segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Será que o 'trensalão' paulista pode descarrilar para Minas?

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O que levou o senador Aécio Neves (PSDB) a se envolver pessoalmente na batalha perdida da comunicação sobre o escândalo de corrupção da Alstom e da Siemens nos trens e empresas de energia nos governos tucanos de São Paulo?
Aécio vem da escola política mineira que cultiva a prudência e esperteza. Essas características recomendariam manter seu nome o mais longe possível do caso. Estava claro que haveria o alto risco de que atacar o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pelas investigações da Polícia Federal, viraria um tiro no pé, pois a opinião pública veria o caso como pressão pelo engavetamento. E foi o que aconteceu, apesar dos esforços editoriais da imprensa oposicionista em dar uma mãozinha aos tucanos, para tentar colocá-los na posição de vítimas.
Para piorar, o gesto político de Aécio acabou por reforçar a impressão de maior envolvimento dos governos tucanos paulistas no escândalo, além de "contaminar" a imagem do senador mineiro. Afinal, para o público telespectador que acompanha superficialmente o caso, ao ver Aécio reclamando das investigações, pode até achar que ele estaria no rol de suspeitos.
Nem o fato de ele ser o presidente do partido justifica. Os tucanos poderiam escalar apenas os líderes na Câmara e no Senado, poupando seu pré-candidato à Presidência da República de se "contaminar". O governador paulista Geraldo Alckmin, por exemplo, evitou se expor.
Mas uma explicação para o comportamento do senador Aécio pode ser as estreitas relações da Alstom e seus ex-executivos com o tucanato mineiro, sobretudo através da Cemig, a empresa de energia elétrica do governo do estado de Minas.
Em 2002, chama atenção a dispensa de licitação no contrato da Cemig com o Consórcio Alstom/Orteng/Ineltopara implantação da Subestação Seccionadora Bom Despacho 3. O contrato foi executado durante o governo de Aécio Neves, que manteve o presidente da Cemig, Djalma Bastos de Morais.
Em janeiro deste ano, a mesma Alstom anunciou que Cemig a selecionou em um contrato de 20 milhões de Eurospara reforço da transmissão nas Subestações de Bom Despacho 3 e São Gotardo 2.
Outra coincidência curiosa é que, quando a Cemig virou sócia da Light, durante a gestão de Aécio Neves como governador de Minas, o escolhido para presidir a Light foi José Luiz Alquéres, ex-presidente da Alstom no Brasil entre 1998 e 2006, período em que a multinacional é investigada por suposto pagamento de US$ 6,8 milhões em propina para políticos do PSDB para vencer licitações de US$ 45 milhões do metrô de São Paulo.
Outra pedra no sapato do tucanato mineiro é o testemunho do empresário Edson Brockveld – dono da Brockveld Equipamentos – na CPI dos Correios, dado em 2005. Brockveld contou que a ECT (Correios) abriu a concorrência internacional 016/99 para a compra de esteiras rolantes. A ECT estava sob hierarquia do Ministério das Comunicações, e o ministro era Pimenta da Veiga, do PSDB mineiro. Brockveld colocou sua proposta de R$ 48 milhões em envelope lacrado.
Brockveld diz ter sido procurado pouco antes da abertura das propostas pelas empresas Mannesmann, Siemens e Alstom para desistir da concorrência, pois estaria acertado previamente que as duas últimas seriam as vencedoras da licitação. Ele entregou o envelope, porém sequer foi aberto, pois sua empresa foi inabilitada por mudanças no processo de seleção em desacordo com o edital, segundo ele.
Siemens e Alstom foram às escolhidas, cobrando quase o dobro da Brockveld. As vencedoras ainda passaram a gerenciar outros três contratos no valor de US$ 100 milhões (cerca de R$ 230 milhões).
Em seguida, conta o empresário, a direção da Brockveld foi procurada pelas vencedoras para um acordo. Não contestaria a licitação, em troca de Siemens e Alstom dividirem com a perdedora parte do fornecimento dos equipamentos. No entanto, as empresas vencedoras não honraram os acordos, segundo o empresário.
Na CPI dos Correios, Edson Brockveld entregou toda a documentação sobre o caso. O sub-relator, então deputado federal, hoje ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou na audiência que a CPMI iria solicitar ao Ministério Público o aprofundamento da investigação sobre o caso. Será que este processo descansa em alguma gaveta por aí?
Como se vê, Aécio Neves pode ter mais motivos para se queixar da Polícia Federal mexer nesse vespeiro do que a mera solidariedade a tucanos paulistas.

