativo na internet e que se radicalizou. Eles queriam me punir por minhas opiniões políticas”, afirmou Hicheur. “Eles queriam apenas destruir a minha reputação. Eles queriam me desumanizar”, concluiu.

Ele não foi o único que interpretou a sua detenção desta forma. Jean-Pierre Lees, um físico do Lapp que trabalhou com Hicheur e fez campanha por sua libertação, disse em 2011 que os promotores “sabiam muito bem que ele não tinha feito nada sério”. Citado em um artigo da revista científica internacional “Nature”, Lees disse que Hicheur foi atingido porque ele é um muçulmano  com alto nível de educação trabalhando em física.

Mas o que aconteceu depois, nas palavras de Hicheur, parecia ter sido inspirado em um romance de Franz Kafka. Quatro dias após a sua detenção na delegacia, o juiz que o investigava apresentou acusações contra ele, decretou a investigação formal e ordenou que ele fosse enviado para a prisão de Fresnes. Pela lei francesa, juízes lideram a investigação de crimes. A acusação contra Hicheur é  uma das mais comuns em casos relacionados ao terrorismo na França. Apesar de não haver acusação concreta de nenhum ato de terror _ planejado ou executado – contra Hicheur, sua detenção provisória em Fresnes durou quase três anos, com limitado acesso ao mundo exterior. Um grupo de apoio composto por cientistas divulgou uma declaração condenando o estilo “Guantanamo” de encarceramento no caso de Hicheur.

A polícia da Suíça, onde ele viveu e trabalhou até ser preso, o investigou e não conseguiu encontrar nenhuma evidência contra ele.

Os chefes de Hicheur na Suíça e no Brasil são só elogios a ele e rejeitam categoricamente que o físico seja culpado. Aurelio Bay, um cientista suíço que foi seu chefe no Grupo de Altas Energias do EPFL, em Lausanne, nos enviou um email ressaltando a sua crença na inocência de seu subordinado. “A Polícia Federal da Suíça averiguou tudo sobre a vida dele em Lausanne. Não encontraram nada. Eles acharam apenas papeis e contas velhas, copos sujos e discos rígidos que não tinham nada,” disse Bay. “Adlène deveria escrever um livro. O ataque é a melhor forma de defesa”, opiniou Bay.

 
Foto Shobhan Saxena

Política do terrorismo 

Em um dia chuvoso, mas quente, no Rio, Adlène Hicheur não esconde que sua mãe, de 68 anos e doente, domina a sua mente. “Você não imagina o que a minha mãe passou quando eu estava na prisão por causa de acusações falsas e o que ela está sentindo agora que estou sendo perseguido novamente no Brasil por algo que não fiz”, lamentou.

Hicheur está triste e desapontado, mas ele não caiu  na tentação de mergulhar no sentimentalismo. O cenário do que aconteceu em 2009 e o que está acontecendo agora está claro em sua cabeça. De fora, a França parece um país de primeiro mundo com uma robusta democracia e respeito pelos  direitos humanos. Mas uma pessoa que cresceu em bairros empobrecidos e com muitos imigrantes tem uma  percepção diferente  do que seja o Estado francês. Nesta parte da França invisível, direitos são violados frequentemente, conta Hicheur. Ele acredita que foi alvo do governo de direita de Nicolas Sarkozy, por ser um cidadão francês de origem argelina e muçulmano.

“Logo que eu fui levado para a delegacia, o ministro do Interior da França, Brice Hortefeux, declarou que eles haviam ‘feito um grande avanço’. Eu o vi na delegacia. Este ministro foi condenado por racismo. Ele estava com tanta pressa que queria me condenar  antes mesmo de me acusar formalmente”, lembra o cientista, citando o comentário racista de Hortefeux, amigo próximo de Sarkozy, contra um homem de origem argelina, em setembro de 2009. Em abril do ano seguinte este ministro foi multado em €750 por um tribunal francês devido a comentários racistas.

Em  2012, a popularidade de Sarkozy despencava. Assim, não foi coincidência, analisa Hicheur, que seu julgamento tivesse ocorrido apenas três semanas antes do primeiro turno das eleições presidenciais na qual Sarkozy encarou uma dura disputa e perdeu para Francois Hollande. “Meu julgamento acabou em apenas duas tardes, depois de me manter na prisão por 30 meses. Esta foi a forma de Sarkozy mostrar que havia capturado um perigoso terrorista”, disse Hicheur, que foi condenado a cinco anos de prisão em 5 de maio, apenas um dia antes do último turno do pleito presidencial. Logo após o veredito, seu advogado, Baudouin, classificou o julgamento de “escandaloso”.

