terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Às vésperas de julgamento, OAB sai em defesa do CNJ



Às vésperas de julgamento, OAB sai em defesa do CNJFoto: ELIO RIZZO/Agência Estado

PROTESTO NA SEDE DA ORDEM EM BRASÍLIA REUNIU 500 PESSOAS, ENTRE ELES OS EX-MINISTROS NELSON JOBIM E MÁRCIO THOMAZ BASTOS; NESTA QUARTA-FEIRA, DECISÃO DO STF PODE LIMITAR AÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

31 de Janeiro de 2012 às 22:55
Agência Brasil – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou-se hoje (31) em defesa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com um protesto na sede da Ordem em Brasília. O ato ocorre na véspera do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), que pode engessar a função correicional do CNJ, excluindo, por exemplo, a possibilidade de a Corregedoria Nacional atuar junto com as corregedorias locais na apuração de delitos cometidos por magistrados.
Foi registrada a presença de sete dos 15 conselheiros do CNJ, a maioria deles de fora da magistratura: Jorge Hélio e Jefferson Kravchychyn (OAB), Gilberto Martins e Wellington Saraiva (Ministério Púlico) e Bruno Dantas e Marcelo Nobre (indicados pelo Congresso Nacional). O único conselheiro magistrado presente foi o ministro Carlos Alberto Reis de Paula, representante do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Entre os cerca de 500 participantes do ato, que ocuparam a sede da OAB, também estavam ex-ministros, como Nelson Jobim (ex-STF e ex-Defesa) e Márcio Thomaz Bastos (ex-Justiça), além de políticos, juristas e representantes do Ministério Público.
Para o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, o CNJ existe para investigar magistrados “que não honram a toga”, e apenas aqueles que não têm compromisso com o Judiciário brasileiro se beneficiarão de um tolhimento do conselho. Ele justificou seu ponto de vista lembrando que, dos 65 presidentes e corregedores de tribunais de Justiça estaduais e federais, 38 são ou foram alvo de investigação no CNJ.
O julgamento de amanhã é relativo a uma ação ajuizada em agosto pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade questiona uma resolução que detalha como o CNJ deve proceder nas investigações sobre desvios funcionais cometidos por magistrados. Em setembro, o assunto motivou a declaração polêmica da corregedora Eliana Calmon sobre “bandidos escondidos atrás das togas”, na qual a ministra fez referência aos possíveis efeitos que o julgamento da ação traria para o Judiciário.
Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu em caráter liminar, por conta própria, acatar o pedido da AMB e cancelar parte da resolução. A decisão foi tomada no último dia de trabalho do STF e teve validade durante todo o recesso do Judiciário. Agora, na primeira sessão plenária da Corte depois das férias, os ministros do STF vão julgar a liminar que restringiu a ação do CNJ.

Representação contra Ophir Cavalcante é arquivada pelo MPF



31/01/2012 17h42
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir CavalcanteFoto: Leonardo Carvalho/Folhapress
O Ministério Público Federal promoveu o arquivamento das acusações levadas ao órgão contra o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante que foi acusado de improbidade administrativa por ter pedido uma série de licenças, não remuneradas, do cargo de professor de Direto da Universidade Federal do Pará (UFPA).
 
Arquivamento – O procurador Daniel César Azeredo Avelino ao arquivar a representação contra o presidente nacional da Ordem, afirma que, "tudo leva a crer" que os representantes queriam usar o MPF para atingir Ophir Cavalcante.
 
Segundo Avelino, "as licenças obtidas pelo representado foram concedidas sem que se tenha imposto qualquer sacrifício à coletividade, sem prejuízo do interesse público. Ao contrário, em todos os casos o representado esteve afastado do magistério por razão muito justa, qual seja, em função do exercício de cargo de direção na Ordem dos Advogados do Brasil, instituição da mais alta importância, não apenas para os advogados, mas para toda a sociedade".
 
Ressaltou ainda o procurador que a ofensa à moralidade seria se o representado tivesse assumido o cargo na OAB e continuasse na UFPA recebendo salário sem dar aulas.
 
No tocante a atuação de Ophir em seu escritório de advocacia, o MP ponderou que no caso, também não há ilegalidade ou imoralidade, salientando o procurador que: "como bem pontuou o requerido nos autos, os docentes de cursos jurídicos não são impedidos nem mesmo de exercer a advocacia 'contra a Fazenda Pública que os remunere', de acordo com o artigo 30, parágrafo único, do Estatuto da OAB."
 
