segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um petista no lugar certo, na hora certa

A história de uma farsa – Capítulo 2

Por Miguel do Rosário



Trazer o questionamento sobre a lisura no julgamento do mensalão para esta grande ágora pública, a internet, nos permite provocar um debate instantâneo, que nos ajuda a desenvolver nosso trabalho. Os dois primeiros textos já publicados geraram algumas reações negativas curiosas. Um internauta fez uma declaração emocionante: “O PT me fez desacreditar na política, e agora quer me fazer também descrer na Justiça”.  Outro se pergunta, perplexo, como pode ser que alguém “não entender que partido político e seus governos, no Brasil, não passam de quadrilhas que vivem meramente de dinheiro público? Assim, o Executivo é o poder que estrutura a corrupção no Brasil. Resta ao Judiciário moralizar e colocar a política em seus trilhos”.

Sem se dar conta, essas críticas apenas reforçam a argumentação central que procurarei expor aqui: a acusação usou e abusou de uma lógica de “linchamento”, que serviu para desqualificar o processo político e as entranhas da nossa jovem democracia. E tudo em prol de soluções de força a serem tomadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário, tidos aqui na conta de instâncias “não políticas”. Só que não é verdade. Onde existe poder, existe política. É claro que existe política no MP e no Judiciário, só que de maneira mais obscura do que nas esferas do Estado vinculadas ao sufrágio.

Como nasce um linchamento político? Pega-se uma comunidade revoltada com séculos de corrupção, aponta-se-lhe um culpado, de preferência uma figura pública. Que graça tem pegar um promotor corrupto ou um juiz incompetente. Como não votamos, não nos sentimos culpados por seus crimes. Já um político corrupto gera um sentimento de culpa coletiva. Como fomos idiotas em votar nesse calhorda! Daí para a catarse do linchamento, é o passo seguinte.

Não vamos negar que existam políticos corruptos aos borbotões. E a missão republicana do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Federal, e das próprias institiuições políticas, é combatê-los. O que fazer, contudo, quando os próprios corruptos, numa jogada brilhante, assumem a responsabilidade pelo combate à corrupção e, ao invés de pegar os verdadeiros vilões, miram apenas em seus adversários políticos; e, no lugar de uma investigação séria, se aliam aos meios de comunicação para encetarem inquéritos fajutos, sensacionalistas e tendenciosos?

Pois é, meu inocente amigo, se queres fazer alguma coisa concreta para combater a corrupção no Brasil, terás que se desvencilhar de toda ingenuidade. Existe luta de poder, política e corrupção em todas as instituições da República, incluindo MP e Judiciário. Não digo isso para sufocar a esperança do cidadão comum numa solução ética para o problema político brasileiro. Claro que há! Mas certamente não é linchando inocentes, nem manipulando inquéritos. A busca pela ética na política passa também pela exigência de investigações rigorosas e imparciais, e julgamentos justos, além do fortalecimento da consciência crítica do cidadão, que precisa estar devidamente vacinado contra a demagogia de setores corruptos do MP e do judiciário.

Temos que pegar os corruptos, mas temos que pegar também os corruptos que simulam e manipulam investigações para desviarem a atenção da opinião pública.

E aí voltamos para o caso Visanet e para o indiciamento de Henrique Pizzolato. Todos os laudos, auditorias e documentos à disposição do procurador geral da República, Antônio Fernando de Souza, e do relator da ação junto ao STF, Joaquim Barbosa, provavam a inocência de Pizzolato e, no entanto, ele foi indiciado e depois condenado. Por quê?

Bem, o porque requer uma resposta mais complexa, pois trata de interesses políticos, e vamos discuti-la mais adiante. Por enquanto, podemos analisar outra questão: como? Como a procuradoria e o STF conseguiram a proeza de indiciar e condenar um inocente, à revelia de tantos documentos que provavam o contrário?