Hicheur diz que a matéria da revista Época distorceu os fatos e ignorou detalhes cruciais que indicariam a sua inocência. Em 2009, antes de ser preso por visitar “websites de conversas subversivas islâmicas”, Hicheur  estava seriamente doente, tomando medicação. “Durante aquele período eu passei seis meses entre hospitais, médicos, fisiologistas, reumatologistas e finalmente na casa de meus pais para me recobrar dos problemas nas costas e no nervo ciático”, conta Hicheur, que afirmou ter passado naquela época por um “período de turbulência”.

Hicheur diz que a revista quis apresentar os 35 e-mails e conversas online como algo novo. “Não há nada novo nisso”, afirma ele. Em seu julgamento a acusação apresentou isso como evidência de sua culpa, mas Hicheur afirma que este é o elemento mais fraco do caso. Em uma sala de bate-papo virtual lotada de participantes com pseudônimos, Hicheur expressava livremente suas visões políticas sobre tudo o que acontecia no mundo islâmico. Depois que a sala de bate-papo foi hackeada _

 acredita ele _ por algum serviço de inteligência, Hicheur passou a trocar email com um interlocutor chamado “Phoenix Shadow”. Segundo ele, nenhum dos dois estava ciente da identidade real de ambos. Durante os dois dias de julgamento em 2012, a acusação afirmou que “Phoenix shadow” era na verdade Mustapha Debchi, um alegado integrante da Al Qaeda do Mahgreb. Mas a acusação nunca conseguiu estabelecer a conexão entre o pseudônimo,  o número de protocolo de internet  de seu computador e Debchi, segundo Hicheur. “O nome Mustapha Debchi foi mencionado desde que eu fui preso sem nenhuma prova de minhas ligações com ele”, explicou.

“Então, de repente, em setembro de 2011, eles anunciaram que o haviam capturado em fevereiro daquele ano, na Argélia, que o haviam interrogado e que a informação que constava do arquivo era de que tratava-se de ‘Phoenix Shadow’. “Mas Debchi não foi levado ao tribunal e nem indiciado, mesmo estando no centro desta alegada associação comigo. Ou seja, a culpa nunca foi estabelecida”, detalha Hicheur.

“Se ele foi preso em fevereiro, porque eles mantiveram esta informação secreta até setembro?”, questiona o cientista. Então, ele oferece a resposta: “Porque em outubro de 2011 eu completaria dois anos de detenção provisória e eles não poderiam de me manter preso por mais tempo”.

  A maioria dos resultados das buscas na internet sobre Mustapha Debchi estão ligados ao julgamento de Adlène Hicheur. “Minha correspondência com ‘Phoenix Shadow’ foi toda em árabe, mas o que produziram no tribunal foram trechos daqui e dali, fora do contexto e distorcidos, todos traduzidos muito mal para o francês. Eles estavam desesperados para me levar a julgamento e mostrar que eu era culpado”, afirmou.

Hicheur deixou a prisão depois de ter decidido não recorrer do veredito. “Desafiar o verefito significava ficar na prisão por mais um ano, além do tempo do julgamento. Não há como conseguir justiça. Eu iria apodrecer na cadeia. Eu queria voltar a ensinar e a pesquisar. Então, quando eles me disseram que eu poderia voltar para casa, eu senti que poderia renascer. A prisão é o túmulo dos vivos, como diz uma poesia em árabe. Eu sobrevivi lá dentro por causa da minha educação e da minha maturidade”, contou.

Jogo mentais 

Prisão nunca é um lugar prazeroso, mas algumas delas são notórias – historicamente – como Fresnes. Hoje, a guilhotina, que foi usada na França até 1977, está guardada em Fresnes, a maior casa de detenção da França. Durante a Segunda Guerra Mundial foi usada pela Gestapo. O lugar abrigou os que lutaram pela Frente de Liberação Nacional (Argélia), nos anos 50 e 60 , quando eles buscavam a independência da França. Foi no andar térreo da prisão que Hicheur passou 30 meses sem ver o céu aberto. Mas a quase falta de sol não era o maior problema. A polícia tentava quebrá-lo emocionalmente todos os dias, conta Hicheur. “Eles me diziam que eu nunca seria capaz de ensinar novamente e que eu seria obrigado a vender legumes nas ruas. Eles queriam me anular”, diz. “Mas eu estava determinado a resistir a este processo de desumanização”.