Ophir teve o apoio dos presidentes das seccionais que foram favoráveis a sua conduta ética. Em entrevista recente ao FATO NOTÓRIO no tocante ao referido apoio o presidente nacional da Ordem afirmou que, “com a manifestação do Colégio de Presidentes das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, as seccionais demonstraram que a preocupação não é com a pessoa Ophir, e sim com a Ordem, que está sendo vítima de uma campanha difamatória e injusta no Pará. Esta manifestação ainda demonstra que tudo o que o presidente fez foi dentro da legalidade”.
 
Acusações – O presidente nacional da OAB foi acusado além do crime de improbidade administrativa, também de atuar em seu escritório de advocacia no período em que pediu licença da Universidade. 
 
Segundo os autos, os requerentes alegaram que Ophir que é “professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará, teria obtido daquela instituição uma série de licenças não remuneradas eivadas de ilegalidade e imoralidade, e que no período entre 09.01.2004 e 01.08.2005, mesmo não estando em gozo de licença, não foi designado para ministrar qualquer disciplina, deixando, de comparecer efetivamente ao trabalho, em que pese, o recebimento regular de vencimentos. Questionam, ainda, fato de o representado, durante os períodos de licença, ter continuado a exercer a advocacia em seu escritório particular”.

MP do Pará – O Ministério Público do Estado do Pará também arquivou a representação apresentada contra Ophir, reconhecendo que licença para o exercício de mandato de direção em associação de classe é legítima e legal, segundo a decisão, o advogado não foi eleito para ser "um mero conselheiro da OAB", e sim para exercer "cargo de direção e de representação da entidade de classe representativa de sua profissão".

Protógenes: Satiagraha foi uma operação de Estado.


Entrevista com PROTÓGENES QUEIROZPROTÓGENES QUEIROZDeputado Federal, delegado da Polícia Federal
Protógenes Pinheiro Queiroz exerce seu primeiro mandato como deputado federal (PCdoB-SP) e é delegado da Polícia Federal desde 1998. Antes, porém, advogou e foi procurador do Município de São Gonçalo (RJ). Na Polícia Federal atuou em diversas investigações polêmicas, como o caso Corinthians/MSI; a máfia da arbitragem no Campeonato Brasileiro de 2005; investigações contra os ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf; e contra o contrabandista Law King Chong. Ganhou notoriedade ao comandar a “Operação Satiagraha” – considerada a maior contra banqueiros e outros acusados de crimes de colarinho branco no Brasil.
30/01/2012 06h00 - Jurídicas



Entrevista com PROTÓGENES QUEIROZ
Protógenes Queiroz atuando em comissão da Câmara dos DeputadosFoto: Saulo Cruz - Agência Câmara
FATO NOTÓRIO: A “Operação Satiagraha” foi uma das principais ações contra criminosos do colarinho branco. Conte-nos como ela foi planejada e se, em sua avaliação, cumpriu seus objetivos? 

PROTÓGENES QUEIROZ: Ela não foi uma operação policial comum, ela foi uma operação de Estado. Eu fui designado pelo Estado brasileiro, pelo gabinete do presidente da República, que se encontrava numa situação de ameaça, com essa estrutura que o banqueiro condenado Daniel Dantas chefia. 

Uma estrutura muito poderosa, com muito dinheiro e com muita influência política ainda – haja vista que, recentemente, ele obteve uma vitória parcial no Superior Tribunal de Justiça na mesma data que ocorreu o julgamento de um procedimento disciplinar contra o desembargador Fausto De Sanctis – na mesma data: de manhã cedo foi o julgamento no CNJ do dr. Fausto e a tarde no STJ, tamanho o poder que ele tem de pautar na mesma data para dar uma demonstração de força e poder e que ele ainda está presente, e com muita força, neste estágio atual da República. Talvez com mais força do que antes. É como se fosse uma medusa, você corta uma cabeça e nascem 10. 

Mas, com toda esta estrutura poderosa, ele pode ter poder dentro do Estado, mas não perante a população, perante a sociedade, que um dia vai cobrar. O Estado não cobra, mas a população vai cobrar e os homens de bem deste Brasil vão cobrar, porque nós somos a maioria. Existe uma minoria corrupta, evidentemente confessamos que é muito poderosa, mas que a história do mundo inteiro nos prova que existe um ponto que é visível na estrutura social, na estrutura do Estado. O poder não é eterno. 

Outra consideração é que a “Operação Satiagraha”, como uma operação de Estado, alcançou seu objetivo, sim. De mostrar a população a falência do Estado brasileiro ante ao poder de corrupção de uma organização muito bem estruturada nos poderes da República e também em determinados órgãos do Estado e até mesmo dentro da estrutura privada também, que elevou esse nível de corrupção não só dentro como fora do Estado brasileiro. 