JUSTIÇA, INTELECTUAIS, PT-PSDB E SUSPEITAS

A opinião pública como gado


O documentado condomínio entre o PSDB, cartéis e a prática sistêmica de sobrepreço nas licitações do metrô paulista era do conhecimento da mídia desde 2009.

por: Saul Leblon
Arquivo

A régua seletiva da emissão conservadora vive mais uma quadra de exibição pedagógica.

Vísceras, troncos e membros do grupo proprietário do Hotel Saint Peter, em Brasília, no qual trabalhará o ex-ministro José Dirceu, por apreciáveis R$ 20 mil, diga-se  – se fossem R$ 5 mil ou R$ 10 mil as suspeitas seriam menores?--  estão sendo trazidos a público em cortes sugestivos.

Chegam desossados e moídos.

Salgados e pré-cozidos, basta engolir, sendo facilmente digeríveis em sua linearidade.

Sem guarnição, recomenda o chef.

Assim costuma ser, em geral, com as informações que formam o cardápio de  fatos ou acusações relacionados ao PT.

Uma farofa seca de areia com arame farpado.

E assim será com o exercício do regime semiaberto facultado ao ex-ministro.

A lente da suspeição equivale desde já a um segundo julgamento.

Com as mesmas características do primeiro.

Recorde-se o jornalismo associado ao crime organizado que  não hesitou em invadir o quarto de hotel do ex-ministro, em Brasília, para instalar aparelhos de escuta, espionar gente e conversas no afã de adicionar chibatadas ao pelourinho da AP 470.

O cenário esquadrejado em menos de uma semana  –o emprego foi contratado na última 6ª feira— diz que não será diferente agora.

O dono do hotel é filiado a partido da base do governo (PTN), revela a Folha. Tem negócios na área da comunicação. Uma de suas emissoras, a Top TV, com sede em Francisco Morato (SP), conquistou recentemente o direito de transferir a antena para a Avenida  Paulista.

Suspeita.

A Anatel informa que não, a licença foi antecedida de audiência pública. Sim, mas a Folha desta 5ª feira argui tecnicalidades, cogita riscos de interferência em outros canais etc

Não só.

Dono também de rádios, o empregador de Dirceu operou irregularmente uma antena instalada em terraço do Saint Peter, diz o jornal  ainda sem mencionar o andar.

Deve ser o 13º.

A mesma Folha investiga ainda encontros do empresário --membro de partido da base aliada--  com o ministro Paulo Bernardo. Da Comunicação. A esposa do ministro é pré-candidata ao governo do Paraná..

Vai por aí a coisa.

Alguém com o domínio de suas faculdades mentais imaginaria que o ex-ministro José Dirceu, um talismã eleitoral lixiviado há mais de cinco anos no cinzel conservador, obteria um emprego em qualquer latitude do planeta sem a ajuda de aliados ou amigos?

O ponto a reter é outro.

Avulta dessa  blitzkrieg  uma desconcertante contrapartida de omissão: quando se trata de cercar pratos compostos de personagens e enredos até mais explosivos, extração diversa, impera a inapetência investigativa.

O braço financeiro da confiança de José Serra, Mauro Ricardo, seria um desses casos de inconcebível omissão se as suas credenciais circulassem na órbita do PT?

A isso se denomina jornalismo de rabo preso com o leitor?

Tido como personalidade arestosa, algo soberba, Mauro Ricardo reúne predicados e rastros que o credenciariam a ser um ‘prato cheio’ do jornalismo investigativo.

O economista acompanha Serra desde quando o tucano foi ministro do Planejamento (1995/96); seguiu-o na pasta da Saúde (1998/2002), sendo seu homem na Funasa, de cujos funcionários demitidos Serra ganharia então o sonoro apelido de ‘Presidengue’, na desastrosa derrota presidencial de 2002.