A sua determinação eram os livros que ele não apenas devorava para manter sua sanidade, mas apresentava a outros prisioneiros. Ele discutia os livros em uma espécie de Café Fisolófico na biblioteca da prisão, que podia frequentar uma vez por semana.

Hicheur herdou o amor pelos livros de seu pai, um operário da construção civil. Quando Hicheur e seu irmãos eram pequenos, o pai os levou ao canteiro de obra para mostrar como era uma vida dura. Se os meninos não estudassem íam acabar como ele, advertia. A educação era a salvação, repetia o pai. “Meu pai era um homem politicamente consciente. Apesar de ter sido um operário, ele sempre falava sobre livros, cultura e política com a gente”, lembrou. “E graças à minha educação, eu sobrevivi na prisão”, constatou.
O refúgio na prisão se dava através de livros dos mais variados: de física, cultura, espiritualidade e poesia árabe. Mesmo na loucura da cadeia, onde os prisioneiros brigavam uns com os outros por causa de um cigarro, ele manteve sua ligação com o mundo acadêmico. “Uma de minhas orientandas de doutorado me enviou um capítulo de sua tese  para que eu corrigisse. Eu fiquei tão feliz em corrigir. Eu vi que poderia ainda me manter em dia com a física”, conta.

Em Fresnes ele fez amizades com outros detentos. Seu apelido entre os prisioneiros era “Google” porque era capaz de responder a todos os tipos de perguntas _ de neutrinos à religião. “Eles queriam me ver fora dali”, conta Hicheur, entusiasmado, comparando sua condição com a do Batman no filme “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, onde Bruce Wayne é detido mesmo estando com um problema nas costas, mas escapa com o apoio dos outros presos. “Eu estava na mesma condição, na cadeia, com dor nas costas, mas contando com a torcida dos outros presos para sair”, riu.

Bruce Wayne escapou devido à sua força extraordinária, mas o que mantem o espírito de Hicheur positivo são sua crença e suas orações. Muçulmano praticante, ele adora falar sobre tradições islâmicas de ensino na matemática e química durante a Era Medieval. Seu interesse pela ciência e pelo conhecimento vem desta tradição. Ele manteve sua mente aberta na prisão interagindo com os outros detentos, ensinando o que podia e também aprendendo com eles. “Você deve se beneficiar da sabedoria de onde ela vier”, afirma, citando o profeta Maomé.


Estava chovendo enquanto Hicheur falava sem parar, respondendo as perguntas. Mas quando o sol começou a se por, ele se levantou: “Eu preciso rezar”, diz, tirando seu tapetinho de nylon. Vai para o escritório, desenrola o tapete no chão e faz suas orações.

O recomeço 


Em maio de 2012, logo que ele saiu da prisão, Hicheur comprou um computador, instalou alguns programas e começou a fazer ciência de novo. Ele estava ávido para voltar a trabalhar. Logo ele voltou ao CERN como integrante do laboratório de Lausanne e até fez uma viagem ao Brasil para um curto período no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Mas em maio de 2013, um ano após a sua libertação da prisão, ele foi proibido de entrar na Suíça ( decisão válida até 2018) como resultado de uma ordem administrativa da polícia daquele país, apesar de a justiça suíça ter encerrado o caso por falta de provas. Hicheur sugere que esta decisão foi tomada por pressão da França. “Eles queriam ter certeza de que eu não seria capaz de trabalhar como cientista nunca mais na minha vida. Eles sempre me falavam isso na cadeia”, lembra Hicheur, com olhar preocupado.