Esses objetivos foram alcançados a partir do momento quando foram revelados todos os instrumentos, os tamanhos da organização e a infiltração deles nos poderes da República. 

O Brasil se tomar conhecimento ipsis litteris do que foi produzido na “Operação Satiagraha” e o comprometimento da estrutura do Estado, da estrutura federal, da estrutura dos poderes da República, a infiltração que está nestes poderes, nós vamos dar razão ao saudoso Raimundo Paolo. Nós vamos ter que refundar esta República. 

Um dia isso tem que, literalmente, vir a público, até para servir de dado histórico para que a República não repita ou se permita criar instrumentos para que não chegue neste estágio que chegou hoje. Pagamos um preço muito alto hoje para criar instrumentos jurídicos dentro do Congresso Nacional para combater a corrupção, para aperfeiçoar as estruturas do Estado para funcionamento à população: distribuição de Justiça, distribuição de renda, para as responsabilidades públicas no setor da Saúde, Educação. 

Isso é privado por ações criminosas de grupos que estão incrustados na superestrutura do Estado, que acumularam bilhões de dólares em contas de paraísos fiscais e até mesmo aqui no Brasil. O banqueiro condenado Daniel Dantas, a mulher dele tinha quase R$ 1 milhão em conta corrente. Normal? Qual brasileiro que trabalha honestamente que tem estes recursos numa conta pessoal? Ninguém tem isso! Isso foi revelado nas investigações, além de outros dados. Então, isso aí demonstra que este objetivo nós alcançamos. 

Mexeu com as estruturas do Estado. Mexeu tanto que elas começaram a dar sinais para se modificarem, mas não para acabar com a punição ou a impunidade. Não! Para manter a impunidade e perseguir quem, porventura, for contra a esta estrutura poderosa de muito poder. Isso ficou bem patente. Nós temos os casos dos dois HCs no STF, que foram despachados de madrugada; nós tivemos logo a seguir a “Lei das Algemas”, não é isso? 

Pobre, negro, desempregado, você pode algemar, dar tapa porque não tem problema. Se você for pegar integrante desta estrutura, você não pode mais. Foi criada uma jurisprudência na suprema corte para isso a partir da algema colocada neste banqueiro. Enquanto você está punindo o pobre, não tem problema nenhum. Basta você punir um integrante desta estrutura, aí a coisa tumultua. Tamanho o envolvimento do Estado nisso aí.

Como uma ação de Estado, uma operação muito complexa, que se desenvolveu ao longo de cinco anos, com tentáculos internacionais e que em determinado momento nós visualizamos tamanha organicidade e superioridade ao Estado brasileiro, aos poderes desta República. E nós tínhamos que dar uma resposta ao nível disso aí. E essa resposta veio em bom tempo, por um juiz muito sério, que é o dr. Fausto De Sanctis. 

Na primeira fase eu permaneci na investigação. Eu fui afastado sumariamente, de forma unilateral e injustificável e não houve reparo judicial a respeito disso, não houve nenhuma discussão, nenhum debate e não se permitiu naquele momento histórico eu dizer isso, a estrutura funcionou para proteger os corruptos. 

Nesse momento o que nós conseguimos foi uma situação a altura do que nós produzimos: uma condenação por crimes de corrupção a 10 anos de prisão, ao pagamento de R$ 12 milhões de multa e ao bloqueio de, aproximadamente, de quase US$ 3 bilhões do total de US$ 17 bilhões – ainda tem US$ 14 bilhões no bolso para poder comprar muita gente e minar muitos poderes da República.

FATO NOTÓRIO: Qual sua avaliação sobre a decisão do STJ?

PROTÓGENES QUEIROZ: Passou por cima de toda uma ação de Estado legal e uma sentença condenatória de primeiro grau embasada com um grande volume de dados e ele não tinha como derrubar todo este trabalho e se apegou numa questão primária, mas equivocada e infeliz, porque como é que se anula uma sentença de primeiro grau por cooperação entre órgãos federais? A justificativa para anular é que a Polícia Federal cooperou com a Abin e a Abin não poderia cooperar. Tinha que cooperar com o Comando Vermelho? Tinha que cooperar com o PCC? Tinha que cooperar com os cartéis colombianos? Acho que a Justiça brasileira pensa dessa forma. Tinha que cooperar com o banqueiro-bandido Daniel Dantas. 

