terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

AS MUDANÇAS NA PETROBRAS E A SOBERANIA NACIONAL.




Certos jornais e alguns de seus analistas políticos estão, de maneira dissimulada e com as artimanhas conhecidas, insinuando e apoiando a saída do geólogo Guilherme Estrella da mais importante das diretorias da Petrobras, a que cuida, exatamente, da pesquisa e produção. Do ponto de vista técnico, parece improvável que o Brasil disponha de outro quadro como Estrella. Ele entrou para a empresa mediante concurso público, há 48 anos, logo depois de formado – e se destacou, em seguida, como um dos mais competentes profissionais da instituição.

Sua trajetória, a partir de então, se insere na construção da história da empresa. Participou das primeiras pesquisas e exploração do óleo no mar brasileiro. A partir de suas investigações teóricas sobre a geologia marítima, conduziu os estudos pioneiros que levaram à descoberta das jazidas do pré-sal. 

Como geólogo de campo, e trabalhando para a Petrobrás no Iraque, descobriu, em 1976, o gigantesco campo de Majnoon, com reservas superiores a 10 bilhões de barris. Como se sabe, o Brasil renunciou à exploração desse campo, por iniciativa do então Ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki.

Estrella foi o coordenador da instigante investigação científica, que atribui a origem do petróleo brasileiro a depósitos lacustres, anteriores à separação dos continentes africano e sulamericano. Assim se formou o pré-sal, com o Atlântico ocupando o espaço lentamente aberto, durante séculos geológicos. O diretor de Pesquisa e Produção da Petrobrás é, assim, um dos mais importantes geólogos do mundo. Sem dúvida, é o mais competente profissional da área em nosso país, ao associar o saber teórico à prática, como pesquisador de campo – que foi durante décadas - e ao êxito no cumprimento da responsabilidade pela descoberta e produção de nossas jazidas.

Mas o geólogo Guilherme Estrella tem dois defeitos gravíssimos, e, por isso, todos os interesses antinacionais – internos e externos - se unem para derrubá-lo, neste momento de mudanças na empresa. O primeiro deles é o seu confessado nacionalismo. O diretor de pesquisas e exploração foi nomeado pelo governo Lula, em sua política de recuperar a empresa, minada pela administração entreguista e irresponsável do governo Fernando Henrique Cardoso.

Seu antecessor no cargo, José Coutinho Barbosa, protelava as perfurações exploratórias, a fim de que, ao vencer o prazo para as prospecções, em agosto de 2003, as áreas novas fossem devolvidas à ANP. Com isso, seriam outra vez levadas a leilão, a fim de serem arrematadas pelas empresas estrangeiras. Em poucos meses – de janeiro a agosto – Guilherme acionou a equipe de geólogos, conduziu-a com seu entusiasmo e capacidade de trabalho, e conseguiu descobrir mais seis bilhões de barris, dos 14 bilhões das reservas brasileiras antes do pré-sal. Assim, impediu a grande trapaça que estava em andamento.

A outra razão é a transparente visão humanística de Guilherme Estrela. O geólogo não separa a ciência de sua responsabilidade pela busca da justiça e da igualdade social para todos os homens. Em dezembro último, ao falar em Doha, no Qatar, durante o 20º Congresso Mundial do Petróleo, ele, depois de seu excurso técnico sobre o óleo no mundo, suas reservas e perspectivas, aproveitou sua palestra para denunciar o sofrimento de grande parte da humanidade, sobretudo da parcela africana, em conseqüência da desigualdade e da injustiça. “Todos nós devemos ter vergonha disso” – resumiu.

Os maiores interessados na substituição de Guilherme Estrella são, em primeiro lugar, as empresas multinacionais, que têm, no profissional, o principal guardião dos interesses brasileiros. Não só as petrolíferas, mas, também, as fornecedoras de equipamentos. Desde 2003, o diretor de Pesquisa e Exploração da Petrobrás vem revertendo, na medida do possível, a danosa situação imposta pelo governo neoliberal, que, ao nivelar, nos mesmos direitos legais, as empresas estrangeiras com as brasileiras, promoveu a falência de indústrias nacionais, entre elas algumas fornecedoras de equipamentos para a Petrobras.