Para isso, há uma resposta dura e direta: omissão e má-fé. Quando apareceu o nome da Visanet na CPI e no noticiário, o Ministério Público mandou a Polícia Federal investigar quem eram os responsáveis, dentro do Banco do Brasil, pela relação com a Visanet, sobretudo quem fiscalizava, no BB, as campanhas patrocinadas pelo Fundo de Publicidade da Visanet, nos anos de 2001 a 2005.  A investigação foi rápida e fácil. A parceria entre Banco do Brasil e  Visanet data de 1999. A partir de 2001, a Visanet cria um fundo de publicidade, alimentado por seus bancos parceiros. Esse fundo continuava sendo propriedade da Visanet, conforme provam todas as auditorias já realizadas. Mas os parceiros tinham direito de orientar campanhas, escolher as agências que as fariam e propor o pagamento das mesmas. Executivos do Banco do Brasil integravam o Conselho de Administração da Visanet, e havia um funcionário do BB com a função de “gestor” do Fundo de Publicidade Visanet.

O nome de Pizzolato sequer aparece no laudo 2828, que reúne as informações coletadas pela Polícia Federal a pedido do Ministério Publico, sobre a relação da Visanet com o Banco do Brasil. Por uma razão simples: como diretor de marketing do BB, Pizzolato não tinha nenhum controle sobre o fundo da Visanet, cuja relação com o BB se dava através da diretoria de Varejo (que lida com cartões de crédito). Pizzolato nunca foi gestor do fundo Visanet. A investigação descobrira ainda que a Visanet mantinha relações com a DNA Propaganda ao menos desde 2001.




Todos os funcionários do BB que mantinham relações com a Visanet (funcionários do BB que integravam o conselho de administração da Visanet, gestores do fundo Visanet, diretores de Varejo, vice-presidente de Varejo, e o próprio presidente do banco) eram remanescentes da era tucana. Todos haviam chegado aos respectivos postos através de nomeações feitas antes da eleição de Lula, e todos se alinhavam ideologicamente ao PSDB.

Entretanto, o laudo2828, mesmo contendo informações vitais à defesa e à compreensão do processo, foi mantido em sigilo para os advogados de Pizzolato e para a opinião pública. O documento foi varrido para debaixo dos espessos tapetes da procuradoria e do STF. Quando a denúncia da Procuradoria foi encaminhada ao STF e começou a ser debatida pelos ministros, o laudo 2828 jamais foi mencionado.  O relator da Ação, Joaquim Barbosa, ao arrepio das informações contidas num documento que ele mesmo havia deferido, declara em seu voto:

“Assim, Henrique Pizzolato agiu com o dolo de beneficiar a agência representada por Marcos Valério, que não havia prestado qualquer serviço em prol dos cartões do Banco do Brasil de bandeira Visa, tampouco tinha respaldo contratual para fazê-lo. De fato o contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil não fazia qualquer alusão à Visanet. “

O voto de Barbosa merece um prêmio: conseguiu reunir num pequeno trecho uma quantidade tão grande de inverdades que pode arrumar um emprego fácil como editorialista do jornal O Globo:

1 – Pizzolato não poderia ter agido “com dolo de beneficiar Marcos Valério” porque nunca teve o poder de propor pagamentos para a DNA Propaganda. Essa função era do gestor apontado pela diretoria de Varejo; na época de que trata a acusação, esse gestor era Léo Batista dos Santos.

2 –  A DNA Propaganda prestou, sim, serviços  ”em prol dos cartões do Banco do Brasil de bandeira Visa”, e tinha total respaldo contratual para fazê-l0, desde 2001.

3 – Havia diversos pareceres à disposição de Barbosa comprovando a relação entre a DNA, BB e Visanet.
Todas essas informações constavam em documentos vários; no caso do Laudo 2828, serviria sobretudo para provar a inocência de Pizzolato, mas o laudo foi oculto. Os advogados de Pizzolato afirmam que, na denúncia da Procuradoria para o STF, o laudo sequer foi anexado. Meses depois, após a denúncia ser aceita pelo STF, o laudo é reintroduzido no banco de dados da acusação.

Pizzolato surge nessa história da seguinte forma. Como diretor de marketing, seu nome aparece em três “notas técnicas”, que eram de circulação interna, sem nenhum poder autorizativo, tratando de questões laterais referentes aos pagamentos a serem emitidos à DNA com recursos do fundo da Visanet. O BB sugeria o pagamento, mas quem o fazia era a Visanet, mediante a apresentação de notas fiscais e comprovantes de realização de serviços por parte da DNA. E a pessoa responsável pela solicitação do pagamento, através de um documento efetivamente autorizativo, era o gestor indicado para essa função, não o diretor de marketing.