Se a Polícia Federal tivesse essa cooperação seria bem vinda nas hostes da corrupção brasileira quando ele ofereceu US$ 5 milhões a um dos policiais – e isto era a proposta inicial, podia chegar a US$ 20 milhões – para parar a investigação. Acho que esse esquema absorveria bem isso. Mas como nós pegamos os US$ 5 milhões, apreendemos, preservando o dinheiro que é público e botamos uma algema nele porque ofereceu a um agente do Estado, então a resposta foi desse jeito, foi nesse nível. Ela retrata a realidade cruel que é hoje. 

E, ainda assim, eu informei ao STJ, por meio de seu presidente, dr. Ari Pargendler, que ele tinha naquela suprema corte, naquele julgamento, um juiz suspeito, cujo filho era advogado, empregado, do escritório do Sérgio Bermudes, que é o advogado do banqueiro condenado Daniel Dantas – que foi admitido até pelo dr. Sérgio Bermudes: ‘não, eu não sou advogado do sr. Daniel Dantas; sou advogado do Banco Oportunity’. Valendo até uma demonstração de poder de que a realidade brasileira me permite dizer esse texto com muita franqueza: ‘sou advogado mesmo e daí?’ 

E esse documento foi para dentro dos autos. E o ministro Macabu, que é um desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Adilson Macabu, e ele não se deu como suspeito.
Ainda assim, busquei mais documentos que davam conta que o desembargador Adilson Macabu pertenceu a mesma entidade de leilão de gado que o banqueiro condenado Daniel Dantas. Pertencia e faziam negócios juntos, além do filho que pertence ao escritório de advogados, também negócios que ele participou. Isso foi para dentro dos autos e isso nada parou a locomotiva em favor da corrupção.
Acho que agora a Procuradoria-Geral recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Federal e eu acredito que, no Supremo – apesar de algumas decisões em determinados momentos da história serem pouco compreendidas por nós, profissionais do direito, pela população – mas, nesse ponto o Supremo não pode ficar do lado da corrupção como o STJ ficou. 

Ficou muito ruim, a Justiça brasileira que vem perdendo a credibilidade ao longo dos anos e chegou a um ponto de ninguém acreditar mais na Justiça: ‘ah, no Judiciário, não. Lá tem corrupção, corruptos’. O que a Justiça brasileira produz é essa massa de miseráveis que abarrota o sistema prisional brasileiro e que estatisticamente o Ministério da Justiça constatou que mais de 80% da população carcerária brasileira é de semi-analfabetos e analfabetos – que não vai dar nem para aplicar a lei que aprovamos recentemente, sancionada pela presidente Dilma, da remissão de pena do preso que vier a estudar.

FATO NOTÓRIO: O seu afastamento das investigações da “Operação Satiagraha” foi um ato político? 

PROTÓGENES QUEIROZ: A instituição policial, diferente das instituições Ministério Público e magistratura, nós não temos as mesmas prerrogativas e garantias constitucionais para exercer a atividade policial. O delegado de polícia está sujeito a qualquer remoção ex-ofício, que há entendimentos jurisprudenciais que ainda que não tenham as prerrogativas, a autoridade que requisitar ou afastar, aquela autoridade de investigação, tem que motivá-la. Está nos princípios da administração pública: a motivação. Só que nem isso teve. 

São os donos do poder, fazem o que quer. Mas, isso um dia acaba.

FATO NOTÓRIO: E quanto a sua demissão da Polícia Federal? 

PROTÓGENES QUEIROZ: Não fui demitido. Queriam isso, mas não aconteceu. 

Fui afastado da investigação e depois, para eles me manterem longe da atividade policial, porque havia um temor. Eu fui removido da Diretoria de Inteligência para a Diretoria de Garantias de Defesas Institucionais e esse departamento lida com causas sociais, com movimentos sociais. 

Daí eu comecei a receber pessoal quilombola, indígenas... Eles queriam me parar e aplicaram uma pena disciplinar para me afastar da atividade policial. Abriram um procedimento, depois abriram outro. Abriram 32 procedimentos que tramitaram e me afastaram temporariamente. Durante este período eu percorri o país dando palestra, daí criou esse ambiente de natureza política onde eu fui instado a ocupar uma vaga de deputado federal concorrendo por São Paulo.

FATO NOTÓRIO: Quem esteve por trás de uma suposta perseguição? 

PROTÓGENES QUEIROZ: O banqueiro Daniel Dantas usando a estrutura do Estado.
Visivelmente, a cúpula da Polícia Federal. O diretor Luiz Fernando Corrêa se prestou a isso e serviu o bandido
Quem protege bandido, bandido é.