Guilherme Estrella tem procurado encaminhar as encomendas para as empresas genuinamente brasileiras, sem prejudicar o desempenho da Petrobrás como um todo. Graças a essa política, ditada pelo interesse nacional, e recomendada pelo governo, reativou-se a indústria naval, e as plataformas, antes encomendadas no Exterior, estão sendo produzidas no Brasil, com a redução da participação estrangeira ao absolutamente necessário.

Outros interessados pela substituição do diretor são os notórios fisiólogos do PMDB. Como é de incumbência dessa diretoria as compras de equipamentos caros e pesados, ela vem sendo disputada pelo partido. Está claro que o ministro Edison Lobão deseja a substituição de Guilherme Estrella. Mas é improvável que o padrinho político do Ministro, o senador José Sarney – reconhecidamente um nacionalista – aceite, e nesse momento internacional difícil, a co-responsabilidade pela saída do atual diretor de Pesquisa e Produção da Petrobrás. Recorde-se que em seu governo o presidente Sarney resistiu e não privatizou nenhuma empresa. E quando Fernando Henrique decidiu privatizar a Vale do Rio Doce, Sarney escreveu-lhe uma carta vigorosa condenando a iniciativa. 

O conhecimento é o principal instrumento da soberania. Homens como Guilherme Estrella não se escolhem com critérios políticos menores, mas, sim, em decisões maiores de política de Estado. E cabe um esclarecimento: quando Lobão diz que o diretor está pretendendo deixar o cargo, emite um palpite, ou expressa desejo pessoal - que não lhe cabe manifestar. Ao ministro cabe executar uma política de governo.

É certo que os inimigos do geólogo o têm submetido a solerte guerra de desgaste, com o propósito, deliberado, de provocar uma reação emocional de sua parte. Mas Estrella é bastante arguto para perceber quem está por detrás da campanha para afastá-lo. Aos 69 anos, está ainda jovem para abandonar a missão de que se encarregou, no dia em que começou a trabalhar na empresa – a primeira e única ocupação de sua vida. Ele sabe, que, no fundo, isso constituiria quase um ato de traição ao Brasil e ao seu povo. 

Não lhe cabe, por isso mesmo, demitir-se do cargo que ocupa. 

O ovo da serpente


Colunistas

Roberto Amaral

Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
Todo estudante de primeiro semestre de qualquer curso  de Comunicação Social conhece muito bem as muitas teorias sobre o papel dos meios de comunicação de massa como correia de transmissão dos interesses da classe dominante – e não do Estado, acrescento eu, porque é possível identificar fraturas entre os interesses de um e de outro, na medida em que o aparelho estatal abre fendas para a penetração de apelos das chamadas classes subalternas, no exercício de seu papel de acomodação dos interesses gerais em benefício da preservação dos interesses soberanos, os do capitalismo, cada vez mais internacional (diz-se hoje globalizado) e cada vez menos nacional. Por isso mesmo a “globalização” é também um projeto político que intenta minar as soberanias.  Daí, é exemplar o comportamento da imprensa brasileira, a distonia entre os interesses nacionais e aqueles expressos pelos grandes meios, cujos interesses se vinculam materialmente aos interesses da metrópole hegemônica.