Eram pareceres internos, e o nome de Pizzolato aparece, no mesmo grau de hierarquia, junto a outros três diretores. No total, são quatro notas técnicas, um das quais Pizzolato sequer aparece.  Porque apenas Pizzolato foi indiciado? A explicação talvez esteja em sua história: tinha sido o primeiro diretor sindical eleito pelos próprios funcionários do banco, ainda antes da redemocratização. Mesmo sendo funcionário de carreira, e tendo ingressado via concurso, o talentoso sindicalista e combativo militante político do Partido dos Trabalhadores seguramente não era benvindo numa instituição dominada por tucanos de alta plumagem.
Mais tarde, contaremos porque o PT entregou o Banco do Brasil ao PSDB.

Ao menos um alto executivo do BB, um dos mais poderosos, também ligado aos tucanos, trabalhou ativamente para incriminar Pizzolato. É Antônio Luiz Rios da Silva, que havia sido vice-presidente de Varejo do Banco do Brasil em 2003, e responsável pela nomeação de todos os funcionários que tinham relação com a Visanet. Este cidadão, simplesmente, saiu do BB para se tornar presidente da… Visanet, função que exerceu no auge das comissões de inquérito que investigavam o mensalão! Um acaso não tão casual, que foi extremamente oportuno para a oposição e trágico para Pizzolato, porque Rios, como presidente da Visanet e ex vice-presidente de Varejo no BB, se recusou a fornecer os documentos que provariam a inocência do petista, nem fez qualquer declaração neste sentido.  Descobriu-se também mais tarde mensagens do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, avisando Rios de que a Polícia Federal faria investigações nos escritórios da Visanet. Ou seja, todos os tucanos, em todas as altas funções da república, estavam se dando as mãos, solidariamente.  (Documentos neste link)

São artimanhas como essas que explicam o indiciamento de Pizzolato. Possivelmente, em meio às turbulentas conspirações que aconteciam nos bastidores das CPIs que investigavam o mensalão, houve um decisão política sobre a trama e os personagens. O nome de Pizzolato aparece quando se projetam os holofotes sobre a relação do Banco do Brasil com a DNA Propaganda. Era o petista no lugar certo e na hora certa.

Mas tudo começa com a figura de Marcos Valério. A oposição tinha que ligar Marcos Valério, suposto “operador financeiro” do mensalão, ao desvio de dinheiro público, e como a DNA Propaganda respondia por contas milionárias junto à Visanet, que por sua vez mantinha contratos com o BB,  iniciou-se o esforço para encontrar um petista no BB que pudesse “fechar” a trama já armada por oposição e mídia.

No próximo capítulo, falaremos deste personagem até hoje explosivo: Marcos Valério. De onde ele vem? Porque se torna de repente tão íntimo do PT? Pizzolato participou de reuniões com o alto comando da campanha petista de 2002, e me contou algumas histórias interessantes sobre a situação financeira do partido, e como Valério aparece como “salvador da pátria”.

O senhor polêmica

 
 Aos 80 anos, o homem que comandou a criação da Veja e hoje dirige a CartaCapital não baixa a guarda. Ataca as novas gerações de jornalistas e diz que a grande mídia perdeu o poder de influenciar a opinião pública nacional
 
 
 
 

O jornalista Mino Carta esconde, involuntariamente, as oito décadas de vida com um entusiasmo quase juvenil na defesa de suas ideias. O mesmo tom agitado que o move nos ataques ao que considera “imbecilização” brasileira contemporânea acompanha sua análise sobre a desperdiçada vocação natural do País para ser um “paraíso terrestre”. Efeito, avalia, da herança da longa escravidão que até hoje mantém vivo entre nós o clima de Casa Grande e Senzala.

O olhar dele sobre o momento nacional é duro, especialmente quando visto sob a ótica do jornalismo e da política. A justiça vai na mesma linha. A conversa é permeada por termos como “imbecil”, “idiota”, “calhorda” acompanhando suas apreciações sobre personagens, públicos ou de sua convivência pessoal, uma ênfase que muitas vezes parece desnecessária diante de um diálogo que o tempo todo flui sob a artilharia verbal de um genovês que vive no Brasil desde 1946.