FATO NOTÓRIO: A Polícia Federal construiu uma imagem diferente nos últimos 10 anos. O senhor concorda com esta afirmação? 

PROTÓGENES QUEIROZ: Não é a Polícia Federal que, institucionalmente, nos últimos 10 anos representou benefícios para a sociedade. Uma visibilidade, um resultado maior, o combate ao crime organizado, à corrupção. Foi a oxigenação do órgão. 

O órgão estava anacrônico, paralisado, há mais de 10 anos sem concurso público. Na década de 90 houve concurso público – em 93 houve concurso público e eu sou oriundo deste concurso e que houve oxigenação do órgão, trazendo uma nova geração de profissionais do direito a ocuparem as vagas de delegados e de agentes. Cada um carregando o ideal, e este ideal produziu esta história na Polícia Federal, pelo menos no período que eu ocupei o cargo de delegado por 12 anos. Foram grandes trabalhos que realizamos. Não só eu sozinho, mas uma equipe de jovens policiais que se empenharam em dar essa nova face à Polícia Federal. 

E isso incomodou o status quo antes, incomodou o sistema, incomodou a estrutura corrupta e houve a mudança da estrutura da Polícia Federal com a queda do diretor Paulo Lacerda para a ascensão do diretor Luiz Fernando Corrêa que veio com esta missão: de desestruturar, de desaquecer estas operações da Polícia Federal, como de fato ocorreram. 

A partir da ascensão do diretor-geral Luiz Fernando Corrêa o órgão se tornou um órgão anacrônico. Se você perguntar hoje, dentro da Polícia Federal, se os policiais federais estão satisfeitos com a carreira, você vai ter quase 100%, de unanimidade, de insatisfação. Isto é de uma pesquisa de satisfação para a saída do diretor-geral – isso nunca teve – e esse diretor-geral permaneceu para cumprir tarefas desse sistema corrupto. 

Agora não dá para identificar quais os integrantes deste sistema corrupto. Daniel Dantas é um deles. Ele e a quadrilha dele, que organiza e as pessoas que eu identifiquei que politicamente são ligados a ele. E fazem parte destes dois momentos de governo, tanto do PSDB quanto do PT – tamanha dificuldade para nós trabalharmos nesta estrutura corrupta que ainda está vigente no país. O banqueiro Daniel Dantas criou no governo do PSDB e se reafirma dentro do governo do PT. 

É muito difícil. Não são os integrantes, a estrutura do Partido dos Trabalhadores que protegeu o banqueiro Daniel Dantas. Evidentemente, você vê o poder dele durante o período do governo. Você vê nitidamente a mobilidade dele, a estrutura do Estado, se movendo a favor dele nesse período – como se moveu no período anterior do PSDB. 

E ali ele nasce, originariamente, dentro do PSDB. Ele se fortalece, acumula grande fortuna, administra grandes fundos de pessoas na estrutura do Estado advindos das privatizações. Aí começa o ciclo – o ciclo corrupto desta República: nas privatizações e que o FHC que dá início a este ciclo. E este ciclo, o governo do PT, num segundo momento assume o poder, mas não consegue encerrar este ciclo. Dá continuidade e ainda reafirma. Não consegue em nome da governabilidade e essa estrutura do Daniel Dantas se auto-reafirma dentro desse segundo momento, no governo do PT. 

Agora tem um terceiro momento. Vamos ver como que é esse comportamento. Já não é boa – essa decisão do STJ e a decisão também do CNJ é uma demonstração de força agora dentro deste terceiro momento. E até de uma forma mais acintosa, mais arrogante. Isso é preocupante, mas isso tem um tempo, um prazo de validade. Basta a população querer. A população tem que agir, se a população não agir haverá um retrocesso nesta cadeia de modificação e transformação que o Brasil precisa no campo da ética, da moral, principalmente no combate à corrupção. 

Se hoje nós estamos vivendo esta triste realidade, escândalos de corrupção no primeiro escalão da República brasileira, e isto não foi construído neste momento, já vem desde o primeiro momento da redemocratização do país. E nós não conseguimos cessar este ciclo, porque não punimos ninguém. Não tínhamos instrumentos jurídicos para punir ninguém. Existe um mecanismo de proteção. A estrutura do Estado é usada para proteger e dar mais poder a essas pessoas. Nenhum país do mundo tem esta tamanha vulnerabilidade de desviar dinheiro público, praticar crime e não acontecer nada se o camarada estiver na estrutura de poder. Criminosos estão na estrutura de poder do Estado.

FATO NOTÓRIO: Setores da oposição acusam a PF de ser braço do Executivo, desde o início dos governos petistas. O senhor concorda? 