Com muitos anos de atraso penso finalmente estar respondendo a pergunta que me fez brilhante ministro do governo Lula:
– Amaral, por que a imprensa brasileira é mais reacionária do que a média dos empresários?
A pergunta se justificava porque (estávamos em  2003)  já era unânime a oposição midiática num quadro no qual  o empresariado brasileiro era o grande beneficiário das nova política externa e nova política econômica de Lula, irmãs siamesas. Ora, a emergência brasileira (e daqueles países que mais tarde formariam os BRICs) não interessava às grandes potências, nem do ponto-de-vista da disputa de mercado, nem  do ponto-de-vista estratégico.
A história de hoje explica a antecipação da imprensa brasileira, atenta, de coração e alma, ao pulsar dos interesses metropolitanos.
O sucesso de Lula, no embate, é conhecido. Sua construção se deu quando o presidente, quebrando a barricada mídiatica, estabeleceu o diálogo direto com as grandes massas, que conquistou, em defesa de seu mandato e de seu governo, portanto, da democracia. À grande imprensa que, apesar do rádio e da televisão, não conseguira chegar, politicamente, aos humilhados e ofendidos de sempre, restou o espaço vazio de seu campo tradicional de atuação ideológica, a classe-média, insegura e reacionária por definição. Descobriu-se, então – ensinou-nos a popularidade do presidente –, que a imprensa já não era aquela formadora de opinião de que falavam os tratados de sociologia. E revelou-se também  bastante relativo  o decantado poder da classe média de influir na formação da consciência nacional. O “mundo” brasileiro comportava algo para além de Ipanema e da avenida Paulista. Falavam os rincões libertados do coronelismo, sensíveis aos apelos dos reajustes do salário mínimo e dos ganhos do Bolsa-família. É verdade que continuavam e continuam assistindo às novelas daGlobo, mas sem ouvidos para a pregação do Jornal da Noite. O que se segue é história recente e conhecida.
Ocorre, porém – há sempre outro lado –, que os ganhos dessa história limitaram a capacidade de avaliação da esquerda brasileira, que, vitoriosa, passou a menosprezar o papel da chamada mídia, deixando de fazer contraposição ao seu  discurso ideológico. O que estou pretendendo dizer é que os jornalões, as rádios e as televisões estão ganhando o discurso ideológico que se dissemina junto à crescente classe média,  irradiando valores conservadores. Ante a falência material e ideológica dos partidos de oposição, a velha imprensa primeiro dita-lhes a pauta, para, no segundo momento, assumir a pregação fundamentalista que nem o DEM nem o PPS têm mais forças para sustentar. Esse discurso reatualiza o moralismo udenista, arcaico de natureza, e assim, uma vez mais,  nossos problemas estruturais, como ao tempo do lacerdismo e do janismo de campanha eleitoral,  são reduzidos ao combate à corrupção. Fracassada a varredura janista e a guerra aos marajásdo primeiro Fernando, cria-se a fantasia da  ‘faxina’ com o que a direita esperava exorcizar o lulismo.
Não se fale mais em desenvolvimento do país, em defesa da empresa nacional, muito  menos em distribuição de renda. Basta fechar a Esplanada e com ela o Congresso Nacional, a ‘fonte de todos os males’. Mas não nos dizem o que colocar em seu lugar. Os militares? Os empresários? Os ‘técnicos’? Ah!, sim, os técnicos,  eis outro dogma do catecismo reacionário: se o mal é dos políticos, basta substituí-los por ‘técnicos’ – como o Sr. Maílson da Nóbrega, hoje “consultor de empresas”, que nos legou uma inflação de cerca de 2.000% ao ano, quando o ministro da Fazenda que a debelou foi o político Fernando Henrique Cardoso, em ação política capitaneada pelo sempre injustiçado presidente Itamar Franco, outro político de carreira.
No fundo, no perverso fundo, está o projeto essencial da direita em todo o mundo: excluir da política a própria política. Esse, o “valor” que a direita impressa está passando sem que a esquerda, embalada pelo sucesso político-eleitoral, lhe dê combate, na ilusão de que o não explícito inexiste, sem olhos para ver o ovo da serpente ou o carruncho que devora em silêncio  as entranhas do madeirame.
A visão contemporânea da esquerda eleitoralmente vitoriosa, convencida pelo pragmatismo de que o objetivo eleitoral deve comandar as questões políticas, a saber, a vitória da tática sobre a estratégica, a vitória do imediato tangível  sobre o projeto final, a renúncia ao debate ideológico e principalmente às suas consequências, têm facilitado, até pelo seu silêncio, a propagação dos valores anti-políticos e antidemocráticos da direita, que avança, sorrateira, como erva daninha, a sugar nossa própria seiva. Quando disputamos o poder pelo poder outra coisa não estamos fazendo senão reproduzindo a tática do adversário histórico. Ora, isso é um doce suicídio: a  direita pode disputar o poder pelo poder, pode alimentar projetos pessoais que se sobreponham aos partidos, pode negar a política, pode apegar-se ao imobilismo, e ainda assim estará ideológica e politicamente coerente com seus interesses, simplesmente porque o poder já lhe pertence.