Mas mesmo com esta proibição e estando no Brasil, ele continuou colaborando com o CERN, o que faz até hoje. Ao saberem da campanha contra ele no Brasil, seus colegas europeus mais próximos reagiram revoltados. “Hicheur já pagou alto preço por sua correspondência online com alguém alegadamente da Al Qaeda. Hicheur nunca cometeu, direta ou indiretamente, qualquer ato terrorista ou criminoso. Ele cumpriu sua sentença e estava trabalhando pacificamente no Brasil”, afirma através de um email que nos enviou, a física italiana Monica Pepe Altarelli, do experimento LHCb do qual ele faz parte. Ela também é vice-porta-voz do CERN. “É admirável que o Brasil tenha oferecido ao professor Hicheur a possibilidade de retornar à sua carreira científica, beneficiando-se, assim, de suas elevadas qualificações como cientista e professor. O artigo publicado pela revista Época não está baseado em fatos e é inconsistente com a aberta tradição humanitária do Brasil”, afirma ela , com o respaldo de outros colegas que trabalharam de perto com ele, como os cientistas Pierlugi Campana, do Laboratori Nazionali dell’INFN de Frascati (Itália), e ex-porta voz do experimento LHCb, e o suíço John Ellis, professor de Física Teórica do King’s College, em Londres, integrante do CERN.
Com os portões do CERN fechados para Hicheur, ele começou a olhar além da Europa para procurar trabalho.



Seus colegas o ajudaram e ele encontrou a oportunidade de renascer no Brasil, um país que ele sempre admirou por sua rica história, “pela política externa independente” e pela cultura de ativismo da sociedade civil. Depois de obter o visto do consulado brasileiro em Genebra, processo que demorou mais de 30 dias, devido a todo o processo de verificação de seu caso, ele desembarcou aqui em maio de 2013 e começou a trabalhar no CBPF. A partir de junho de 2014, passou a trabalhar na UFRJ.

Apesar de ter crescido na França, Hicheur manteve os laços com sua cidade, Setif, na Argélia, que sua família costumava visitar sempre. Acostumado com as montanhas, o calor tropical e as praias do Rio são um choque térmico, mas ele se adaptou. Depois de algumas semanas vivendo em um apartamento em Copacabana, Hicheur mudou-se para uma rua da Tijuca e começou a descobrir a cidade. “Eu adoro andar na Floresta da Tijuca. É tão bom ser parte da natureza” diz ele, que gosta também de montanhismo.

Devido à sua limitação no domínio do português, no início ele só pesquisava. Mas no segundo semestre de trabalho na UFRJ já havia começado a dar aulas, no nível da graduação, sobre sustentabilidade das energias renováveis e física experimental. Seus colegas da UFRJ aplaudem a contribuição que o professor Hicheur tem dado à ciência no Brasil e ao ensino.

O professor do Instituto de Física, Leandro Salazar de Paula, a quem Hicheur é subordinado no grupo de pesquisa no qual trabalha, define: “Ele é um excelente pesquisador, simplesmente brilhante”. Segundo ele, se Adlène Hicheur deixar o país “será uma grande perda para o nosso programa de pesquisa”. O professor argelino atua em várias linhas de pesquisa. “Somos nove pesquisadores e estamos perdendo o mais atuante”, lamentou Leandro de Paula.

O Segundo Julgamento de Adlène Hicheur 

Apesar de o contrato de Hicheur valer até junho, ele decidiu deixar o país, desapontado com tudo o que aconteceu e com a falta de apoio do governo. Sua paz no Brasil foi abalada em outubro do ano passado quando ele foi abordado por policiais à paisana  em uma rua perto de sua casa. “Eu entrei em pânico. Você pode pensar que eu sou paranoico mas por causa da minha experiência terrível na França eu não sabia quem eram estes homens e o que eles queriam de mim”, conta. Eram da Polícia Federal. Eles queriam conversar com Hicheur sobre um indicente na Masjid e Nur, uma mesquita da Tijuca frequentada por ele.

Em janeiro de 2015, poucos dias após o ataque terrorista à sede da revista Charlie Hebdo, em Paris, uma equipe da CNN da Espanha foi à mesquita para fazer uma filmagem. Coincidentemente _ ou não _ , enquanto a equipe filmava, um homem que nunca frequentou o local apareceu diante das câmeras e tirou a sua camiseta para revelar uma bandeira do grupo terrorista Estado Islâmico, impressa em uma outra camiseta que havia por debaixo.  Isso, segundo a polícia contou  para ele, fez com que se investigasse todos os frequentadores da mesquita, inclusive o próprio Hicheur. “Eu não estava nem no Brasil naquele dia. Estava na Europa passando férias com a minha família”, lembra.

