quarta-feira, 20 de março de 2013

Governo Dilma e a nova privatização das teles, a sobra de FHC




Ilustração do Valter Pomar, no Facebook

da Campanha Banda Larga, Um Direito Seu 

A história nos prega peças. O Ministro das Comunicações do Governo Dilma, ligado ao Partido dos Trabalhadores, cogita a possibilidade de doar bilhões em bens considerados públicos às teles em troca de investimentos em redes de fibra óptica das próprias empresas. A infraestrutura essencial para os serviços de telecomunicações, minimamente preservada na privatização de FHC, será entregue às mesmas operadoras para que estas façam aquilo que deveria ser obrigação da prestação do serviço.

Quando o Sistema Telebras foi vendido em 1998, a telefonia fixa passou a ser prestada por concessionárias. Essas empresas receberam da estatal toda a infraestrutura necessária à operação do serviço, a qual foi comprada por alguns bilhões de reais. Definiu-se um prazo para as concessões e os bens a ela relacionados foram regulados como reversíveis, isto é, devem voltar à União ao final dos contratos de concessão para nova licitação. São bens submetidos ao interesse público, que retornam à posse do Poder Público para que, terminada a concessão, a União defina com quem e como deve se dar continuidade à prestação, já que é ela a responsável pelo serviço de acordo com a Constituição Federal.

Esse modelo de concessão foi adotado em razão de uma escolha crucial do Governo FHC, a aplicação de regime jurídico ao serviço de telefonia fixa condizente com sua essencialidade – o regime público. Ele permite ao Estado exigir metas de universalização e modicidade tarifária das empresas concessionárias, além de regular as redes do serviço como reversíveis.

Antes da privatização, de 1995 a 1998, foram investidos bilhões de recursos públicos para preparar as empresas para os leilões. A planta da telefonia fixa quase dobrou. Posteriormente à venda, as redes reversíveis se desenvolveram para cumprir metas de universalização previstas nos contratos de concessão a serem concluídas até 2005. A ampliação da cobertura foi viabilizada pela tarifa da assinatura básica, reajustada durante muitos anos acima da inflação e até hoje com valor injustificadamente elevado.

Além desse incremento dos bens da concessão, a infraestrutura da telefonia fixa se tornou suporte fundamental para a oferta de acesso à banda larga no país. Mesmo as redes que eventualmente não tenham relação direta com o telefone, apresentam ligação financeira com ele. Afinal, também durante anos, e ainda hoje, houve subsídio cruzado ilegal da concessão às redes privadas de acesso à Internet. A telefonia que deveria ter tarifas menores passou a se constituir na garantidora da expansão da banda larga conforme critérios de mercado e de interesse econômico das operadoras.

Assim, a medida cogitada pelo Ministro Paulo Bernardo aponta ao menos dois graves problemas. Primeiro, ela significa a transferência definitiva ao patrimônio das teles de bilhões em bens que constitucional e legalmente deveriam retornar à União, pedindo em troca que essas empresas invistam em si mesmas, ou seja, em redes que serão para sempre delas.

Segundo, a doação bilionária envolveria grande parte da espinha dorsal das redes de banda larga no país, enfraquecendo ainda mais o Estado na condução de políticas digitais. Como se não bastasse, essa medida significaria o suspiro final do regime público nas telecomunicações, com a prestação da telefonia fixa passando exclusivamente ao regime privado.

Diante do desafio de especificar quanto das redes atuais de telecomunicações são ligadas à telefonia fixa ou resultado de suas tarifas, o arranjo em avaliação sem dúvida simplifica o processo em favor das operadoras. Não só isso, minimiza as vergonhosas consequências de até agora já ter sido vendido um número considerável de bens reversíveis sem autorização ou conhecimento da Anatel, que deveria tê-los controlado desde as licitações, mas não o fez efetivamente.

Se aprovada tal proposta, o nosso saldo será a privatização do que resta de público nas telecomunicações e o profundo desprezo pelo caráter estratégico da infraestrutura de um serviço essencial como a banda larga. Estaremos diante do desrespeito violento à determinação constitucional de que a União é a responsável pelos serviços de telecomunicações, na medida em que perderá o direito de interferir na gestão de redes que passarão a ser exclusivamente privadas.