A crise do Judiciário e os mutirões do ministro presidente


Roberto Amaral

STF x CNJ

07.02.2012 09:46



Acossado pela sociedade, o STF (Superior Tribunal Federal) começa a restituir os poderes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que duas liminares intentavam cassar – sendo que uma delas foi concedida por juiz que não a deveria haver julgado, porque nela estava interessado.
Por enquanto, trata-se, apenas, mas esse apenas já é muito, da confirmação da competência de julgar juízes, pois os ministros, vitalícios como os monarcas, são inalcançáveis pelo poder correcional do CNJ. Mas, eis a conquista de até agora, a apuração de ilícitos sai do campo restrito e exclusivo do concílio dos pares e das sessões secretas para o pretendido distanciamento do CNJ (presidido, aliás, pelo presidente do STF), em julgamentos de portas abertas.

Na abertura do ano judiciário de 2012, o ministro Pelluso, em longo e muito arquitetado discurso, no qual, na realidade,  antecipava seu voto na defesa do indefensável mandado de segurança interposto pela Associação Brasileira de Magistrados (que já pretendeu processar a corregedora Eliana Calmon) cujo objetivo era transformar o CNJ em grêmio lítero-recreativo, resolveu alinhar os grandes feitos do Judiciário, e começa referindo-se à Emenda Constitucional de 2008, a qual, até aqui, se atribuía a trabalho de anos do Congresso Nacional. E,  de costas para a realidade, apresenta como grande, feito, para o qual pede os aplausos da tele-platéia, o fato de “chamado Mutirão Carcerário, realizado por juízes do CNJ e convocadosad hoc, ter, só nos últimos 20 (vinte) meses, libertado 21.000 (vinte e um mil) cidadãos presos ilegalmente, sem prejuízo da concessão de incontáveis benefícios legais a que outros encarcerados faziam jus” e a esses miseráveis eram negados, completamos.
Ora o que chamamos de crise do Judiciário é exatamente sua lerdeza nos julgamentos, sua leniência com os poderosos e o rigor com o qual deposita nos xadrezes das delegacias e nas penitenciárias, e lá os mantém, os pobres e os negros. Em todo o país a justiça é morosa, os prazos são impunemente desrespeitados pelos julgadores, os cartórios são instituições que, para dizer o mínimo, visam ao lucro, e as varas das execuções penais, também para dizer o mínimo, são ronceiras e ineptas, como o sistema carcerário, consabidamente corrupto e escandalosamente falido. Nesse meio campo alimenta-se caríssimo tráfico de influências. E outros tráficos.
O ministro se orgulha da libertação de cidadãos presos ilegalmente (ora viva, nós também), sem se dar conta da perversidade que é prender ou manter presos cidadãos inocentes, pobres evidentemente, que já cumpriram suas penas e no entanto permanecem nas enxovias esperando que um sistema judiciário que não funciona lhes devolva a liberdade roubada.
Sobre tal ‘pormenor’, silêncio tumular.
O ministro-presidente é reincidente nesta visão míope. Lemos em ‘Notícias do STF de 19 de dezembro de 2011: “O primeiro Mutirão Carcerário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou no Estado de São Paulo reconheceu o direito à liberdade de 2,3 mil pessoas que se encontravam presas. Desse total, 400 detentos foram libertados porque suas penas já estavam cumpridas ou encerradas (destaquei) e outros 1.890 apenados receberam liberdade condicional. O mutirão também concedeu indulto a 10 pessoas. As informações foram prestadas pelo ministro Cezar Pelluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira”.