“Não há nada contra mim por parte da polícia brasileira”, assegura. De fato, Hicheur tem em mãos um certificado de antecedentes criminais datado de 14 de janeiro: “A Polícia Federal certifica, após pesquisa no sistema nacional de investigação criminal, que até a data de hoje (14 de janeiro) não há registro de antecedentes criminais em nome de Adlène Hicheur”, diz o atestado ao qual tivemos acesso.
Após a divulgação da reportagem da Época, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que uma pessoa “condenada por terrorismo” deveria ter sido impedida de entrar no país. O ministro sinalizou ainda que o governo iria averiguar seu status legal no país.

Os acadêmicos mais próximos de Hicheur criticaram esta declaração, mas isso fez com que Hicheur decidisse desistir da oportunidade que o Brasil havia oferecido a ele para reconstruir a sua vida. “Não me deixaram opção”, disse. Ele contou que está desapontado e sentindo-se traído. “Eu cheguei aqui legalmente. Vim para trabalhar  e contribuí com a física aqui . Agora sou forçado a deixar o país”, lamentou. “O que fizeram com ele no Brasil é um linchamento inaceitável. Ele passou mais de um ano ocupando um escritório do lado do meu. Conversei muito com ele sobre a prisão, sobre política no Oriente Médio e outros temas. Ele sempre criticou grupos terroristas, inclusive o Estado Islâmico. Aí uma revista semanal veio com uma matéria que prefiro nem usar adjetivo....e ele viu seu tremendo esforço para reconstruir sua vida científica desabar.

A isso adiciona-se uma declaração de um ministro e ele passa a se sentir ameaçado. Ele não quer ser espancado e humilhado novamente. Ele entrou pela porta da frente e quer sair pela porta da frente”, disse Ronald Shellard, diretor do CBPF. “Ele é um muçulmano bastante fiel, com um senso muito agudo de honra, respeito e dignidade, completou. “Se o Adlène for embora, ou pior, for expulso, isso significará a derrota definitiva de tudo por que nossa geração lutou durante a ditadura militar, de todos os princípios de direitos humanos”, opinou Shellard. Sobre o caso francês, já encerrado, Shellard diz que pelo o que sabe “ele foi condenado por seus pensamentos que estão em um disco rígido. Isso me faz lembrar o livro ‘1984’, de George Orwell”, concluiu.

Ignacio Bediaga, chefe do grupo LHCb no CBPF, ex-chefe de Hicheur nesta instituição, antes de ele trabalhar na UFRJ, diz que o que aconteceu com o físico argelino foi um linchamento. “Adlène foi submetido a um linchamento pela revista Época e pela declaração do ministro. Adlène foi contratado pela UFRJ, ou seja, pelo governo brasileiro. Agora dizem que ele não é bem-vindo. Isso é preconceito porque ele é um cientista muçulmano”, criticou Bediaga.

Hicheur ainda não havia decidido seu destino até hoje, dia 18 de janeiro. Ele parou de lecionar na UFRJ porque o assédio da mídia não permitiria mais essa função. Mas ele continua a desempenhar suas tarefas  de pesquisador, e tem dois artigos científicos para tocar. Mesmo sob este ataque, hoje ele está apresentando a análise de dados para um destes artigos, sobre uma partícula subatômica rara e pouco conhecida chamada “Bc”. Esta apresentação foi feita em vídeo conferência para 700 cientistas internacionais que participam de seu grupo de experimento e que vão corroborar o artigo assinado por ele.


“Estou sendo julgado no Brasil por algo que já me julgaram na França”, protestou Hicheur, afirmando tratar-se de um caso de islamofobia. “Meu caso deve ser visto dentro do contexto da França. Se você tirar o Islã da equação, não há problema. Eu sou apenas um caso entre muitas pessoas perseguidas por serem muçulmanas”, lamentou, acrecestando que não esperava que isso fosse acontecer no Brasil, um país que ele sempre admirou.

‘Eu estou a 10 mil quilômetros de Paris, mas ainda assim estou ao alcance deles. Eles estão me quebrando de novo. Onde posso ir?”, pergunta, refletindo sobre onde poderá tentar reconstituir  sua vida mais uma vez.