A justificativa ensaiada para essa operação é a de que, por um lado, os bens da concessão estão se desvalorizando e, por outro, de que é preciso disseminar fibra óptica pelo país e não há como obrigar as empresas a investirem onde não existe interesse econômico. Porém, o que o Governo quer é encontrar novo subterfúgio para não enfrentar sua falha central nesse campo: o não reconhecimento da banda larga como serviço essencial.

A necessária tarefa de levar banda larga e redes de fibra óptica a todo o Brasil poderia ser realizada sem a transferência de bens de interesse público à iniciativa privada se o Governo garantisse a prestação da banda larga também em regime público. Como visto, esse regime confere ao Estado maiores prerrogativas para exigir o cumprimento de obrigações por parte das empresas. Paralelamente, o modelo regulatório atualmente desenhado prevê mecanismos públicos de subsídio para parte dos investimentos impostos.
O principal deles é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), com recursos constantemente contingenciados pelo Governo Federal. De acordo com a lei que o instituiu, o FUST só pode ser utilizado para o cumprimento de metas de universalização, obrigação que se refere apenas a serviços prestados em regime público.

Nesse caso, o financiamento público para a ampliação das redes das operadoras se justifica pelos seguintes motivos: (i) o dinheiro se destina somente à parte dos investimentos que não pode ser recuperada com a exploração do serviço; (ii) os valores das tarifas são controlados para que o serviço seja acessível à população, contemplando-se também acessos gratuitos; e (iii) a rede construída não é patrimônio definitivo das operadora, pois sua posse volta à União ao final da concessão. Com tais garantias, outros subsídios poderiam ser estudados e aplicados sem significar favorecimento das teles.

Entretanto, o Governo mantém a prestação da banda larga exclusivamente em regime privado, criando alternativas ilegais e bastante complicadas para lidar com a demanda de ampliar as conexões à Internet no país e, ao mesmo tempo, evitar o enfrentamento com os poderosos interesses privados. Ao invés de submeter as grandes empresas do setor às obrigações do regime público, opta pela frouxa negociação da oferta de planos de banda larga popular, por empréstimos pouco transparentes do BNDES, pela desoneração de tributos na ordem de 6 bilhões de reais para a construção de redes privadas, pela defesa da utilização do FUST também em regime privado e, agora, considera admissível a doação às teles dos bens que restaram da privatização para que elas invistam em redes próprias, não reversíveis.

Nunca antes na história desse país se tratou com tamanha leviandade serviços essenciais e redes estratégicas!

É um posicionamento de várias entidades sobre os rumores, dentro do Minicon e que já foram reproduzidos pela mídia, de que o Ministro Paulo Bernardo está avaliando a possibilidade de doar os bens reversíveis (infraestrutura das telecomunicações oriundas do processo de privatização das teles conduzidas por FHC e que retornariam à União após o vencimento das concessões – portanto são bens públicos) para as empresas de telecom em troca de metas de atendimento de Banda Larga.

Assinam, entre outras entidades, as seguintes: 

Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
 
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
 
INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social
 
PROTESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor
 
ABRAÇO – Associação Nacional das Rádios Comunitárias
 

ARTIGO 19
 

Instituto Bem Estar Brasil
 

Instituto Telecom
 

Clube de Engenharia do Rio de Janeiro
 

Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações
 

FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Para conhecer a lista completa das entidades que participam da Campanha Banda Larga, Um Direito Seu, clique aqui

E se Verônica Serra fosse filha de Lula?


Paulo Nogueira 20 de março de 2013
Certas perguntas têm a força de mil respostas, e este é um caso.
Verônica Serra
Verônica Serra

Um título do site Viomundo, trazido ao Diário pelo atilado leitor e comentarista Morus, merece reflexão.
E se o filho de Lula fosse sócio do homem mais rico do Brasil?
Antes do mais: certas perguntas têm mais força que mil repostas, e este é um caso.


Os sócios de Verônica são Jorge Paulo Lehman e Marcel Telles. Lehman é o homem mais rico do Brasil. Daí a pergunta do Viomundo, e Marcel é um velho amigo e parceiro dele.