De novo: o ilustre ministro Pelluso não se dá conte de que, ao invés de comemorar a injustiça da liberdade tardia, deveria pedir desculpas à Nação pelo crime (acima de tudo moral) que é condenar inocentes, que permanecem nas enxovias por não lhes ser assegurada a garantia constitucional da proteção jurisdicional.
Mas, continua a ‘Nota do STF’: “Com os números apresentados hoje, o ministro disse que já chega a mais de 36 mil o número de presos ilegalmente (destaquei) em todo o país que foram beneficiados com a liberdade, sendo 24 mil apenas na gestão do ministro Pelluso”.
Nem o discurso do ministro nem a nota do STF, evidentemente, esclarecem a origem social,  renda e cor desses presos ilegalmente encarcerados. Essas informações seriam do maior interesse – fica aí a sugestão para a pesquisa dos cursos de pós-graduação – e revelariam o real caráter de uma Justiça inerte e classista, reacionária e racista, principalmente quando está em jogo a liberdade do desprotegido. De outra parte também não será difícil o levantamento do tempo médio em que a inércia judicial,  associada ao poder econômico que propicia as manobras processuais (que os ministros se deleitam em discutir)  consegue manter em liberdade criminosos confessos como o jornalista Pimenta Neves, o poderosíssimo editor doEstadão. E o ministro presidente em sua oração inaugural reclama do ‘autoritarismo’ da pressão social…
Como realizações do STF, seu presidente arrola decisões que extrapolam a competência do Órgão e invadem o capítulo privativo do Congresso Nacional, comprometendo a fragilíssima  ‘harmonia dos Poderes’ ditada pela ordem constitucional. Ora esse ‘neo-positivismo’,  invenção ideológica que procura justificar o papel legiferante de que se arroga o Judiciário, põe em xeque o rigor da norma, transforma em favas a ordem jurídica, contribui para a instabilidade institucional e, isso sim, põe em risco a respeitabilidade de que carece o Judiciário, que, como a honra da mulher de César, precisa ser revelada todo dia.
Independentemente do conteúdo da decisão (refiro-me às ‘grandes decisões’)  o STF (como em inumeráveis oportunidades o TSE) deixou de discutir a constitucionalidade das matérias levadas ao seu descortino, aliás os Tribunais detestam discutir direito, o substantivo da ação, para só conhecerem filigranas processuais (eles se deleitam nesses desvãos, como poderá comprovar o leitor assistindo a qualquer julgamento do Pleno), para, indo além de sua competência, de fato ‘legislar’. Sem mandato, sem os poderes que só a soberania popular pode outorgar, sonham ser constituintes e legisladores. Assim também contribuindo com  sua cota de desmoralização do esvaziado (pelo Judiciário e pelo moloquiano Executivo) Poder Legislativo, de fato o mais vulnerável, mas também o mais transparente e o mais popular. E o mais democrático. Por isso mesmo o mais vulnerável e o mais criticado, e o mais invejado do Poderes.