PROTÓGENES QUEIROZ: É um comentário que não assiste razão, que não concordo. Nós tínhamos num primeiro momento a Polícia Federal um órgão totalmente anacrônico, sem equipamentos, sem policiais, sem renovação policial. E esta renovação veio no do Governo Lula. 

No governo do presidente Lula, no governo do PT, nós tivemos uma maior ampliação de trabalho: uma maior mobilidade, maiores investimentos, a mim, particularmente, nunca me foi pedido para privilegiar investigação para ‘A’, ‘B’ ou ‘C’. Eu não conheço nenhum caso na Polícia Federal nesta direção. Muito pelo contrário, houve, aí é um marco. 

Não é culpa do governo, é culpa da estrutura do país que está podre. Uma só pessoa dentro da estrutura do governo não conseguiu domar este dragão da corrupção e esses corruptores, que é o banqueiro Daniel Dantas, que tem muita influência. 

Isso é visivelmente notado com a desestruturação do órgão, o desaquecimento das operações. Daí podemos avaliar: o governo está cooperando com esta estrutura corrupta? Não, o governo não está tendo a capacidade de enfrentar. Está perdendo a guerra. Ocorreu isso aí. É só pegar a estatística e avaliar.

FATO NOTÓRIO: Outra crítica contra a Polícia Federal é uma “parceira” com um repórter e uma grande emissora para midiatizar suas operações. As críticas procedem? 

PROTÓGENES QUEIROZ: É uma avaliação que também foi construída por este sistema corrupto e que queriam dar um basta contra estas operações da Polícia Federal, notadamente contra estas grandes organizações que estavam infiltradas no poder do Estado, dilapidando o patrimônio público, desviando bilhões de reais.

Lógico que estas prisões de homens públicos chamam a atenção da população e da imprensa. Evidente que a prisão de um prefeito, de um governador, do Paulo Maluf, Pitta, Naji Nahas, Daniel Dantas, chama a atenção do mundo. Do Hildebrando Paschoal, do chinês Law King Chong. É óbvio que a imprensa vai noticiar e tem que noticiar mesmo. Tem que revelar à população que há uma bandidagem nesta República, de alto coturno, de alto calibre, de colarinho branco, de alto poder.

E a população tem que acompanhar o desenrolar deste processo. E isto eles tentaram desqualificar para que a população não acompanhasse. Então passou a criticar as operações quando o jornalista investigativo obtinha, ficava de plantão na superintendência, como fica de plantão nas delegacias de polícia civil esperando a ocorrência de crime comum. 

Não incomoda a estrutura do Estado corrupta quando você pega uma pessoa pobre, humilde e algema para trás. Daquele possível delinquente, exibe para a câmera de televisão. Aquele ali pode.
A imprensa está no local, a imprensa conseguiu chegar, sem o auxílio da própria polícia, pelos meios próprios. A polícia tem o dever de não impedir o trabalho da imprensa. Nós temos que respeitar a liberdade de imprensa, nós estamos numa República.

O jornalista estava lá durante o ato da operação policial, era dever da polícia ir lá prender o jornalista, quebrar a câmera do jornalista? Isso é ato de terrorismo praticado na ditadura militar. Nós estamos em pleno período da democracia. Evidentemente que a polícia, as autoridades públicas, não vão anunciar antes até porque estão alegando que houve vazamento porque o jornalista estava na casa do Pitta...

FATO NOTÓRIO: Mas, o privilégio para um jornalista específico? 

PROTÓGENES QUEIROZ: Se houvesse o vazamento, anunciado para a imprensa, você acha que a Globo não teria dado em primeira mão ‘amanhã vai haver a prisão do Celso Pitta’. Mas, é lógico que teria dado. É desta forma que funciona.

Todas as pessoas que tiveram decretadas as prisões, todos os mandados foram cumpridos. Se um não fosse cumprido, talvez hoje pairasse esta criminalização contra mim. Como tentaram me criminalizar e fui condenado por este fato. O jornalista estava lá e seria minha obrigação de impedir.

Eles estavam lá por meios próprios, eu nem sabia que tinha jornalista lá. E se está, parabéns para ele e viva a liberdade de imprensa. A República brasileira passou a conhecer os ladrões desta República.
Quando há vazamento, o bandido foge, não há apreensão de documentos. Conseguimos apreender documentos, mais de R$ 1,2 milhão no dia. Conseguimos bloquear US$ 3 bilhões – o cara teria transferido isso se houvesse vazamento. 