Nem por isso Mauro Ricardo perdeu a confiança do chefe, sendo requisitado por Serra quando este assumiu a prefeitura de São Paulo, em 2004/2006, ademais de acompanha-lo, a seguir, no governo do Estado.

Quando o tucano foi derrotado  pela 2ª vez  nas eleições presidenciais de 2010, Mauro Ricardo voltou ao controle do caixa da prefeitura, sob a gestão Kassab.

Esse, o trajeto da caneta que mandou arquivar as investigações contra aquilo que se revelaria depois a maior lambança da história da administração pública brasileira: o desvio de R$ 500 milhões do ISS de São Paulo, drenados ao longo do ciclo Serra/Kassab por uma máfia de fiscais sob a jurisdição de Mauro Ricardo.

O que mais se sabe sobre esse centurião?

Muito pouco.

Seus vínculos, eventuais negócios ou sócios, círculos de relacionamento e histórias da parceria carnal com o candidato de estimação da mídia conservadora nunca mobilizaram esforço investigativo equivalente ao requisitado na descoberta de uma antena irregular  num terraço do Hotel Saint Peter, em Brasília.

Evidencia-se a  régua seletiva.

Que faculta ao tucano Aécio –e assemelhados-  exercitar xiliques de indignação ante as evidências de uma fusão estrutural entre o tucanato de SP,  cartéis multinacionais e a prática sistêmica de sobrepreço  nas compras do metrô paulista - desde o governo Covas.

Dados minuciosos do longevo,  profícuo matrimônio,  são conhecidos e circulam nos bastidores da mídia, de forma documentada, desde 2009.

Quem  confessa é o jornal Folha de SP desta 5ª feira.

Repita-se, o repórter Mario Cesar Carvalho admite, na página 11, da edição de 28/11/2003 do jornal, que se sabia desde 2009  da denúncia liberada agora pelo ‘Estadão’ –cujo limbo financeiro pode explicar a tentativa de expandir o universo leitor com algum farelo de isenção.

Por que em 2009 esse paiol não mereceu um empenho investigativo ao menos equivalente ao que se destina aos futuros empregadores de José Dirceu?

O calendário político da Folha responde.

Em 2010 havia eleições presidenciais; o jornal preferiu investir na ficha falsa da Dilma a seguir os trilhos do caixa 2 tucano em SP.

No seu conjunto, a mídia tocava o concerto do ‘mensalão petista’. Dissonâncias não eram, nem são bem-vindas.

Transita-se, portanto, em algo além do simples desequilíbrio editorial.

Temas ou versões conflitantes com a demonização petista mereceram, ao longo de todos esses anos, o destino que lhes reserva a prática dos  elegantes manuais de redação: ouvir o outro lado, sem nunca permitir que erga a cabeça acima da  linha da irrelevância.

Assim foi, assim é.

Só agora – picados e salgados os alvos em praça pública--  o pressuroso STF lembrou-se de acionar o Banco do Brasil para cobrar o suposto assalto aos ‘cofres públicos’ da AP 470.

Pedra angular das toneladas de saliva com as quais se untou os autos do maior julgamento-palanque da história brasileira, só agora,  encerrado o banquete, cogita-se do prato principal de R$ 70 milhões esquecido na cozinha?

O esquecimento serviu a uma lógica.

Até segunda ordem, perícia rigorosa providenciada pelo BB ofereceu uma radiografia minuciosa de recibos e provas materiais dando conta do uso efetivo do dinheiro nas finalidades de patrocínio e publicidade contratadas.

O documento capaz de trincar a abóboda da grande narrativa conservadora, nunca mereceu espaço à altura de seus decibéis no libreto dominante.

Ao mesmo tempo, o que a Folha admite agora, como se isso mitigasse o escândalo do metrô (‘Papéis que acusam o PSDB circulam há mais de quatro anos’) corrobora a percepção de que estamos diante de uma linha de coerência superlativa.

Ela traz a marca de ferro do que de pior pode ostentar quem se evoca a prerrogativa da informação isenta.

‘Cumplicidade’ diz o baixo relevo inscrito nas páginas e na pele daqueles que ironicamente, destinaram à  opinião pública, durante todos estes anos, o livre discernimento que se dispensa ao gado na seringa do abate.

http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/A-opiniao-publica-como-gado/29675