ACM já morreu


Cynara Menezes

PM em greve


Exército cerca prédio da Assembléia Legislativa da Bahia, onde estão acampados os policiais em greve. Foto: Alberto Coutinho/Governo da Bahia
Que a polícia baiana é truculenta, todo mundo sabe. O problema é fazer pouco ou nada para mudar isso. Até quando os petistas, no poder no Estado há cinco anos, irão dizer que qualquer questão envolvendo a Polícia Militar é resultado dos desmandos de Antonio Carlos Magalhães? Chega de governar olhando o retrovisor, ou melhor, culpando o retrovisor…
Em 2008, fui a Salvador fazer uma reportagem sobre o assassinato pela polícia de quatro rapazes, no espaço de apenas 12 dias, durante diligências em comunidades carentes –os famigerados “autos de resistência”, que todos os anos roubam as vidas de tantos jovens no país, principalmente negros. Houve protestos nos bairros atingidos, manifestantes fizeram piquetes e atearam fogo a um ônibus. Até hoje não sei se houve sanções aos policiais envolvidos, o que sinalizaria para o fim da sensação de impunidade que leva, aliás, à “truculência”.
Na época, ouvi de uma socióloga que, de fato, foi ACM quem importou para a Bahia o modelo nova-iorquino de “tolerância zero”, que na terra de Todos os Santos se traduziu na institucionalização do “descer o sarrafo”. Mas, conversando com o governador Jaques Wagner sobre isso, ele falou de sua intenção de formar melhor a polícia e de introduzir novos quadros para tentar reverter esse perfil típico de regimes ditatoriais, tão ao gosto do finado ACM.
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“Considero inadmissível que policiais ajam à revelia da lei. Nosso objetivo é aprofundar o conceito de cumprir a lei dentro da lei, de segurança com cidadania”, disse então Wagner. Isso, repito, em 2008. Quatro anos depois, o que vemos é uma polícia aparentemente fora de controle, suspeita, segundo o próprio governador, de ter até matado gente durante a greve que começou no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro.
É correto que policiais, para fazer reivindicações, amedrontem a população? Não. Mas tampouco é correto que policiais, numa sociedade democrática, nem sequer tenham suas reivindicações ouvidas pelas autoridades. “Nem plano de cargos e salários eles têm”, diz o professor de Desenvolvimento Urbano Carlos Alberto da Costa Gomes, coordenador do Observatório de Violência da Bahia. Costa Gomes também é contra policiais intimidarem pessoas. Mas adverte que tudo chegou a esse ponto porque há 30 anos os policiais baianos pedem praticamente as mesmas coisas. Ou seja, não foram atendidos por ACM –nem por Jaques Wagner.
A pauta dos grevistas foi reduzida a dois pontos: anistia para os que participaram do movimento e o pagamento da GAP (Gratificação por Atividade de Polícia), que representaria um aumento real de salários para os policiais. Pois essa GAP está esperando há quase 15 anos para ser regulamentada! Antes da última greve, em 2009, Wagner tinha acirrado os ânimos dos PMs ao conceder 54% de aumento aos policiais civis. Reclamando falta de isonomia, os policiais fizeram circular um manifesto intitulado “Governador Jaques Wagner incentiva PM a fazer greve”. O movimento só cessou quando o governador fez promessas que até hoje não cumpriu, como a regulamentação do quê? Da mesma GAP…
Existem muitos erros na condução desse processo e já não é possível debitá-los na conta do falecido ACM. A Bahia é complexa, rica e dessemelhante. Mas a polícia é consequência, não a causadora dos problemas baianos. O que essa greve prova é que as autoridades locais precisam começar de uma vez a planejar melhor o futuro do Estado. E não estou falando de Copa do Mundo.



Sobre o que chamaram de privatizações dos aeroportos


A volta das privatizações?



Clara Roman

Aeroportos leiloados




A impressão dos jornais, colunas e especialistas depois dos leilões que concederam três dos maiores aeroportos brasileiros à iniciativa privada é de que, depois de anos de oposição ferrenha ao processo de desestatização nos governo Collor e Fernando Henrique Cardoso, o PT cedeu e iniciou uma nova era das privatizações. No Twitter, Elena Landau, presidente do BNDES no governo FHC comemorou a “vitória”: “Hoje é dia muito importante: o debate sobre privatizações se encerrou… e nós ganhamos”. Pouco depois, satirizou a presidenta: “Hoje me aposento e passo o bastão: Dilma é a nova musa das privatizações”.