Confira os trechos principais da conversa com Mino, que aconteceu na manhã do último dia 17 de abril, quando de sua passagem por Fortaleza para lançar o mais novo livro “O Brasil”.

OPOVO - Depois de tudo que o senhor viveu, das experiências boas e ruins que vivenciou, seria jornalista se lhe fosse dada uma segunda chance?

Mino Carta - (risos) Não sei, sinceramente, não sei. Vou lhe dizer, com toda sinceridade, que eu não queria ser jornalista, embora sendo neto e filho de jornalista.

OP - O senhor resistiu inicialmente à ideia, então?

Mino - É que não era meu objetivo. Eu teria gostado de ser escritor ou pintor.

OP - O senhor diz que não queria, mas acabou sendo jornalista, com sucesso, inclusive. O exemplo mostra que a profissão prescinde da vocação ou é o contrário?

Mino - Não, não prescinde, absolutamente. A vocação é absolutamente necessária e começa pelo fato de você ter de lidar com desembaraço com a escrita. Fazendo referência à minha geração de jornalista, quando tínhamos que ter, independente da formação acadêmica, um ótimo conhecimento da língua e precisávamos ter, portanto, leituras frequentes e profundas, texto impecável. Agora, só para completar aquela ideia inicial, não queria ser jornalista, mas acabei sendo jornalista, acabei até, num primeiro movimento, dirigindo uma revista especializada em carros mesmo sem entender nada de carro....

OP - O senhor não dirige, inclusive...

Mino - Não, não dirijo. No entanto, acabei comandando a revista e foi um sucesso. Era, então, um jornalista a serviço de uma ideia que não era necessariamente a minha. Quando fui trabalhar no Estadão, e fui muito bem tratado, até pelo fato de o meu pai já ter trabalhado lá e ser uma pessoa muito querida. Ele, que morreu apenas dois meses depois que comecei a trabalhar no jornal, era uma pessoa muito querida e eu terminei herdando um pouco essa condição que havia deixado lá após 17 anos. Bom, fui muito bem tratado e tal, mas, evidentemente, as ideias dos senhores Mesquita não batem com as minhas, algo que não me impedia de ser leal no desempenho da minha função. O que realmente mudou a minha visão do jornalismo foi a ditadura, com a chegada da censura. Isso corresponde à minha ida para a revista Veja, que foi submetida a uma censura feroz. Foi quando me dei conta da importância do jornalismo, me dei conta da serventia dele.

OP – Ainda é?

Mino – Sem dúvida, claro. O jornalismo é de uma enorme utilidade, no Brasil, então, nem se fala. No Brasil ainda estão de pé as casas grandes e as senzalas, então, contribuir de alguma forma para a demolição delas, algo que não enxergo como uma coisa próxima, me parece ser uma tarefa brilhante, que a mídia brasileira não cumpre.

OP - O senhor entende, então, que o papel da mídia seria fundamental dentro do contexto. Na sua avaliação, os interesses, a carga opinativa, tudo isso está contaminando o noticiário atualmente?

Mino – Ah, sem dúvida. Primeiro, inventa-se. O caso do tomate é um exemplo clássico, já que foi uma invenção, uma coisa sem base alguma. O que é grave, pois o jornalista não tem que inventar. Pior ainda é quando você mente, ou, omite. Olha, eu fundei tudo que de mais importante aconteceu nesse Brasil em termos de imprensa nos últimos 40 anos, escrevo um livro e, em qual país do mundo um livro deste seria ignorado pela mídia? Não existe, só aqui! É o único lugar do mundo onde os jornalistas chamam o patrão de colega. Patrão é patrão, jornalista é jornalista. Quando fui trabalhar na Itália, com meus 22 anos, existia uma lei, que até hoje perdura, pela qual o dono não pode ser diretor de Redação. Diretor de Redação pelo direito divino não existe! Só no Brasil!

OP - O que seria diferente, então, na Carta Capital, onde o senhor é dono e diretor de Redação?