Não pode usar a Abin porque é órgão federal, a Abin não pode colaborar... É uma operação de Estado. O banqueiro condenado estava vendendo o subsolo brasileiro para empresa estrangeira de uma forma ilegal. Proteção ao subsolo brasileiro é uma ameaça à soberania nacional, minérios, urânio, nióbio, ferro, bauxita. É questão de Estado. A Agência Brasileira de Inteligência tem o dever de acompanhar, sim. É uma de suas atribuições, defesa de Estado. Ela faz inteligência de Estado, protege o Estado de ameaças internacionais. A Abin trabalhou sob esta ótica, sob este foco. E trabalhou muito bem.

FATO NOTÓRIO: É mais difícil o dia-a-dia de um delegado da Polícia Federal ou de um deputado federal? 

PROTÓGENES QUEIROZ: Os dois segmentos são difíceis. Os dois segmentos você pode ser um burocrata. Você pode se aposentar com muitos elogios, ter ocupado muitos cargos de chefia. Geralmente tem uma parcela que nunca viu um inquérito policial na vida, nunca investigou ninguém.
A gente tem que optar: ser mais um integrante desta burocracia estatal, sem ninguém conhecer o que ele fez ou o que ele faz e até ser mal visto. Ou você enfrentar todos estes desafios, toda esta máquina, esta estrutura. E você vai ter que enfrentar esta máquina corrupta, incrustada dentro do Estado, dentro das instituições. 

Na política a mesma coisa. Tem colega parlamentar que não dá um pronunciamento, que às vezes não aparece nem para votar. Ou só vai para votar. Tem outros parlamentares que são aguerridos, que assumem a tribuna e se propõe a enfrentar os problemas nacionais que o hoje o Congresso tem. Agora, eu posso afirmar que é a grande maioria, não é a minoria. 

Hoje o parlamento brasileiro, com a renovação que teve, a Mesa Diretora atual é vanguardista. O presidente Marco Maia é do PT, mas muitas vezes ele tem atitudes dentro do parlamento a favor do parlamento. A favor da autonomia do Congresso Nacional. 

Tem a parcela que é a realidade do Brasil. Que não se indigna com nada, não se incomoda com nada. Lembra até uma música do Jair Rodrigues: ‘Deixa que digam. Que pensem. Que falem. Deixa isso pra lá. Vem pra cá. O que que tem ? Eu não estou fazendo nada. Você também. Faz mal bater um papo’. Vamos conversar aqui de abobrinha. Uma parcela da classe política está aí neste ritmo da música do Jair Rodrigues, mas têm deputados comprometidos. 

Eu mesmo saio do gabinete meia-noite, uma hora da manhã. Eu não consigo ir para casa e ver as coisas acontecendo, eu não durmo. Na primeira semana de parlamento, fui muito bem recebido por todos, com medo, mas depois eu fui dialogando com os mais velhos, mais antigos, com os mais experientes do parlamento, que conhecem a tramitação dos projetos de leis. Até de outros partidos, de outras ideologias que não o PCdoB. Pessoas que conhecem o jeito brasileiro de como se tocam as coisas no parlamento. 

Há um comprometimento sério das pessoas de fazerem acontecerem mesmo. Projetos de lei que defendam o país. Agora é uma dificuldade muito grande porque o Congresso Nacional é composto por várias forças políticas – cada força política dessa tem um interesse. 

Quando se converge é bom para o país, mas quando diverge é um desastre. Para se convergir se leva tempo e enquanto isso os bandidos se organizam e o patrimônio público vai se lapidando e vão se desviando bilhões de reais do dinheiro público. Essa é a dificuldade da política. Tem que se arregaçar as mangas e trabalhar muito. Lá se trabalha muito. Se quiser não se trabalha nada, mas se quiser se trabalha mais do que aqui fora. Vai do compromisso de cada um. 

Em menos de um mandato eu apresentei o projeto de lei de combate à corrupção por uma série de motivos. A escalada de corrupção no Brasil vai aumentar, vai avançar. Apresentei o projeto no dia 3 de fevereiro, apresentei para criar a ‘Frente Parlamentar de Combate à Corrupção’ – poucos parlamentares, 74 parlamentares. Poucos comparecem às reuniões por que é um tema que não tem muito interesse. 

É todo um processo. Marx já dizia que a sociedade se move por interesses.

FATO NOTÓRIO: O atual sistema eleitoral proporcional é o mais correto? Qual sua opinião em relação a casos como a votação maciça de Tiririca, que ajudou a eleger outros candidatos da coligação? 