Especialista rebate 'consenso' de que com concessão de aeroportos, PT inicia uma nova era das privatizações. Foto: Elza Fiúza/ABr
“O PT privatizou”, “A privatização está de volta” “O PT mudou”. Esse era o tom geral das manchetes e artigos nos jornais da terça-feira. Os sindicalistas do PSDB fizeram questão de aplaudir Dilma.
“A privatização promovida pelo governo Dilma demonstra, na opinião do Núcleo Sindical do PSDB-SP, que houve amadurecimento na mentalidade estatizante que o partido da presidente pregava nos anos 90″, declararam em nota.
No leilão na bolsa de valores de São Paulo, na segunda-feira 6, o aeroporto de Guarulhos foi adquirido pelo consórcio da Invepar (formada pelas empresas de fundo de pensão Previ, Funcef e Petros), a construtora OAS e a operadora estatal sul-africana ACSA, com lance de 16,21 bilhões e ágio de 373,5%.
O aeroporto Juscelino Kubitschek em Brasília, principal centro de distribuição de voos no Brasil, foi concedido ao consórcio Inframerica, das empresas Infravix e a argentina Corporación America, com lance de 4,5 bilhões e ágio surpreendente de 673%. Viracopos, de Campinas, ficou com a Triunfo e a francesa Égis, que administra 11 aeroportos em países africanos.
A comparação foi feita com as privatizações da década de 1990 parte do Plano Nacional de Desestatização. Na época, empresas como Usiminas, Vale do Rio Doce, Eletropaulo, Banespa, Embratel e Telebras foram vendidas ao capital privado. No entanto, como explica Gilson de Lima Garafalo, professor dos cursos de economia da Universidade de São Paulo (USP) e da PUC-SP, os dois processos são muito diferentes.


Agora, a transferência foi feita por meio de concessões – a empresa não é vendida, mas “emprestada” por um período de tempo. O governo repassa aos compradores a administração dos aeroportos para esses consórcios, mas continua “dono” do negócio e, portanto, com maior possibilidade de fiscalização. O mesmo foi feito com rodovias, como a Fernão Dias, e rodoviárias, como Tietê e Jabaquara,em São Paulo. Além de reaver a empresa depois de um período, o modelo de Dilma Rousseff blindou possíveis demissões em massa ao manter a Infraero com 49% desses aeroportos e estipular investimentos obrigatórios.
“Na privatização, o novo dono racionaliza todo processo produtivo, o que vai passar pela demissão de pessoas. O PT, dentro de seu corporativismo, não queria quadro de demissões”, diz ele.
Da maneira que foi feita, com uma série de empreendimentos previstos, o mais provável é que o corpo de funcionários tenha de ser ampliado. Até a Copa do Mundo de 2014, são estimados 2,9 billhões de reais em investimentos nos três aeroportos. Além disso, a Infraero fica como um braço da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), órgão do governo responsável por fiscalizar esse segmento.
“O governo [FHC] precisava de dinheiro para resolver o déficit de caixa e não tinha condições de acompanhar avanços tecnológicos que aconteciam”, explica Garafalo, sobre a necessidade das privatizações no mandato de Fernando Henrique.
“Mas foi vendida a totalidade das empresas estatais e não resolveu problemas de caixa, por conta da má-administração dos recursos”, diz. Segundo ele, o dinheiro da privatização foi usado em despesas correntes, sem reduzir o déficit público e nem aumentar investimentos públicos.
A ideia dessas concessões é de que, até a Copa de 2014, os aeroportos ganhem investimentos em infraestrutura e operem com capacidade para receber o contingente de turistas que virão ao país nos megaeventos dessa década. A concessão seria interessante para desburocratizar e, portanto, acelerar o processo, uma vez que dispensaria o processo de licitações e concorrência para a contratação, além de outros entraves da administração pública. “O Brasil não podia mais perder tempo: a Copa do Mundo está aí”, afirma o especialista.
Para ele, a concessão da segunda-feira 6 foi feita de forma inteligente, resultado de um aperfeiçoamento desse sistema nos últimos anos.
Ficou dentro da casa
Assim como na época de FHC, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) será o principal financiador dessas empresas. A instituição deve financiar cerca de 60% das obras civis e 80% da aquisição de equipamentos. Na época de FHC, o banco chegou a fazer aportes de 100% da compra, como no caso da Eletropaulo.
Além dos 49% da Infraero, a concessão do aeroporto de Guarulhos ficou “dentro de casa”, segundo Garofalo, ao ser comprada por consórcio com a empresa Invepar, que inclui os fundos de pensão estatais Previ, Funcep e  Petros. “Foi placa branca, no caso de Guarulhos”, diz