Mino – (risos) É que a Carta Capital é uma tentativa literal de sobrevida, de sobrevivência. Digo-lhe mais: não tenho interferência alguma na administração da empresa, nenhuma. Faço o meu trabalho, dirijo a Redação. E, claro, ganho meu salário que, comparado ao dos rapazes que dirigem redações por ai, sequer falo do pessoal das televisões, chega a ser ridículo. Trata-se da única coisa que ganho, dividendos nunca vi.

OP – Voltando à questão do livro que está sendo lançado, o senhor diz que há uma deliberada opção da grande mídia por ignorá-lo.

Mino – É a realidade dos fatos. Mesmo assim, o livro já chegou à terceira edição, tiragem de dez mil exemplares, passados apenas 45 dias desde o lançamento em São Paulo.

OP – O público não percebe isso? Qual, na avaliação do senhor, é a percepção das pessoas, dos leitores sobre o papel da mídia hoje?

Mino – Quanto à chamada classe média, que não é média coisa nenhuma, claro que há influência sobre ela. Quanto ao povo, não! O povo, apesar de tudo isso (em relação ao governo), se a eleição fosse hoje a Dilma (Rousseff) ganharia. Apesar do tomate, apesar dos juros, apesar de tudo, assim como o Lula ganha, e ganhou. Essa mídia não chega ao povo brasileiro, à senzala. A senzala, eventualmente, vê o Faustão, uma coisa do tipo, mas ao “Jornal Nacional” não. Ela não lê o editorial do Estadão, não lê a revista Veja, diferente da classe A, B, que acredita naquilo, repete as mesmas frases. Além de tudo, a ofensa diária contra a língua portuguesa é inominável, as pessoas não sabem falar, orgulham-se de usar 100 palavras, os próprios jornais. É a regra dentro da Folha de S. Paulo, por exemplo: diga tudo com cem palavras. Esta é a situação!

OP - Parece que no Brasil não há espaço para uma mídia que manifeste de maneira mais clara e aberta suas posições. Até pelo fato de, na prática, inexistir direita e esquerda na própria política..

Mino - O problema é exatamente este. Temos uma mídia que funciona de um lado só e que se destina, em última análise, a um público muito restrito. Pensemos na imprensa dos países mais democráticos, onde há jornal de direita, de esquerda, de meia-direita, de meia-esquerda, de todas as tendências possíveis representadas na mídia. Isso cria um debate natural. Aqui é tudo de um lado só. Moro num prédio em que sou olhado como um perigosíssimo subversivo!

OP - Por que não existem órgãos com tais características, com posições claras e definidas. É o mercado publicitário que rejeita? É o leitor?

Mino - Se a The Economist escolheu a CartaCapital para ser sua parceira no Brasil, escolheu, não em nome de uma identidade, de uma afinidade ideológica, porque temos posições diferentes. A escolha foi em função da seriedade e da qualidade. Eles acham a imprensa brasileira uma tragédia e têm razão. Eles nos escolheram, mesmo que eu não tenha as mesmas posições da The Economist, nem a CartaCapital tenha essas posições. A Economist, por exemplo, pede a demissão de (Guido) Mantega porque mexe com os interesses deles, de quem cujas causas advoga. Se a The Economist fosse brasileira estaria perdida, coitada, porque na Inglaterra distribui 200 mil exemplares, menos do que distribui no Brasil a revista Isto É. Muito menos do que distribui a Época e infinitamente menos do que a Veja. Os publicitários brasileiros aplicam febrilmente, e safadamente, critérios que chamam de técnicos. Nós temos uma revista que tira 70 mil exemplares por edição e, acho, se conseguirmos aplicar um pouco em autopromoção, poderemos sim multiplicar essa tiragem. Mas, qual é o limite extremo? Dobrar a tiragem? Seria sucesso total porque praticamos um vernáculo decente, porque não é fácil ler a CartaCapital. É uma revista séria, embora às vezes se permita lances de ironia. Razão pela qual será lida sempre por um público reduzido, como na Inglaterra, que é um país onde os índices de leitura são superiores aos nossos e você vê que a The Economist distribui 200 mil exemplares.

OP - O mensalão do PT, para o senhor, está recebendo um tratamento diferenciado, da Justiça e da imprensa?