Lehman e Marcel, essencialmente, fizeram fortuna com cerveja. Compraram a envelhecida Brahma, no começo da década de 1980, e depois não pararam mais de adquirir cervejarias no Brasil e no mundo.
Se um dia o consumo de cerveja for cerceado como o de cigarro, Lehman e Marcel não terão muitas razões para erguer brindes.

Verônica se colocou no caminho de Lehman quando conseguiu dele uma bolsa de estudos para Harvard.


Não tenho elementos para julgar se ela tinha talento para fazer uma carreira tão milionária.

Ela não me chamou a atenção em nenhum momento, e portanto jamais conversei mais detidamente com ela.
Mas ali, na Exame, ela já era um pequeno exemplo das relações perigosas entre políticos e empresários de mídia. Foi a amizade de Serra com a Abril que a colocou na Exame.

Depois, Verônica ganhou de Lehman uma bolsa para Harvard. Lehman, lembro bem de conversas com ele, escolhia em geral gente humilde e brilhante para, como um mecenas, patrocinar mestrados em negócios na Harvard, onde estudara.

Não sei se Verônica se encaixava na categoria dos humildes ou dos brilhantes, ou de nenhuma das duas, ou em ambas. Conhecendo o mundo como ele é, suponho que ela tenha entrado na cota de exceções por Serra ser quem é, ou melhor, era.

Serra pareceu, no passado, ter grandes possibilidades de se tornar presidente. Numa coluna antológica na Veja, Diogo Mainardi começou um texto em janeiro de 2001 mais ou menos assim: “Exatamente daqui a um ano Serra estará subindo a rampa do Planalto”. (Os jornalistas circularam durante muito tempo esta coluna, como fonte de piada e escárnio.)

Cotas para excluídos são contestadas pela mídia, mas cotas para amigos são consideradas absolutamente normais, e portanto não são notícia.

Todos os filhos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros
Todos os filhos de políticos são iguais para a mídia , mas alguns são mais iguais que outros

Bem, Verônica agradou Lehman, a ponto de se tornar, depois de Harvard, sócia dele.
O nome dela apareceu em denúncias – cabalmente rechaçadas por ela – ligadas às privatizações da era tucana.

Tenho para mim que ela não precisaria fazer nada errado, uma vez que já caíra nas graças de Lehman, mas ainda assim, a vontade da mídia de investigar as denúncias, como tantas vezes se fez com o filho de Lula, foi nenhuma.


Lehman é discreto, exemplarmente ausente dos holofotes. Mas sabe se movimentar quando interessa.
Uma vez, pedi aos editores da Época Negócios um perfil dele depois da compra de uma grande cervejaria estrangeira. Recomendei que os repórteres falassem com amigos, uma vez que ele não dá entrevistas.
Rapidamente recebi um telefonema de João Roberto Marinho, o Marinho que cuida de assuntos editoriais. João queria saber o que estávamos fazendo.

Lehman ligara a ele desgostoso. Também telefonara a seus amigos mais próximos recomendando que não falassem com os repórteres da revista. Ninguém falou, até mais tarde Lehman autorizá-los depois de ver os bons propósitos da reportagem.

Lehman patrocinou o curso em Harvard para Verônica e depois a fez sócia
Lehman patrocinou o curso em Harvard para Verônica e depois a fez sócia

A influência de Lehman sobre João Roberto se deve, é verdade, à admiração que Lehman e seu lendário Grupo Garantia despertavam na família Marinho.

Mas é óbvio que a verba publicitária das cervejarias de Lehman falam alto também. Um amigo me conta que em Avenida Brasil os personagens tomavam cerveja sob qualquer pretexto.
Isto porque as cervejarias de Lehman pagaram um dinheiro especial pelo chamado ‘product placement’, ou mercham, na linguagem mais vulgar.

O consumidor é submetido a uma propaganda sem saber, abertamente, que é propaganda. Era como se realmente os personagens tivessem sempre motivos para tomar uma gelada.
Verônica Serra, por tudo isso, esteve sempre sob uma proteção, na grande mídia, que é para poucos. É para aqueles que ligam e são atendidos pelos donos das empresas jornalísticas.
O filho de Lula não.

Daí a diferença de tratamento. E daí também a força incômoda, por mostrar quanto somos uma terra de privilégios, da pergunta do site Viomundo.