Ele fica em silêncio por alguns minutos, parecendo pensativo. “Se você está vivendo bem, eles não aceitam. Eles haviam me avisado que eu não ía voltar a fazer ciência. O Brasil me deu este espaço. Pelo menos eu pude provar que consegui voltar à ciência”, diz Hicheurs, andando pela sala, com um sorriso melancólico no rosto.

Florência Costa é jornalista freelancer, ex-correpondente na Rússia e na Índia e autora do livro “Os Indianos” (Editora Contexto)

Shobhan Saxena é jornalista indiano, baseado em São Paulo, e contribui para o website internacional “The Wire”, para o jornal “Times of India” e para a BBC em Hindi.

http://www.jornalggn.com.br/noticia/adlene-hicheur-eu-estou-sendo-cacado-pela-midia-por-um-crime-que-nao-cometi

Um socialista disputa a Casa Branca


Do Outras Palavras
 
 
Que estranho fenômeno político leva Bernie Sanders a reunir multidões e avançar nas pesquisas, resgatando heróis revolucionários e defendendo ideias opostas às do establishment

Por Bhaskar Sunkara, em Jacobin | Tradução: Vinícius Gomes Melo

“Eu não sou um soldado do capitalismo. Eu sou um revolucionário proletário… Eu sou contra todas as guerras, exceto uma”. Foi o que disse o senador Bernie Sanders, em 1979, ao citar, para uma coletânea da Folkways Records, o discurso do famoso candidato presidencial pelo Partido Socialista norte-americano Eugene V. Debs.

A linguagem estava deslocada, em um país prestes a viver a era Reagan, onde até mesmo as mais modestas conquistas do Estado de bem estar social norte-americano estariam sob ameaça. Ainda assim, dois anos depois, Sanders tornou-se o prefeito da maior cidade do estado de Vermont. O Vermont Vanguard Press celebrou a “República Popular de Burlington” com uma edição especial. Sanders pendurou um quadro de Debs em seu novo escritório. O quadro hoje está na parede do seu escritório no Capitólio, o Legislativo dos EUA.

Tecnicamente, Sanders é um independente que disputa as convenções partidárias junto ao Partido Democrata. E sua própria variedade de socialismo é mais semelhante à do ex-primeiro-ministro sueco Olof Palme, também um social democrata, do que à de Debs, um simpatizante dos bolcheviques. Sanders gosta de comparar o sucesso dos países escandinavos, com seus Estados de bem estar social, com a desigualdade no interior da sociedade norte-americana, destacando a miséria infantil e falta a assistência médica acessível nos EUA. Suas soluções – cobrança progressiva de impostos e serviços públicos robustos – não estão muito distantes daquelas que seus colegas mais à esquerda no Senado, como a senadora Elizabeth Warren – propõem.

Para Sanders, o manto de socialista é acima de tudo um aceno à rica história norte-americana de radicais e reformadores, aqueles que foram amplamente apagados pelo da história do progresso nacional pelo conservadorismo doméstico, assim como pela Guerra Fria no exterior. O próprio padrão de Sanders em suas votações, alinha-se muito com os progressistas no Partido Democrata. Como Howard Dean afirmou emMeet the Press, em 2005, “ele é basicamente um democrata liberal… A verdade é que Bernie Sanders vota 98% das vezes com os democratas”.

A base democrata concorda. Por anos, eles evitaram que o partido colocasse candidatos para concorrer contra ele em Vermont – mais um sinal de que o rótulo de socialista já não evoca imagens de filas para o pão e gulags.

Sanders não oferece aquela visão emancipatória, ou com princípios políticos anti-imperialistas, que devemos reivindicar da esquerda, mas sua defesa incondicional do Estado de bem estar social contrasta fortemente com as políticas, favoráveis às corporações, de sua concorrente Hillary Clinton. E como Elizabeth Warren provavelmente não concorrerá em 2016, apenas Sanders pode empurrar as primárias para a esquerda, obrigando Hillary a assumir uma série de compromissos audaciosos para apaziguar (e depois afastar, quando eles não forem cumpridos) uma descontente base progressista.

Bernie Sanders

Sanders descreveu sua possível candidatura como uma tentativa de construir organização e pressão a partir da esquerda: “Se eu concorrer, será por um tipo de coalizão capaz de transformar a política”

Ao contrário da maior parte da Europa, os Estados Unidos nunca tiveram um forte partido trabalhista que disputasse o poder e construísse um generoso Estado de bem estar social. Porém, durante boa parte do século passado, muitos no Partido Democrata foram capazes de construir alguns fragmentos disso, dentro de certos limites.