Mino – Sejamos honestos, a Justiça foi pressionada violentamente. Não houve isenção alguma e muitas condenações foram injustas.

OP - Quando o senhor fala que a Justiça agiu pressionada pelo noticiário expõe, de qualquer maneira, uma fragilidade que ela não deveria ter, não é?

Mino – Claro. Basta olhar para o ministro Luiz Fux para logo concluir que se trata de um imbecil. Há pessoas que trazem no rosto a consistência moral e intelectual, a mostram de uma maneira desabrida. Pensa no caso (Cesare) Battisti e como se portou esse Supremo Tribunal Federal... Coisa grotesca, mostrando uma ignorância das coisas do mundo total.

OP - Um erro, então, que começou dentro do próprio governo Lula.

Mino - Total, começa no Tarso Genro e chega ao Lula, que cometeu um erro gravíssimo. Não tem nada a ver comparar Battisti com aqueles nossos poucos, mas certamente corajosos, guerrilheiros. Battisti queria derrubar um Estado de Direito, enquanto os nossos queriam devolver o Brasil a um Estado de Direito. Exatamente o caminho oposto.

OP - O questionamento, me parece, foi à forma como se deu o julgamento dele na Itália.

Mino - Imagine, ele teve os melhores juristas italianos. É que os franceses tiveram um idiota que se chamava François Miterrand, inventor de uma lei pela qual quem fosse terrorista encontraria guarida na França. Uma besteira! Além de tudo, ele, Miterrand, era outro hipócrita, um socialista de fancaria, de mentira.

OP - Voltando à questão de sua trajetória como criador de alguns dos principais veículos impressos do País, um marco, sem dúvida, foi a criação da revista Veja..

Mino – Sim, mas a minha Veja..

OP - Hoje, o senhor lê a Veja?

Mino - Não. Às vezes me divirto olhando a capa e sempre tem quem me informa sobre um editorial, algo assim.

OP - Mudou, em relação à época do senhor, inclusive quanto ao estilo?

Mino - É um delírio, um delírio absoluto. Havia um contrato com os Civita, na minha época, no qual constava que eles definiam o tipo de revista que queriam, mas depois seriam leitores da revista. A discussão seria sempre a posteriori, nunca a priori, ou seja, não poderiam influenciar a pauta e coisa e tal. O Victor Civita cumpriu essa cláusula durante todo o tempo, ele tinha sua falta de escrúpulo, eventualmente, mas, ao mesmo tempo, era um fazedor, era um homem de realizações, um empresário dedicado. Quanto aos filhos, um era bastante claro em relação às suas pretensões, mas não se metia, enquanto o outro, o Roberto, era metidíssimo e calhorda.

OP – Com relação à Isto É, outra revista que o senhor criou, qual o sentimento que há ainda hoje?

Mino - A Isto É tenta sobreviver, mas a editora Três está carregada de dívidas, uma coisa monstruosa.

OP – Com efeitos sobre a qualidade editorial?

Mino - Sem dúvida, sem dúvida, afeta muito. A Isto É tem uma posição ambígua, digamos, não é o delírio da Veja, não é a mesma coisa. Mais próxima da Veja tem a Época, como postura ideológica.

OP - O senhor avalia que o Brasil vive um processo de imbecilização. No que é que consiste isso e, por outro lado, o fenômeno é nosso, nacional, ou tem âmbito mundial?

Mino - É um fenômeno mundial, acho, embora aqui seja mais acentuado porque a senzala continua de pé e os moradores da senzala apresentam uma certa diferença, em termos culturais. Nosso povo é especialmente ignorante. Não existem povos melhores ou piores e, lhe digo mais, a tragédia é que o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. Acho, sinceramente, porque não existe no mundo um País tão favorecido pela natureza. A nossa elite é culpada, sim, muito culpada, pelo atraso que começa nesse ponto, exatamente, na permanência da Casa Grande e da Senzala, que é a herança de três séculos e meio de escravidão. Uma herança terrível, visível, tangível, você toca nisso diariamente. É doloroso porque o Brasil poderia ser o paraíso terrestre. As nossas circunstâncias históricas sempre foram ruins por causa de uma elite calhorda, prepotente, feroz, vulgar, ignorante, primária. É isso.