PROTÓGENES QUEIROZ: O sistema proporcional está contemplado na Constituição da República, é um sistema que fortalece a democracia e não enfraquece. Ele permite uma aliança entre os partidos que equaciona as decisões e a divisão de poder no político no país. 

Lógico que nas eleições vão ter, historicamente, esses casos inusitados, como o caso do Enéas, do próprio Maluf e de outros casos que poderão surgir. É bom até para servir de alvo de estudo e reflexão. Os votos lá que o humorista teve, o Tiririca, e a imprensa até tentou explorar que eu fui eleito com os votos dele. E eu não fui eleito com os votos dele, eu fui eleito na legenda e com os votos que o meu partido conseguiu. 

Eu até comentava: muito me honra se eu fosse sido eleito com os votos do artista, do humorista, que é uma pessoa honesta e honrada. Sentiria-me desconfortável, até não queria o mandato, se fosse com os votos de um ladrão da República, como têm alguns eleitos e que levaram alguns deputados aí.
Isso é a realidade da democracia e tem que se considerar que é o voto de protesto. Ou seja, os votos do Tiririca não são os votos para o Tiririca. São os votos daquele eleitor que está indignado com a política brasileira e está dizendo ‘não’ à política. É uma situação para nós corrigirmos a rota, para cada vez mais nós abrirmos os debates nas universidades, nas escolas, no campo da política para trazer a população para participar da política e contribuir. 

Para as pessoas de bem serem candidatas. Para as pessoas de bem ingressarem na política brasileira. Se as pessoas de bem ficarem de fora da política brasileira vai ficar sem espaço na política neste país.

FATO NOTÓRIO: O senhor disse que os mapas de votação das Eleições 2010 seriam a materialidade de um crime oriundo da urna eletrônica. 

PROTÓGENES QUEIROZ: Possivelmente houve fraude, possivelmente. Eu tive a preocupação de ir em algumas cidades e tenho a prova de pessoas comprometidas, que trabalharam voluntariamente, votaram – eram mais de uma – em várias cidades. 

Historicamente se você pegar os mapas eleitorais dos candidatos você vai ver que não é da forma que é o meu mapa eleitoral. 

Há indícios, já procurei pessoas especializadas nesse tema e já houve num primeiro momento a aferição de que houve fraude, mas a materialidade, além do mapa eleitoral, tem de haver uma perícia na urna eletrônica e aí há a dificuldade. Essas urnas, possivelmente, já devem ter sido decodificadas, já resetaram todos os dados. 

Isso tem que ser na hora. Agora como que um candidato como eu, sem infra-estrutura, sem recursos, poderia manter fiscalização em 645 municípios para, na hora, impugnar? Você sabe que na Justiça Eleitoral os recursos são céleres. Você tem que ter uma estrutura muito grande.

FATO NOTÓRIO: O senhor crê que tem gente exercendo mandato que não teve voto para ser eleito?

PROTÓGENES QUEIROZ: Com certeza. E a Justiça Eleitoral é, ao mesmo tempo, uma justiça cidadã e uma justiça de Estado e uma justiça que protege a democracia. Lógico que nesse momento que o país vive, eu entendo que não pode ter uma judicialização. O país já está neste desastre de incertezas, inseguranças, injustiças. 

Imagina se nós aferirmos se o pleito eleitoral de 2010 teve várias candidaturas que foram fraudadas? Que vai, evidentemente, desaguar na candidatura majoritária da presidente Dilma, da presidência da República. Eu considero que houve fraudes dos dois lados. Se checar mapas eleitorais de candidatos que estavam apoiando o outro bloco político também vão encontrar fraudes. 

O Estado brasileiro não tem instrumentos, nem infra-estrutura, nem recursos, nem recursos humanos que permitam fiscalizar e controlar a sua estrutura. Não tem. Ela tem uma pequena estrutura, ela funciona para dar respostas à sociedade de que ela existe, de que ela funciona. Mas quando apresentam os casos concretos ocorrem os impasses que daí nós vamos ver que ela é ineficiente. 

É uma questão de no futuro dotarmos a Justiça Eleitoral de uma infra-estrutura para ser uma justiça mais democrática, que proteja realmente a democracia. Não por culpa dos juízes eleitorais que fazem o máximo. O presidente Lewandowski é um presidente do TSE vanguardista, é um homem de Estado, um homem público, um cidadão. Antes de ser um ministro, ele acredita num futuro melhor do Brasil através da democracia e ele acredita que a Justiça Eleitoral que dá o tom, é a guardiã da democracia. 

Para ser guardiã da democracia, tem que dotar a Justiça Eleitoral dos meios necessários para ser guardiã.