Os movimentos que exerceram esse papel – sindicatos, organizações de direitos civis e grupos comunitários – ainda estão por aí. Mas por não terem controle estrutural algum sobre um partido que, fundamentalmente, representa os interesses do capital, são facilmente colocados de lado. À medida em que a distância entre eles e as políticas perseguidas por líderes do partido, como Barack Obama, torna-se mais evidente, não surpreende que comecem a erguer suas vozes.

Hillary Clinton está profundamente enraizada na tradição Novos Democratas, e teve um papel na criação das políticas que se tornaram o senso comum dentro do partido. Os Novos Democratas juntaram-se sob o auspícios do já falecido Conselho da Liderança Democrática (DLC, sigla em inglês), no final dos anos 1980. Quando o “tribute-e-gaste” tornou-se eleitoralmente inviável, os democratas supostamente deveriam promover um governo cada vez mais reduzido e menos atuante (ainda que brincassem com uma política social progressista, nas margens)

É inegável o papel dos Clintons na transformação do Partido Democrata em plano nacional, ao longo dos anos 1990 (no processo, obtiveram recompensas eleitorais de curto prazo). Afinal de contas, foi o presidente Bill Clinton – e não Ronald Reagan – que equilibrou o orçamento e colocou um fim ao “bem estar social como o conhecemos”. E foi Hillary Clinton, então primeira-dama, que apoiou de maneira forte as mudanças promovidas pelo DLC, como a emenda de reforma no Estado de bem-estar social de 1996.

O presidente Obama, apesar de suas promessas de mudanças na batalha das primárias em 2008 contra Hillary, não se desviou da agenda de interesses do DLC. Os liberais mais tradicionais opuseram-se às políticas dos Novos Democratas, à falta de ação de Hillary quanto às mudanças climáticas e à agressiva política externa que incluiu o apoio à invasão do Iraque.

Nos últimos anos, a maré política continuou a se mover contra os Clintons, especialmente quando começou a crise financeira de 2008. À direita, o movimento Tea Party, politicamente engajado e ativo, ganhou a maior parte das manchetes. Porém, o movimento Occupy, as insurgências trabalhistas como a greve do Sindicato dos Professores de Chicago, as ações dos trabalhadores de fast-food, os protestos contra a violência policial e a maior atenção dada a desigualdade de renda – tudo isso aponta para a incipiente reemergência da esquerda nos EUA.

Eugene Debs, o socialista histórico que inspira Sanders: organizador dos trabalhadores por toda a vida, cinco vezes canditato à presiência dos EUA, em contato com o marxismo na prisão

Eugene Debs, o socialista histórico que inspira Sanders: organizador dos trabalhadores por toda a vida, cinco vezes canditato à presiência dos EUA, em contato com o marxismo na prisão

Eleitoralmente, um mix eclético de personalidades lutou para preencher os espaços que as ações populares abriram – desde o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, até populistas no Senado como Elisabeth Warren. Mas exceto Sanders, nenhuma dessas figuras está preparada para disputar em 2016.
Sanders descreveu sua possível candidatura como uma tentativa de construir organização e pressão a partir da esquerda: “Se eu concorrer, meu trabalho será ajudar reunir gente para um tipo de coalizão capaz de vencer e transformar a política”. Isso seria a mais profunda tentativa de fazer algo do tipo entre o Partido Democrata desde a eletrizantes campanhas de Jesse Jackson na década de 1980.

Sanders pode apenas sonhar em reunir as forças políticas que Jackson conseguiu, e as razões para que os liberais mais convencionais queiram que Hillary vença as primárias são fáceis de entender. Na esfera nacional, ela é figura mais conhecida e popular na corrida do Partido Democrata; e pode sustentar a popularidade do partido entre as mulheres. Ela é dura de ser batida, e uma grande vitória em 2016 pode pavimentar o caminho para um Congresso de maioria democrata.

Mas as pesquisas indicam que, assim como o Partido Republicano despenca para a direita, o eleitorado que se declara democrata está tendendo de maneira coerente e uniforme para posições progressistas. No núcleo de uma potencial base para a campanha de Sanders, está a divisão cada vez maior entre a liderança centrista do partido e os eleitores que ainda mantêm a visão dos democratas como o partido do New Deal e da Grande Sociedade1.

Talvez como resposta ao renovado fervor na direita, mais democratas afirmam ser a favor de um governo ativo, capaz de regular as corporações e garantir serviços sociais. Esse grupo de liberais enxerga os poucos êxitos de Obama – a reforma na assistência médica, por exemplo – como insuficientes, considerando as concessões oferecidas por seu governo às corporações. A ausência de uma organização como um Tea Party, para articular politicamente esses sentimentos, abre espaço para que Sanders consolide os progressistas em um bloco eleitoral coerente.

Enquanto isso, como o site Politico reportou, Hillary é vista, por alguns grandes doadores liberais, como alguém muito centrista para merecer apoio. Até mesmo aqueles que não compartilham das políticas social-democratas de Sanders querem que ela seja desafiada pela esquerda e veem o candidato como uma potencial alavanca para tirar o Partido Democrata da posição de centro-direita.
É mais provável que seja Sanders quem altere o tom e o conteúdo do debate, do que alguém como Dennis Kucinich, o congressita de Ohio que atuou com a voz progressista solitária nas recentes primárias presidenciais, mas jamais conseguiu conquistar um apoio maciço. Sanders é levado a sério pelos eleitores. Ele tem a credibilidade, e a bagagem, de alguém que é um senador, e é uma voz poderosa na defesa da redistribuição de riqueza.

Em uma era de estagnação econômica, as frustrações que outrora foram caladas podem ferver, em descontentamento aberto. Há um número suficiente de pessoas à esquerda, da coalizão democrata, para dar dor de cabeça à campanha de Hillary. Seus planos de se descolar para o centro, para turbinar o mais rápido as perspectivas para as eleições gerais, saíram sem dúvidas dos trilhos, por conta do crescimento de Sanders.

Não será, é claro, suficiente para vencer desta vez; mas, se vista como uma oportunidade para a construção de um movimento, a candidatura de Sanders pode fortalecer a esquerda no longo prazo. As tensões entre os democratas são sérias e podem aumentar a possibilidade para o realinhamento das forças progressistas em bases totalmente diferentes.

Este é um projeto diferente das tentativas de Michael Harrington (e outros) para conveter os democratas em um partido social-democrata mais tradicional, ao forçá-lo para a esquerda. Nosso objetivo deve transcender por completo o partido.

Está longe de ser um plano à prova de falhas, mas nesse momento a melhor aposta para a esquerda na arena eleitoral é apoiar tanto as campanhas políticas eleitorais independentes, e as candidaturas primárias de socialistas insurgentes, como as de outros radicais. Ter Sanders defendendo abertamente o socialismo, e contestando o histórico dos Novos Democratas perante uma audiência nacional é um pequeno passo na direção certa.

Certamente há perigos em uma candidatura presidencial de Sanders. Em ocasiões anteriores, tentativas de fortalecer movimentos sociais através de “alguém de fora” nas primárias – como as campanhas de Jesse Jackson – acabam em becos sem saída. Levaram, possivelmente, ao enfraquecimento dos esforços políticos independentes.

Mas a candidatura de Sanders não precisa ser apenas uma convergência das forças de esquerda contra uma nomeação quase certa de Hillary. Ao invés disso, pode ser um caminho para que os socialistas reagrupem-se, organizem-se e articularem o tipo de política que se comunique com as necessidades e aspirações da ampla maioria das pessoas. E poderia começar a legitimar a palavra “socialista”, servindo como estopim para deflagrar conversas a respeito – mesmo que o socialismo de bem estar social de Sanders não vá tão longe.

Uma vibrante campanha de Sanders seria um sinal de que as perspectivas sombrias quanto ao emprego, e a pressão cada vez maior sobre os trabalhadores norte-americanos, estão criando um espaço político para a mudança. Há grande razão para acreditar que, se ele falhar, que vozes radicais poderão tomar seu lugar, levando de volta, ao palco principal da política, a memória de Eugene Debs.
1 Great Society, conjunto de políticas sociais lançadas pelo presidente Lyndon Johnson (democrata, 1964-65) com objetivo de combater a pobreza e a desigualdade social. Veja mais na Wikipedia

http://www.jornalggn.com.br/noticia/bernie-sanders-o-socialista-na-disputa-da-casa-branca